Publicado em 17/01/2017 às 09h30.

CortêGil: com Aldo Brizzi, bloco refaz caminhos da vanguarda baiana

Homenagem do Cortejo Afro a Gilberto Gil inclui uma seção de composições em arranjos do maestro italiano, executadas pela banda do bloco e uma sinfônica compacta

James Martins
Foto: acervo pessoal
Foto: acervo pessoal

 

A homenagem do Cortejo Afro a Gilberto Gil, tema da instituição no Carnaval 2017, se já era uma promessa (ou garantia) de beleza plástica, graças à competência do artista visual Alberto Pitta, é também uma promessa (ou garantia) de beleza e ousadia musical, graças à colaboração do bloco com o maestro ítalo-baiano Aldo Brizzi. Parceria que tem tudo para reviver uma tradição de vanguarda popular que marca o momento áureo da cultura na Bahia. Juntos, eles criaram o espetáculo “CortêGil – Um Canto de Afoxé Para Gilberto Gil”, em que músicas do homenageado são relidas pela banda do Cortejo, acompanhada por uma orquestra sinfônica compacta, com arranjos de Aldo Brizzi.

No repertório, clássicos como “Andar com Fé”, “Domingo no Parque”, “Procissão”, “Filhos de Gandhi”, “Toda Menina Baiana”, Parabolicamará”, entre outras, ganham versões que remetem a momentos especiais da “Avant-garde na Bahia”, como aquele organizado pelo compositor suíço Ernst Widmer, que em agosto de 1989 juntou a Orquestra Sinfônica da Bahia e o Afoxé Filhos de Gandhy, no Teatro Castro Alves, para executarem a sua peça “Possível Resposta de Canto em Canto 2 (opus 169)”, música composta em relação à “Unanswered Question”, de Charles Ives, um grande pioneiro das vanguardas em todo o mundo.

Em conversa exclusiva com o bahia.ba, Brizzi, que já regeu, entre outras, as cordas da Filarmônica de Berlim, esclarece algo das escolhas e dos arranjos. “A escolha foi um trabalho de Alberto Pitta comigo, com algumas indicações dos cantores. A primeira escolha nasceu de uma visão plástica, de encenação, de Pitta: ‘Parabolicamará’ com as baianas com a saia para cima, como uma antena parabólica. E ‘Domingo no Parque’ como uma roda gigante”, diz. E continua: “Depois eu puxei para músicas menos óbvias, para serem tocadas num ensaio pré-carnaval, como ‘Super-Homem’ e ‘Pai e Mãe’. E, do outro lado, nas músicas mais ‘carnaval’, puxei uma orquestração a menos óbvia em relação aos arranjos padrão da música popular. Assim saiu o CortêGil”.

Widmer rege a Osba + Filhos de Gandhy, TCA, 1989 (Foto: Adenor Gondim)
Widmer rege a Osba + Filhos de Gandhy, TCA, 1989 (Foto: Adenor Gondim)

 

Questionado sobre especificidades dos arranjos, o maestro destaca: “Por exemplo, ‘Filhos de Gandhi’. Esta música é em sol, a orquestra só toca mi durante 12 minutos: vira um mantra! E vira hipnose coletiva! E se, por acaso, no meio da música tira esta segunda tonalidade, o ouvido está tão acostumado que parece que falta algo…”. Outro exemplo: “Em ‘Parabolicamará’, a orquestra faz só escalas cromáticas na introdução instrumental. Um meio termo entre Rimsky-Korsakov e Schoenberg de ‘Erwartung’. É a antena parabólica feita escala musical”.

No ensaio do Cortejo desta segunda (16), parte das canções já foi mostrada ao público. Outras, como “Expresso 2222”, “Haiti” e “Eu Vim da Bahia” serão introduzidas na próxima segunda (23). Já para o Carnaval propriamente, por ora o “CortêGil” não está programado. “Por enquanto tudo está programado só para as segundas até o Carnaval”, diz o arranjador. Seria muito bem vindo. E certamente revigorante. Além de uma homenagem extra: aos 30 anos de “Faraó – Divindade do Egito”, sucesso dissonante do Carnaval de 1987. Talvez o Cortejo, assim, reforce a sua tarefa de ousar nas ruas, harmonizando, de modo elegantemente sofisticado, tendências aparentemente conflitantes.

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