Publicado em 28/10/2016 às 16h45.

‘A Garota no Trem’: thriller surpreende com boa performance de Emily Blunt

A trama carrega um aspecto cada vez mais raro nos grandes blockbusters: personagens complexos, longe do maniqueísmo simplório

Clara Rellstab
Foto: Divulgação
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Desde a divulgação do seu primeiro trailer – que sofre do efeito “Esquadrão Suicida” e acaba entregando muito da obra –, “A Garota no Trem” é comparado a “Garota Exemplar”, sucesso de 2014, dirigido por David Fincher. Compreensível, é claro: ambos adaptam best-sellers de suspense que ficaram famosos por grandes reviravoltas na trama. O longa dirigido por Tate Taylor (de Histórias Cruzadas e Inverno da Alma, filme que rendeu a primeira indicação de Jennifer Lawrence ao Oscar), no entanto, sai na frente nos quesitos performance, que são sólidas e eloquentes, e no desfecho, mais contundente e inesperado. Mas ainda assim, mais erra do que acerta.

Em “A Garota no Trem”, Emily Blunt é Rachel, uma alcoólatra que pega o mesmo trem todos os dias para ir ao “trabalho”. No trajeto, passa ao lado da casa em que morou com o marido, Tom (Justin Theroux). Ele continua ali, mas com uma nova esposa Anna (Rebecca Ferguson) e a filha bebê. Duas casas à frente, ela observa constantemente um casal jovem em outra casa, formado por Megan (Haley Bennett) e seu companheiro (Luke Evans). Criando uma vida fantasiosa e sofrendo de apagões por conta da bebedeira, Rachel se encontra no meio de uma investigação, quando Megan desaparece e ela se torna a principal suspeita do sumiço da jovem. Isso é tudo que pode ser trazido à tona sem revelar detalhes importantes do enredo.

A trama carrega um aspecto cada vez mais raro nos grandes blockbusters: personagens complexos, longe do maniqueísmo simplório. O destaque vai para a atuação de Emily Blunt, que oferece o tipo de performance que sensibiliza a Academia. Criticada, de início, por ser “bonita demais”  para o papel – em comparação à descrição da personagem no livro –, a inglesa injeta uma fragilidade convincente a Rachel, principalmente durante as angústias desta por não se lembrar do que faz quando bebe. Pequenas participações de Laura Prepon, a Alex Vause de “Orange is The New Black” e de Lisa Kudrow, a eterna Phoebe Buffay de “Friends”, arrancam um sorriso dos aficionados por séries e oferecem um alívio às personagens mais profundas.

Outro aspecto assertivo e corajoso da narrativa é que todas as mulheres do filme sofrem, em algum momento, algum tipo de abuso emocional e psicológico. O termo gaslighting, que ficou conhecido na internet nos últimos meses – e que descreve o momento em que um homem faz com que a mulher questione suas ações ao atribuir-lhe a culpa e se colocar no lugar de vítima –, nunca fez tanto sentido.

O filme começa a pecar no momento que começa a fazer uso de flashback desordenados, a partir do ponto de vista das três mulheres, para contar os diversos lados da história. Sem foco, a trama acaba deixando de lado o clima de suspense, que é a característica mais importante em uma produção do gênero. A trilha sonora é outro detalhe que decepciona: por ser muito simples, ela dá, excessivamente, espaço para os sons naturais do filme e cresce somente no clímax. A grande virada realmente impactante na trama vem nos últimos 20 minutos de filme, o que pode decepcionar o espectador mais sedento de movimento e surpresas. Já para quem prefere ficar na dúvida até o último momento, Tate Taylor conseguiu, com mérito, eliminar pistas que aparecem no romance de Paula Hawkins e poderiam estragar a revelação.

Como  thriller de suspense, no entanto, deixa a desejar. Fazer o quê: nem todo mundo é David Fincher.

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