Publicado em 20/09/2017 às 20h00.

Em quarto disco, Maglore exibe cores novas e mais maduras

Os baianos retornam a Salvador para lançar o disco "Todas As Bandeiras" em show no TCA na próxima quinta-feira (28)

João Gabriel Veiga
Foto: Divulgação/Azevedo Lobo
Foto: Divulgação/Azevedo Lobo

 

O bom filho à casa torna, já diria o ditado. A regra não poderia ser diferente com a banda Maglore. Nascido, criado e descoberto em Salvador, o grupo, que reside em São Paulo há cinco anos, pousará no palco do Teatro Castro Alves na próxima quinta-feira (28) para dar o pontapé inicial à turnê de lançamento de “Todas As Bandeiras”, seu quarto disco.

Abordar a “baianidade” não é novidade para o quarteto que, em seu segundo álbum, lançado em 2013, já clamava ao ouvinte: “Avenida Sete, me leve com carinho / Do Porto da Barra até o Pelourinho”.

Em “Todas As Bandeiras”, voltar às raízes é uma pauta frequente, principalmente por causa da volta do guitarrista Lelão – ele estava longe desde o segundo álbum. A diferença, agora, está no tom do trabalho, autoproclamado o “mais político” da banda.

Em conversa com o bahia.ba, o vocalista Teago Oliveira comenta que o CD é uma reflexão do momento histórico. Com versos como “O tempo passa e o herói fica sozinho/Mas em qual herói vamos confiar”, o grupo, ao contrário do que o nome do álbum sugere, evita levantar bandeiras e se propõe a ser “um disco de reflexão de um recorte do momento histórico em que a gente está”.

Pela primeira vez no palco principal do TCA, Teago fala sobre a suposta semelhança com o grupo Los Hermanos, da “geração-ansiedade”, os serviços de streaming, o decreto que dá brecha para que a homossexualidade seja tratada como doença e mudanças de opiniões.

Confira a entrevista na íntegra:

Foto: Divulgação/Azevedo Lobo
Foto: Divulgação/Azevedo Lobo

 

Bahia.ba – O release do disco diz que este é o trabalho mais político da banda e o título forte já dá um sinal disso. Como se dá o posicionamento?

Teago Oliveira – Seria mais político no sentindo mais amplo, e menos restrito. Mais livre, não partidário. Esse é um disco que fala das várias cores que a sociedade vive, e não necessariamente da gestão pública. Não existe nenhuma canção de protesto nesse disco. É mais um disco de reflexão de um recorte do momento histórico em que a gente está.

.ba – O disco se chama “Todas As Bandeiras” e a capa é bastante colorida. Não dá para não pensar na bandeira LGBT. Qual foi a reação de vocês com o decreto da Justiça brasileira que dá brecha para que a homossexualidade seja tratada como doença?

TO – O disco é isso também. A gente vive em um mundo onde está todo mundo à flor da pele. A Maglore acredita na liberdade das coisas. É um absurdo. A nossa sociedade precisa se curar desse tipo de pensamento, em vez de eleger uma cura para uma coisa tão simples como duas pessoas que se amam. É lamentável a gente estar vivendo isso, não só no Brasil, mas no mundo. Vivemos uma crise civilizatória, não só econômica.

.ba – Na canção “Todas As Bandeiras”, você canta: “O tempo passa e o herói fica sozinho / Mas em qual herói vamos confiar”. Em quem vocês diriam que confiam? Que herói é esse?

TO – Acho que não é um herói específico. É exatamente essa quebra do mito dessa coisa do bem e do mal. O herói é a ideia de que as pessoas são pessoas, que elas vão errar, e que a gente vive o mito do herói, do cara bonzinho que vai salvar, que vai fazer tudo dar certo. É essa a dúvida, a do maniqueísmo.

.ba – As duas últimas faixas do disco remetem à questão de ter calma, de agradecer. Para completar, ainda há uma faixa chamada Clonezepam 2g. Somos uma geração de ansiosos?

