Publicado em 28/07/2017 às 19h36.

Selton Mello define novo filme: ‘Uma flor no meio do asfalto’

"O Filme da Minha Vida" é a 3ª direção do ator, que falou ainda sobre financiamento público à cultura, Netflix e da situação "peculiar" de trabalhar na despedida de Babenco

João Gabriel Veiga
Foto: Divulgação
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O ator e diretor Selton Mello esteve em Salvador na noite desta quinta-feira (27) para divulgar seu mais novo trabalho, o longa “O Filme da Minha Vida”, estrelado por Johnny Massaro, Bruna Linzmeyer e o francês Vincent Cassel [Irreversível (2002), Cisne Negro (2010)].

No estilo caravana itinerante circense, louvado em seu último trabalho “O Palhaço” (2011), em duas semanas, Selton visitará 10 cidades brasileiras para promover a obra. “Estou bem cansado, viajando para um monte de lugar, mas a energia que está rolando do público, como ele está reagindo ao filme, dá força para eu seguir em frente e fazer outros. Dá gás”, brincou, em conversa com o bahia.ba, antes da sessão de pré-estreia.

Nascido em Minas Gerais e criado em São Paulo, com uma criatividade que surpreende até os mais talentosos filhos da “República Café com Leite”, este é terceiro longa-metragem assinado pelo Chicó de “O Auto da Compadecida” e a voz em português da lhama Cuzco, que protagoniza a animação “A Nova Onda do Imperador”, da Disney, em nove anos de atuação atrás das câmeras.

“O Filme da Minha Vida”, gravado em 2015, se passa em 1963, nos pampas da Serra Gaúcha, no Rio Grande do Sul. Sem entrar no enredo com o perigo de estragar a experiência, na história, o jovem Tony Terranova (Massaro)  precisa lidar com a ausência do pai (Cassel), que foi embora sem avisar à família e, desde então, não deu mais notícias ao filho.  

O orçamento da produção do filme, de R$ 450 mil, foi pago, em 2015, pelo governo federal, por meio da Agência Nacional do Cinema (Ancine). Em 2016, recebeu mais R$ 768 mil do Fundo Setorial do Audiovisual para a distribuição nos cinemas. O novo contexto político, no entanto, preocupa o artista em relação às leis de incentivo fiscal: “Esse filme é uma flor no meio do asfalto. […] São tempos sombrios. Eu nem sei o que vai acontecer daqui para frente. Esse filme foi feito em uma época em que foi possível fazer, mas agora talvez eu nem conseguiria”.

Verborrágico – longe do sentido pejorativo da palavra – e hiperativo, o ritmo que a entrevista coletiva tomou não poderia ser diferente: pelo menos nos cinco minutos iniciais, sem ser perguntado, Selton se dedicou a descrever o filme que, como o título profético sugere, é a sua produção, até agora, mais inspirada.

Confira o bate-papo na íntegra:

Foto: Divulgação
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bahia.ba – “O Filme da Minha Vida” é inspirado no livro “Um Pai de Cinema”, de Antonio Skármeta. Este é o seu terceiro filme como diretor, mas o primeiro a ser baseado em uma obra já existente. O que há de especial na história para tê-lo motivado a enfrentar um desafio tão complexo?

Selton Mello – [O filme] é doce, sensível, acho que o público merece um filme assim agora. Eu estou aprendendo, treinando, é que nem andar de bicicleta, cada dia ficando melhor. Uma historia cheia de família, de ternura, de união. Um filme lindo. É um filme muito bonito, inspirado em um livro chileno, que é do mesmo autor que ‘O Carteiro e o Poeta’, e eu estou no elenco. Mas quem é protagonista é o Johhny Massaro. Tem o Vicente Cassel também, que é um ator incrível, um astro internacional.

É um filme necessário nos dias de hoje. A gente vive um momento péssimo, e não é só no Brasil não, é no mundo, e esse filme é uma flor no meio do asfalto. É um presente que eu ofereço para o público. Quando eu comecei a dirigir, as referências ficam mais óbvias. O meu primeiro filme é claramente um filme de um fã de John Cassavetes [conhecido pelo papel em ‘O bebê de Rosemary’ (1968)], e depois você vai se libertando. Eu me sinto mais liberto nesse filme. Como se eu fosse aos poucos ganhando a minha voz e a minha forma de me expressar. Um filme começa com uma impressão. E o livro me emocionou muito. E aí você transforma essa impressão em uma expressão. Acho que conseguimos fazer isso. Com um super elenco, conseguimos fazer um filme que consegue tocar o coração das pessoas.

