Publicado em 25/01/2016 às 20h00.

A dívida com pobres e negros continua a aumentar

Um artista de sucesso põe os filhos com quatro ou cinco anos para “trabalhar" sem nenhum problema. Uma mãe pobre, se faz o mesmo pode até perder a guarda do filho

Carlos Melo
engraxate 2
Imagem ilustrativa (Reprodução)

 

 

Por vezes parece que vivemos numa fantasia, queremos ter padrão do primeiro mundo sem nenhuma condição, queremos avançar sem lembrar que é necessária uma base sólida para tal, passos planejados – como se fossem degraus – e assim progredir. Manter política de Termos Circunstanciados para, a cada dia, mais tipos penais, libertação de presos ou ainda responder em liberdade, isto me lembra a abolição da escravatura: libertaram os escravos sem dar nenhuma condição de progresso. Com os presos, a mesma coisa – ficam soltos e o que vão (ou podem) fazer para sair do crime?

Temos o Estatuto da Criança e do Adolescente, um dos mais avançados do mundo, e que, inclusive, estabelece que crianças não podem trabalhar. Excelente. E as crianças sem pai (ou com apenas mãe) e que não têm condições de sustento farão o que para sobreviver sem alternativas?

Recentemente, no aeroporto de São Paulo, enquanto esperava voo, uma criança ofereceu serviços de engraxate à minha esposa. Coincidiu que ela precisava e aceitou. O serviço começou, mas, passado algum tempo, aparece uma mulher com um rádio transceptor, farda com camisa branca e diz : “Todos sabem que criança não pode trabalhar, é proibido por lei. Como ele já começou, desta vez vou permitir, mas, por favor, não aceite na próxima vez”.

Eram duas crianças, não estavam nas ruas cheirando cola, usando drogas ou praticando crimes. Estavam procurando sobreviver honestamente, não disseram o valor para o serviço, apenas que poderíamos dar o quanto quiséssemos para comerem alguma coisa, pois estavam com fome.

Indaguei à funcionária do aeroporto porque não reservavam uma área para estas crianças trabalharem e ela afirmou não ser possível. Com boa vontade é possível, sim. Um ajuste com o Ministério Público pode ser realizado, mas a gestão do aeroporto parece estar focada no lucro, no aluguel de espaços e em não permitir o trabalho das crianças.

Por outro lado, vivemos em mundos diferentes. Por que criança pode ser atriz de novela, cantora e apresentadora? Não é trabalho? Como em tudo, o pobre não tem o mesmo tratamento. Um cantor ou ator de sucesso coloca seus filhos com quatro ou cinco anos para “trabalhar” sem nenhum problema, mas, uma mãe pobre, se faz isto é reprimida, podendo até perder a guarda do filho.

Pois é, nossos “especialistas” trazem inovações do primeiro mundo, ao que parece, sem se darem o trabalho de conhecer a realidade. Às crianças proibidas de “trabalhar” restam que alternativas? Frequentar escola e brincar? Pode ser o ideal, mas é a nossa realidade?

 

 

h meloCarlos Henrique Ferreira Melo é tenente-coronel da Polícia Militar da Bahia. Especializado lato sensu em Gestão Estratégica em Segurança Pública (Cegesp-Ufba), em Defesa Social e Cidadania – UFPA. Mestrando em Direitos Humanos (Ufba). Comandante do 12º Batalhão da PM (Camaçari).

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