Publicado em 09/01/2016 às 17h30.

Morte de bebê indígena em SC expõe rotina de descaso

O bebê foi degolado diante da própria mãe, no dia 30 de dezembro, por um jovem de 23 anos

Agência Estado

Em julho, os caingangues do oeste de Santa Catarina vão trocar a festa do terceiro aniversário de Vitor Pinto por um rito em homenagem aos mortos. Até lá, seus pais, Sônia, de 27 anos, e Arcelino, de 42, esperam ver a condenação de um assassino.

Mas a morte do menino de 2 anos, degolado com uma lâmina no pescoço no dia 30, por um homem que fingiu afagar seu rosto enquanto sua mãe o amamentava na rodoviária de Imbituba, no dia 30 de dezembro, é vista pela comunidade indígena como mais um marco em sua trajetória de perdas e de abandono pela sociedade.

“Ser índio no Sul é, na versão hardcore do senso comum, ser vagabundo; é contar com a tutela generosa da Fundação Nacional do Índio (Funai). Só quando viram que os próprios índios começaram a se movimentar é que o caso foi ganhando visibilidade, até pelo descaso”, afirma Leonel Piovezana, professor dos Programas de Mestrado em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais e de Educação da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (SC).

Natural da Aldeia Condá, em Chapecó, a família tinha ido para o litoral, onde há mais movimento no verão, para vender o artesanato da tribo, como faz todo fim de ano. “Não somos bandidos, somos trabalhadores. Temos de fazer o que sabemos, o que é da nossa cultura, como o balaio e o artesanato para vender É uma questão de sobrevivência”, afirma a avó de Vitor, Teresa, com olhar perdido, e lágrimas no rosto, após cerimônia pelo sétimo dia da morte.

Acostumada com a presença da criança pela casa, a senhora que nem lembra a própria idade – “Acho que tenho 70 anos” -, quando soube do assassinato do neto pensou até em abandonar a casa. Os pais de Vitor, que tinham desembarcado na rodoviária um dia após o Natal, também ainda vivem “em choque”.

Se as vendas fossem boas, iriam adquirir uma geladeira. O máximo que conseguem por mês na temporada é R$ 800, a serem poupados para o inverno. Arcelino trabalhava em outra praia e soube do crime pela TV. Quando chegou à rodoviária, viu os chinelinhos e brinquedos de Vitor espalhados. Sônia vagava de um lado para o outro, sozinha, na chuva. Na rodoviária, sem abrigo ou apoio, permaneceram até a manhã seguinte.

Na semana passada, enquanto os pais estavam em Imbituba ajudando nas investigações, Teresa e o irmão mais velho de Vitor, Alzemiro, de 19 anos, zelavam pelo menino no sétimo dia. “Não ficou nenhuma lembrança dele. Toda criança tem uma foto, mas o Vitor, não. Nem no celular”, diz a senhora, enquanto percebe que até os cachorros pisaram na “catacumba” do neto. “Descaso”, diz

Insegurança e demarcação

De acordo com o coordenador substituto da Funai em Chapecó, Clóvis Silva, todos os anos os índios saem após o período das aulas com as crianças para vender artesanato. O conselheiro da Aldeia Condá, Miguel Sales, disse que agora estão com medo de ir até a cidade. “Pelo que se vê hoje, estamos abandonados. Não podemos vender nossos produtos nem nos dão condições para isso. O Ministério Público sempre diz que vai ajudar por meio de parceria com a prefeitura, mas isso nunca sai do papel. Combinaram de a cada oito dias levar cinco a dez índios para a cidade em um carro oficial, mas ainda não colocaram em prática”, disse ele. Para Sales, se a Justiça demarcasse logo as terras, não haveria tantas disputas e brigas.

Os indígenas não se conformam com a versão policial da morte do menino, que desconsidera crime étnico. Eles não desconectam a brutalidade da sua realidade de outra história por trás do assassinato de Vitor: a busca pelo espaço indígena na região.

Segundo o historiador Clóvis Brighenti, desde 1940 eles vêm sendo expulsos do seu território até por servidores que deveriam protegê-los. Com o território expropriado, os caingangues da Condá viviam abrigados em barracos de lona no centro até a década de 1990.

Nessa época, muitos foram espancados por moradores. A repulsa da sociedade fez com que fossem removidos para o local atual. A aldeia tem 2.300 hectares e fica na zona rural. Cerca de 800 pessoas vivem lá.

O isolamento fez muitos nem sequer aprenderem o português. Eles falam em Jê. Apesar dos movimentos de proteção, a violência continua brutal, segundo o Conselho Missionário Indigenista.

A Funai está pleiteando sete terras na região. “São três tribos no Sul do País”, justificou Silva. Já Piovezana considera que o fim da disputa se encontra na mão do governo porque a organização e aproveitamento da terra está na mão “de quatro cinco pessoas”, enquanto 85% dos indígenas estão sem terra.

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