.ba – Você já conhecia o livro e o autor antes de aceitar fazer o filme?

SM – Eu não conhecia o livro não. O autor adora o Brasil, ele é amigo do Toquinho, compuseram juntos: ele fazendo a letra e o Toquinho a música. Enfim, ele ama o Brasil. Então, ele queria que esse livro fosse filmado aqui. Na época, ele perguntou para um amigo do Sul: ‘quem eu procuro?’. Aí esse amigo falou que eu tinha um filme, ‘O Palhaço’, que ele achava que tinha uma sensibilidade muito parecida com a dele. Aí ele viu o filme, adorou, me procurou, e aí a Vania [Catani, produtora do filme] me ligou. De início, achei que era trote, o cara escreveu ‘O Carteiro e o Poeta’, um clássico mundial. Mas era ele mesmo. Então eu li o livro e me encantei com a história, cheia de beleza. O meu trabalho foi tentar manter a essência. Claro que indo além, porque a linguagem cinematográfica pede isso, que eu voe além das páginas. E ele me deixou super à vontade para criar em cima da criação dele.

.ba – Como foi a escolha do elenco?

SM – A escolha do elenco, sei lá, foi mais intuição. O Johnny Massaro, por exemplo, é um ator espetacular. Um dos grandes atores da geração dele. Eu precisava de um protagonista que tinha tudo o que o Johnny tem, ou seja: carismático, divertido, comovente, estranho, inadequado, gato, ele é tudo isso e eu precisava de um ator que conduzisse a minha história e tivesse toda essa capacidade que ele tem. A Bruna [Linzmeyer] é uma grande atriz e muito expressiva. Uma menina linda, com ar de atriz antiga. O Vincent Cassel, que é quase um brasileiro, ele vive aqui nas férias. Fala português super bem, joga capoeira. Estou bem cansado, viajando para um monte de lugar, mas a energia que está rolando do público, como ele está reagindo ao filme, dá força para eu seguir em frente e fazer outros. Dá gás.

.ba – No último filme do Hector Babenco [Meu Amigo Hindu, de 2015], você interpretou a Morte, que é uma personagem bem abstrata, que já apareceu em filmes icônicos como “O Sétimo Selo” (1959), de Ingmar Bergan, “Orfeu Negro” (1959), de Marcel Camus, e “Desconstruindo Harry” (1957), de Woody Allen. Como foi o processo de composição da personagem que, apesar de ser tão abstrata, traz tantas possibilidades?

SM – É uma situação muito peculiar. Ele estava vindo de uma luta grande com a saúde. Ele estava ali talvez sentindo que aquele seria o último filme dele. Mas, curiosamente, a direção que ele me deu para eu fazer aquele personagem foi: ele é um funcionário público (risos). Então eu fui na dele, sem ter aquele peso mágico de estar fazendo a morte. Eu fiz um cara que ganha 13º salário e que estava de saco cheio daquele trabalho. Então foi um filme muito bonito de ter participado. Eu nunca tinha trabalhado com Babenco e fui logo no último filme que ele gravou…

.ba – Por muito tempo, o espectador do cinema nacional colocou o cinema brasileiro em um lugar de mesmice. Como o público tem acompanhado o desenvolvimento dessa nova safra?

SM – Acho que o cinema brasileiro tem crescido. Acho que o fenômeno das comédias não é recente. O brasileiro gosta de rir. Eu fiz ‘O Auto da Compadecida’ [2000] e ‘Lisbela e o Prisioneiro’ [2003], que fazem parte da retomada do cinema brasileiro. O público gosta. Mas tem que ter espaço para esse cinema de invenção. Eu, como ator, procurei trabalhar um pouco em tudo. Sempre gostei da ideia de passear pelos gêneros, pelos estilos. Gostei de trabalhar tanto com Guel Arraes quanto com Julio Bressane. Como eu tenho um desejo muito grande em encontrar esse caminho do meio, que deu muito certo em ‘O Palhaço’, eu espero que dê certo em ‘O Filme da Minha Vida’ também. Um filme que pode alcançar o grande público, ou seja, é uma história clássica, com início, meio e fim. A história é essa, não tem nenhum hermetismo nisso, mas feito de uma forma refinada. Cinema de qualidade. Walter Carvalho, o fotógrafo. Claudio Amaral, diretor de arte. Um filme de cinema de verdade, mas para o grande público, porque eu quero oferecer para o público o melhor. Algo refinado, mas acessível. Essa é minha tentativa como idealizador.