TO – Eu acho que a nossa sociedade está ansiosa. Acho que é no mundo todo isso. O Brasil pega isso porque o Brasil é um espelho, né? Das coisas que vem de fora… O brasileiro não consegue entender que ele é esse espelho. Ele acha que o problema é dele, ele se acha muito especial. Eu acho que falta, na sociedade, conhecer um pouquinho o indivíduo mesmo – parece até autoajuda, mas eu acho que falta refletir um pouco sobre quem a gente é, para a gente poder apontar para o outro. E sim, a crise de ansiedade é uma coisa que atinge muito as pessoas, até elas descobrirem que elas estão com crise de ansiedade são muitos anos. É algo muito difícil de se diagnosticar, mas é um problema muito comum também.

.ba – Sobre outra música do disco, a “Você Me Deixa Legal” tem, no vídeo do YouTube, uma folha de maconha estampando a faixa. Foi impossível não lembrar de “Got to Get You Into My Life”, dos Beatles, que Paul McCartney admitiu que, apesar da roupagem romântica, se trata, na verdade, de uma ode à erva. “Você Me Deixa Legal” é a “Got to Get You Into My Life” da Maglore?

TO – Ela é uma canção que não necessariamente fala sobre maconha. A grande sacada de Lucas, que fez a peça, é que ele leu a música dessa forma, foi a interpretação dele. Aí como entrou no vídeo, acaba que a banda veste essa camisa. Mas é um trabalho mais artístico que eu achei legal. Não fala necessariamente sobre a maconha, mas é uma coisa que faz muito sentido, né? Depois que eu vi a imagem eu adorei, parece que eu realmente estou falando de maconha. Não chega a ser uma apologia, muito embora seja um tema importante, a legalização. E ‘me deixa legal’ sugere isso. Foi um processo criativo muito simples. É uma música muito simples, quase um looping, que tem três acordes. A letra fala sobre essa coisa da velocidade, de como a gente pensa só muito depois de fazer. A gente está no momento da velocidade das informações, onde as máquinas vêm atrapalhando a nossa convivência humana. Está tudo muito estranho, tudo muito rápido, mais informação do que reflexão. A música aborda essa sensação esquizofrênica que a gente tem hoje.

.ba – A banda voltou a ser um quarteto nesse disco, com a volta de Lelo nas guitarras e sintetizadores. Como o retorno refletiu na musicalidade do novo trabalho?

TO – O Lelo criou o som da guitarra da Maglore junto comigo, ele é um cara que sempre pensou da mesma forma que eu, mas uma concepção diferente. Ele voltou mudado, com algumas mudanças no som e com algumas coisas convergentes. A Maglore nasceu como um quarteto, ela funciona de forma mais natural quando é em quarteto. Acho que a banda ficou mais no lugar, ela fez menos esforço para fazer esse som.

.ba – Em um show do primeiro disco lá na Concha lembro que a plateia gritou, brincando, ‘toca Los Hermanos’ porque achava que, à época, o som era parecido. Vocês acham que se desvincularam do rótulo de Los Hermanos da Bahia?

TO – Esse rótulo de ‘Los Hermanos da Bahia’ ficou só na Bahia (risos). A gente está em São Paulo há cinco anos, aproximadamente, e nunca chegou para a gente isso. A gente apareceu em uma época em que os Los Hermanos tinham acabado, e a gente tinha muita referência parecida com a deles, e eles eram referência também. Eu adoro Marcelo Camelo, Rodrigo Amarante, eles são sensacionais. Nós temos referências parecidas, como essa coisa de misturar o rock com a tropicália. Mas nunca foi algo que me incomodou. Nós temos nossas diferenças, eu acho que nosso quarto disco é algo que o Los Hermanos não faria como nós fizemos.

.ba – Por falar em Concha, o Maglore já pisou em vários palcos diferentes. Qual é a diferença entre tocar em um espaço menor, como no Portela Café, onde vocês já se apresentaram algumas vezes, e no TCA?

