Publicado em 24/11/2015 às 12h46.

Adolescentes são retirados de trabalho em lixão de Eunápolis

Condições de trabalho eram insalubres e apresentavam riscos; trabalho infantil e adolescente cresceu 4,5% no país no último ano

Rebeca Bastos
Ação conjunta no lixão. Foto Divulgação PRF
Ação conjunta no lixão. Foto Divulgação PRF

A Gerência Regional do Trabalho em Eunápolis afastou dois adolescentes desempenhando trabalho irregular em lixão do município na madrugada desta terça-feira (24). Os jovens, um de doze e outro de dezessete anos, encontravam-se em condições insalubres, sem equipamentos de proteção e na presença de riscos biológicos realizando atividades de coleta, seleção e beneficiamento de lixo. O trabalho de crianças ou adolescentes nessas condições é proibido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e é classificada como uma Piores Formas de Trabalho Infantil e deve ser abolida do Brasil até 2016, de acordo com o  compromisso que o país firmou com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

No entanto, a erradicação do trabalho infantil em território nacional está se tornando um sonho cada vez mais distante de ser alcançado. De acordo com dados da última pesquisa Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a exploração desse grupo cresceu 4,5% no último ano e vem na contramão das conquistas sociais do país na última década.  A situação é mais crítica no Nordeste, em que o nível ocupação de 8,1 subiu para 8,7% na comparação entre 2013 e 14.

Bahia é recordista no Nordeste – A Bahia figura entre os estados que mais exploram a mão de obra infantil no país e é o líder no Nordeste, segundo os dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010. Aqui, foram registrados cerca de 290,6 mil casos, liderando o ranking nordestino, tanto em números absolutos quanto em percentual.

Para Maria Teresa Calabrich, presidente do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador da Bahia (Fetipa) e auditora fiscal do trabalho,  há falta de articulação entre as políticas públicas existentes, o que impossibilita um salto quantitativo e qualitativo na erradicação do trabalho infantil no Brasil.

“A política de transferência de renda somente não consegue afastar a criança e/ou o adolescente do trabalho infantil. É necessário que políticas públicas nas áreas da educação, saúde, transferência de renda, qualificação profissional/geração de renda atuem de maneira simultânea e coordenada e que exista um acompanhamento deste processo para corrigir possíveis descaminhos.”, aponta Calabrich.

Conscientização– O combate ao trabalho infantil está inserido em uma rede complexa de serviços, caso as instituições não estejam integradas, há um grande risco do trabalho não surtir efeito. É o que está acontecendo neste momento onde crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos encorparam as estatísticas de exploração de trabalho.  No caso dos adolescentes encontrados em Eunápolis na  madrugada desta terça, a Auditoria Fiscal providenciou a coleta de dados dos seus dados e a administração  do lixão será responsabilizada pela irregularidade, estando sujeita a multas e outras penalidades que podem levar à prisão. Os jovens e suas famílias também serão encaminhados  à rede de proteção da criança e do adolescente.

Na opinião de Hildásio Pitanga, vice-presidente do Fetipa, um dos grandes aliados para a erradicação do trabalho infantil é o acesso à informação, pois muitas vezes, sobretudo no interior do estado, é natural e até bom para a criança trabalhar. No entanto, quando todos os agentes de proteção à infância se aliam com a família e acham respaldo nas políticas públicas os índices de crianças e adolescentes em situação de trabalho irregular são diminuídos. “A conscientização é essencial, em um dado município certa vez um prefeito comprou carrinhos de mão e doou para que trabalhadores pudessem fazer o transporte de alimentos da feira, no entanto, a maior parte dos “beneficiados” eram crianças”, relata.

Crianças expostas ao trabalho infantil correm vários riscos de consequências físicas, emocionais, sociais e educacionais. Ao contrário do que se pensa, o trabalho infantil é uma forma de perpetuar a pobreza. Dados da PNAD 2009 mostram que as pessoas que começaram a trabalhar com menos de 14 anos receberam ao longo da sua vida adulta salários abaixo de R$1 mil. Para aqueles que começaram a trabalhar com menos de nove anos, a redução da perspectiva salarial é ainda maior: as rendas alcançaram no máximo R$500,00 mensais.

Adolescentes em situação de rua. Foto: Agência Brasil
Adolescentes em situação de trabalho de rua. Foto: Agência Brasil

Mudança é possível- A informação é uma das principais armas de combate à prática de exploração do trabalho infantil, isso porque em pleno século XXI ainda existe um consenso social de que é melhor para a criança e para a sociedade está trabalhando do que pedindo esmola ou à toa na rua. Os especialistas e ativistas da causa são uníssonos em afirmar que a forma de mudar esse pensamento arcaico é disseminar para a população que a exploração do trabalho na infância e adolescência é nefasto e pode deixar sequelas físicas, psicológicas e sociais.

“Tirar as crianças e adolescentes da situação de trabalho e oportunizar que eles tenham acesso a educação de qualidade, com um trabalho eficaz para a educação de qualidade e voltado a sua formação cidadã é a melhor forma de mudar a realidade”, diz Marcos Antônio Carvalho, coordenador de Arteducação do Projeto Axé, que ao longo de seus 25 anos de existência  ajudou a retirar das ruas quase 15 mil crianças e adolescentes.

É o caso de Luciana Xavier, que aos 32 anos carrega muitas histórias da época que trabalhava nas ruas. Ela começou quando tinha sete anos e ia junto com a família colher frutas nas árvores do Parque da Cidade para vender no centro de Salvador. Depois, já sozinha passou a vender jornais e também já atuou como pedinte. Sem perder o vinculo familiar ela voltava para  casa todos os dias, mas lembra que já passou muita vergonha quando os colegas e professores a encontravam na rua.

“Foi uma época difícil, eu não tinha tempo para as atividades da escola e estudar era muito difícil, pois sempre estava muito cansada e não tinha tempo. Isso atrapalhou meu desenvolvimento na escola, sem contar os constrangimentos que sofria dos colegas na escola”, conta.  Hoje, Luciana é formada em moda e trabalha como educadora no projeto Axé com jovens que passaram pela mesma situação que ela e percebe que a mudança é quase que imediata, pois os adolescentes passam a perceber que é possível ter um futuro melhor, bastar ter oportunidades.

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