Foto: Divulgação
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.ba – E as políticas culturais atuais conseguem acompanhar o desenvolvimento do cinema nacional?

SM – Acho que está aquém. São tempos sombrios, eu nem sei o que vai acontecer daqui para frente. Esse filme foi feito em uma época em que foi possível fazer, mas agora talvez eu nem conseguiria fazer esse filme. Vamos ver… Agora, é muito interessante acompanhar streaming, on demand, novas formas de ver, séries, YouTube. Os meninos do Porta dos Fundos, por exemplo, foi impressionante o que eles fizeram. Eles foram muito visionários. Eu lembro que eles me chamaram para fazer um dos primeiros vídeos, eles falaram ‘ah, é um negócio pro YouTube’. E eu fiquei ‘YouTube? Quem vai ver?’. E quem viu? Vinte milhões, muito mais que qualquer filme. Então isso também é atraente, fico até com vontade de fazer coisas para o YouTube, para o Instagram, porque está todo mundo assim. Começa a abrir a mente para novas formas de expressão.

.ba – Já que você tocou no assunto Netflix, como anda o projeto da série original do serviço de streaming sobre a Operação Lava-Jato?

SM – Eu estou filmando, estou no meio da filmagem. Se chama ‘O Mecanismo’, e é uma série da Netflix que estreia no ano que vem. Eu não posso falar muito dessa série por contrato com a Netflix, mas eu posso dizer que eu estou bem feliz em participar do Netflix – eu sou fã, eu assisto tudo desde Stranger Things até House of Cards. Zé Padilha é um ótimo diretor, é um cara que eu admiro, e de novo ele está lá fazendo uma história porrada. Eu estou achando legal participar de uma série que vai de novo desse estilo Zé Padilha de ser, vai ser tiro pra tudo quanto é lado e não vai sobrar pra ninguém. Mas acho que é o seguinte: ‘Precisamos Falar Sobre o Kevin’ [referência ao longa de 2011 de Lynne Ramsay]. Que o Zé Padilha faça, que a Anna Muylaert faça o documentário dela, que haja muitas coisas sobre isso. Precisamos falar sobre o que está acontecendo.

.ba – E o que acha da produção dos serviços de streaming? Você fala que é uma honra estar na Netflix, mas outros diretores como Pedro Almodóvar e até o brasileiro Kléber Mendonça Filho criticam veemente o novo formato…

SM – Cada um vai ter sua vontade de se expressar. Teve a polêmica lá em Cannes e tal [liderada por Almodóvar]. Os tempos mudam e você vai se adaptando ao mundo também. Eu acho ótimo. O cinema nunca vai morrer, é um rito, um templo. Eu acho ótimo a Netflix, agora está vindo o streaming da Amazon também. São formas de se expressar, acho ótimo, mas respeito quem não queira.

.ba – E como anda a expectativa em relação às premiações?

SM – Eu gosto mesmo é de me comunicar, cara. Que nem o Chacrinha, ‘quem não se comunica se trumbica’ (risos). Meu grande prazer é chegar ao público, é fazer o público saber que esse filme existe, que ele seja tocado. Daí, o que vai acontecer com o filme… A gente nunca sabe. Eu não imaginava que o Palhaço ia ter a história que ele teve. A gente tem chance de ser o filme escolhido pelo Brasil [como representante no Oscar]? Tem. Mas tem também outros belos filmes vindo por aí, tem uma safra muito boa chegando. Tem Laís Bodansky [‘Como Nossos Pais’] chegando, tem Daniel Rezende [‘Bingo: O Rei das Manhãs’], enfim… todos grandes filmes e com grande potencial para ser. A gente pode ser, não sei.

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