Publicado em 08/12/2017 às 17h20.

Marcel Powell: ‘Meu pai nunca nos obrigou a fazer música’

Filho do grande Baden Powell, o músico vem a Salvador revisitar o repertório do pai e conversou com o bahia.ba

João Gabriel Veiga
Foto: Divulgação
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Filho de Baden Powell, um dos maiores nomes da MPB, o músico Marcel Powell inicia nesta sexta-feira (8) uma série de três shows em Salvador em homenagem a seu pai.

Ao falar de sua árvore genealógica em entrevista exclusiva ao bahia.ba, o artista não esconde o orgulho que sente do pai e relembra a relação dos dois, que tinha também elementos de mestre-aprendiz e amizade. “A gente não tinha essa burocracia”, diz Marcel, ao lembrar da proximidade entre eles.

Inédito em Salvador, o espetáculo “80 Bênçãos – Baden Powell” chega à Caixa Cultural e traz consigo a visita de outros artistas para revisitar a obra do autor de “Refém da Solidão”.

O primeiro show terá a participação especial da cantora Fabiana Cozza, considerada a Melhor Cantora de Samba na 23ª edição do Prêmio da Música Brasileira. Os concertos seguintes, no sábado (9) e domingo (10), recebem a visita do guitarrista Victor Biglione e Amilton Godoy.

Confira a entrevista na íntegra:

Foto: Divulgação
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bahia.ba – Você vai dividir palco com Fabiana Cozza, Victor Biglione e Amilton Godoy. Como será essa dinâmica?

Marcel Powell – Nesses três dias de show, a gente vai fazer um show em homenagem ao meu pai, que faria 80 anos em agosto. A Fabiana Cozza e eu vamos revisitar a obra dele e nos aprofundar em algumas facetas musicais dele que as pessoas não conhecem tanto. No caso do Victor Biglione, é um guitarrista que passeia muito bem pelo jazz, e meu pai sempre teve esse lado jazzista. Já o Amilton Godoy… Aquele cara é uma história viva, eu queria trazer essa experiência dele. De certa maneira, é como se eu estivesse dividindo o palco com meu pai.

.ba – Qual o grande legado desses 80 anos de Baden?

MP – Meu pai foi um compositor e um instrumentista, e essas duas facetas andaram juntas o tempo inteiro. Uma vez ele me disse: ‘o intérprete até que se vale, mas o compositor nunca morre’. Eu concordo um pouco com ele, mas acho que o intérprete também tem uma certa autoria sobre a canção, ele se tornava também um pouco criador. Meu pai tinha tanta personalidade ao interpretar uma canção de [Dorival] Caymmi, por exemplo, que os arranjos dele – em composições que não eram dele – eram marcantes. Ele se materializou como intérprete.

“Ele sentava e estudava cinco, seis horas de seu instrumento por dia todos os dias até o dia em que ele morreu.”

.ba – Das lembranças que você tem dele, qual a mais forte?

MP – Nós éramos muito ligados, a música e o violão eram o carro-chefe da nossa relação. Ele era meu pai, eu tenho plena consciência disso, mas a gente não tinha essa burocracia. A coisa se confundia o tempo inteiro. Sempre que me lembro dele, é sempre algo atrelado a um momento musical. Tenho a lembrança, sobretudo, de um cara extremamente dedicado ao que ele fazia, extremamente talentoso – mas nunca, por causa de seu talento, deixou de se dedicar. Ele sentava e estudava cinco, seis horas de seu instrumento por dia todos os dias até o dia em que ele morreu. Meu pai foi um homem que fez questão de me ensinar isso.

.ba – Eu li que no concerto vocês revisitarão o Afro-sambas, que é considerado um divisor de águas na Música Popular Brasileira. Por que você acha que vários críticos musicais têm essa opinião?

MP – O Afro-sambas queria dar uma sacudida na MPB, como disse o Vinicius de Moraes. Ele, assim como meu pai, fez parte da bossa nova, mas a extrapolava.  Não era algo limitado pelas classificações, não é algo que você possa enquadrar. É uma música que é muitas coisas ao mesmo tempo.

Foto: Divulgação
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.ba – Em uma entrevista, você disse que, a princípio, seu pai não queria que você e seu irmão (o pianista Philippe Baden Powell) fossem músicos. Por que será?

MP – Não é que ele não queria, ele simplesmente não fez força para ser desse jeito. Ele nunca nos falou para não sermos músicos, só não nos obrigou a seguir esse caminho. Meu pai deixou a gente escolher – e no momento em que nós escolhemos, ele se encarregou pessoalmente de tomar conta da gente. Mas ele esperou a nossa escolha.

.ba – Em seu site, há um trecho onde você se descreve como “escravo do violão”.  Como começou essa relação?

MP – Isso é algo que o Baden falava: para você dominar seu instrumento, você tem que ser escravo dele. E, como foi ele que me ensinou, eu também aprendi o observando fazer música. Mas não tira o fato de que é uma coisa prazerosa para mim, apesar de ser trabalhosa. Eu fiz da minha profissão meu prazer, e nunca mais trabalhei. Mas eu sei que tenho que sentar todos os dias e estudar, ter esse hábito.

“Eu não posso nem dizer que a influência africana foi construída em mim, ela nasceu em mim.”

.ba – Tanto as músicas de seu pai quantos as suas têm grande influencia da sonoridade africana, dos sambas de roda da Bahia, cantos do candomblé e toques de berimbau. Como essa sonoridade foi construída em você?

MP – Eu não posso nem dizer que ela foi construída em mim, ela nasceu em mim [risos]. Sei lá, aquilo nasceu no meu pai, e ele só colocou para fora o que já estava dentro dele. Isso nasce com você, e você acaba só colocando para fora.

.ba – Eu acho que “Samba da Benção” talvez seja a parceria dele e de Vinicius mais famosa. Eu li que ela começou com apenas duas notas. Como é essa história?

MP – O meu pai tinha um aluno que era muito ruim. Ele não conseguia ensinar nada para esse aluno, então ele só conseguiu ensinar dois acordes. E, para não ficar chato, enquanto esse aluno tocava esses dois acordes, meu pai começou a improvisar uma melodia. Depois disso, ele passou na casa do Vinicius e contou essa história. O Vinicius ouviu e fez essa letra maravilhosa, linda.

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