TO – O TCA era uma vontade muito grande da Maglore, porque é um palco onde a gente nunca tocou. É o único palco onde a gente nunca tocou em Salvador, só falta esse. Aproveitamos a chance de fazer o lançamento lá, rolou uma data. A gente gosta também muito de tocar em lugar pequeno. Maglore é uma banda para palco grande de festival, mas também para casa de show, para um público pequeno. Já o TCA é mais glamourizado, tem uma lógica diferente, e o Portela já é uma coisa mais ‘inferninho’. Eu acho legal os dois. Nós somos uma banda que não precisa se preocupar com o formato, com o tamanho.

.ba – Quando vocês começaram não tinha isso de streaming. O disco novo foi lançado, além de fisicamente, no Spotify e várias músicas antigas que também estão hospedadas lá somam milhares de execuções. O que você acha da nova opção de democratizar a música?

TO – A gente nasceu na internet, tudo começou no MySpace. O MySpace que catapultou a banda. Eu acho o Spotify, o Deezer, todas essas plataformas um novo momento para a música. E eu acho muito bacana que ele monetiza, é uma forma de remunerar o artista. Eu também acho muito interessante a forma que a internet funciona para você conhecer coisa nova. O Spotify quando te sugere artistas promove, de certa forma, a cultura, te incentiva a consumir música – seja ela da qualidade que for, do estilo que for, do tipo que for. A acho importante a gente viver em um mundo que tem uma ferramenta assim, como o Netflix é para o filme. A gente vive uma época de troca muito interessante, e saber realizar essa trocar de uma forma saudável é o que eu acho que vale mais no mundo hoje.

Foto: Divulgação/Azevedo Lobo
Foto: Divulgação/Azevedo Lobo

 

.ba – Eu percebi que seu sotaque, mesmo você morando em São Paulo, está cada vez mais carregado. Você acha que é uma forma de – trocadilhos à parte – levantar a bandeira da Bahia?

TO – Cara, eu acho que isso aí talvez seja o inconsciente disso de estar longe, né? Acho que eu me aproximei muito da Bahia quando eu me distanciei dela. Quando eu fui morar fora, eu comecei a entender mais Salvador, mais a nossa cultura, a pesquisar mais, me sentir mais baiano. Eu moro com nordestinos, eu moro com um cara de Aracaju e um baiano, aí fica mais difícil perder o sotaque. Mas assim, né, velho, se você quiser que eu fale um paulistano… (risos).

.ba – Neste quarto trabalho, vocês acreditam que já alcançaram a maturidade artística?

TO – É impossível saber disso porque a gente ainda não ouviu os próximos discos. Em comparação aos outros, esse é o mais maduro porque é o quarto, o mais recente. Acho que se você lança um disco que é menos maduro, tem algo de errado com você (risos). Acho que é o mais maduro, mas ainda está longe de qualquer ápice. A banda tem oito anos de estrada, de carreira artística. Se você parar para pensar, isso ainda é muito pouco.

.ba – No primeiro disco você canta que “Todos Os Amores são iguais”, e em “Marcha Ré” diz que errou ao afirmar isso. Tem mais algum aspecto da carreira de vocês que vocês acreditam que pensam ou fariam diferente agora?

TO  Eu acho que tudo muda o tempo todo no mundo, como diz Lulu Santos (risos). É muito difícil, para quem escreve, ter por definitivo uma opinião. Então eu não consigo te responder com sim ou não. Muita coisa que eu escrevi perdeu o sentido para mim – boa parte das músicas do primeiro disco perderam o sentido e depois ganharam um novo. Tem muita coisa do terceiro disco que eu vejo e não concordo mais e que, daqui a pouco, eu vou estar concordando. É uma questão de fases, e esse é o grande barato: colocar as ideias no ar para poder refletir. ‘Eu consegui’, do novo disco mesmo, que fala sobre a perda do ‘grande amor’, se você parar para pensar, se é o seu grande amor, você ainda pode encontrar. É de sempre ficar se perguntando sobre as coisas… Eu sou muito confuso (risos).

Ouça aqui “Todas As Bandeiras” na íntegra:

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