Publicado em 11/02/2019 às 09h04.

‘Quer ser elegante? Pense no quanto pode machucar o próximo’, diz Elza Soares

"Bisneta de escrava", cantora comentou a polêmica de racismo envolvendo a diretora da Vogue: "Felicidade às custas do constrangimento, é dor"

Luiz Felipe Fernandez
Foto: Arquivo Pessoal/Instagram
Foto: Arquivo Pessoal/Instagram

 

A lenda Elza Soares foi mais uma das artistas a se pronunciar sobre as acusações de racismos na festa de aniversário de Donata Meirelles, diretora da Vogue Brasil, que posou entre duas mulheres negras vestidas de “baianas” em sua festa de aniversário na última sexta-feira (9). Bisneta de escrava, como ela mesma se definiu, Elza evitou fazer “juízo de valor”, mas considerou a situação como uma “cutucada na ferida aberta do Brasil Colônia”.

“Não faço juízo de valor sobre quem errou ou se teve intenção de errar. Faço um alerta! Quer ser elegante? Pense no quanto pode machucar o próximo”, escreveu em post no Instagram neste domingo (10), com duas fotos suas em pose semelhante à imagem de Donata que circulou nas redes sociais. Elza completou e disse que a”memória”e “os flagelos” do povo negro não devem ser usados para “enfeitar um momento feliz da vida”.

A sambista também recordou a época em que os negros não usavam os mesmos elevadores dos “patrões”, que jogadores de futebol “passavam pó de arroz no rosto”para entrar em campo e tantos outros exemplos de racismo no Brasil no século XX. “Éramos invisíveis […] essas feridas todas eu carreguei na alma e trago as cicatrizes”, confessa.

Por fim, reforçou que entretenimento “às custas do constrangimento do próximo” não é felicidade, mas sim “dor”: “O limite é tênue”. Elza ainda parafraseia um trecho de uma das músicas mais conhecidas em sua voz, “A Carne”:

“A carne mais barata do mercado FOI a carne negra e agora NÃO é mais. Gritaremos isso pra quem não compreendeu ainda. Escravizar, nem de brincadeira”.

Confira:


Visualizar esta foto no Instagram.

Gentem, sou negra e celebro com orgulho a minha raça desde quando não era “elegante” ser negro nesse país. Quando preto não usava o elevador dos “patrões”. Quando pretos motorneiros dos bondes eram substituídos por brancos em festividades com a presença de autoridades de pele branca. Da época em que jogadores de um clube carioca passavam pô de arroz no rosto para entrarem em campo, já que não “pegava bem” ter a pele escura. Desde que os garçons de um famoso hotel carioca não atendiam pretos no restaurante. Éramos invisíveis. Celebro minha raça desde o tempo em que gravadoras não davam coquetel de lançamento para os “discos dos pretos”. Celebro minha origem ancestral desde que “música de preto” era definição de estilo musical. Grito pelo meu povo desde a época em que se um homem famoso se separasse de sua mulher para ficar com uma negra, essa ganhava o “título” de vagabunda, mas não acontecia se próxima tivesse a pele “clara”. Sou bisneta de escrava, neta de escrava forra e minha mãe conhecia na fonte as histórias sobre o flagelo do povo negro. Protesto pelos direitos da minha raça desde que preta não entrava na sala das sinhás. Gentem, essas feridas todas eu carreguei na alma e trago as cicatrizes. A maioria do povo negro brasileiro. Feridas que não se curaram e são cutucadas para mantê-las abertas demonstrando que “lugar de preto é nessa Senzala moderna”, disfarçada, à espreita, como se vigiasse nosso povo. Povo que descende em sua maioria dos negros que colonizaram e construíram o nosso país. Hoje li sobre mais uma “cutucada” na ferida aberta do Brasil Colônia. Não faço juízo de valor sobre quem errou ou se teve intenção de errar. Faço um alerta! Quer ser elegante? Pense no quanto pode machucar o próximo, sua memória, os flagelos do seu povo, ao escolher um tema para “enfeitar” um momento feliz da vida. Felicidade às custas do constrangimento do próximo, seja ele de qual raça for, não é felicidade, é dor. O limite é tênue. Elegância é ponderar, por mais inocente que sua ação pareça. A carne mais barata do mercado FOI a carne negra e agora NÃO é mais. Gritaremos isso pra quem não compreendeu ainda. Escravizar, nem de brincadeira. Seguimos em luta ✊

Uma publicação compartilhada por Elza Soares (@elzasoaresoficial) em

Mais notícias

Este site armazena cookies para coletar informações e melhorar sua experiência de navegação. Gerencie seus cookies ou consulte nossa política.