Publicado em 23/03/2017 às 15h20.

T2 Trainspotting: resgate nostálgico, sem perder a originalidade do antecessor

A continuação de Trainspotting (1996) estreia no Brasil nesta quinta-feira (23). Confira a resenha do bahia.ba

Clara Rellstab
Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

 

O laranja e o preto que colorem os equipamentos e paredes de uma academia de ginástica e o jogo de futebol exibido na televisão enquanto pessoas correm nas esteiras ergométricas do local denunciam qual história está por vir desde a primeira cena de “T2 Trainspotting”, a surpreendente continuação do clássico de 1996.

A nostalgia aqui dá o tom. Vinte anos após aplicar um golpe em seus quatro amigos e fugir para a Holanda com o dinheiro arrecadado num golpe – vejam só – que arquitetaram juntos, Renton (Ewan McGregor) retorna a Edimburgo. Hoje, ele é um homem novo, com um emprego fixo e livre das drogas. Bom, os amigos não tiveram a mesma sorte: Sick Boy (Jonny Lee Miller) divide seu tempo entre golpes aqui e ali e tocar num pub não lucrativo que herdou de uma tia; já Spud (Ewen Bremner) torrou todo o dinheiro que ganhou em heroína e continua dependente da droga; enquanto Begbie (Robert Carlyle) é casado, pai, mas está preso.

Os diálogos extra explicativos que levam o espectador a esta conclusão incomodam, e faz com que a voz off de McGregor, tão marcante no primeiro longa, faça muita falta no começo da estória. Mas, de uma maneira geral, Danny Boyle tenta e consegue imprimir a experiência estética do original neste novo. Há uma surra de recursos não diegéticos sendo utilizados, a obsessão com o escatológico, a imagem sendo congelada em frames aleatórios,o uso da grande angular que trai o espectador quanto ao tamanho dos cômodos apresentados e os diálogos rápidos, ácidos e escrachados.

Essa é a premissa do que o diretor Danny Boyle propõe ao revisitar o clássico de 1996, baseado no livro Pornô e outros escritos do escritor Irvine Welsh. Mesmo em um situação relativamente melhor, Renton revela que sua realidade não é tão positiva assim – ao menos para ele próprio – e, ao retornar à cidade acaba se rendendo a vícios do passado aos quais ele jamais conseguiu se desprender totalmente. “Um turista em eu próprio passado”, como ilustra de maneira sagaz Sick Boy em uma passagem do longa. E é assim não só com McGregor: os quatro visitam e revisitam, tanto no plano mental quanto geograficamente, lugares e situações do seu antecessor, seja para aparar arestas ainda visíveis ou apenas para meditar sobre o acontecido.

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

 

Se Trainspotting serviu para revelar ao mundo os atores em questão, em T2 estes são maiores que os próprios personagens. Neste, a tela congelada em cada um dos rostos nos créditos de abertura, não traz “Renton, Sickboy, Spud e Begbie”, mas sim, “McGregor, Miller, Bremmer e Carlyle”. E, de maneira geral, nada surpreende sobre o crescimento do quarteto ao longo destes 20 anos: o bromance entre Renton e Sick Boy é tamanho que há uma passagem na qual um interesse amoroso dos dois reclama que eles “estão tão apaixonados um pelo outro que deveriam se despir e foder” e Spud se consolida como personagem mais complexo do grupo, boa parte graças à excelente atuação de Miller. Deixa a desejar, contudo, o tratamento dado a Begbie, que muitas vezes apela a recursos baratos de comédia besteirol e torna o canastrão aparente ainda mais caricato do que o bom senso permite.

O que falta, talvez, seja a ousadia do soco no estômago que são as mortes do bebê e de Tommy no primeiro longa. Boyle se redime, porém, ao deixar claro que o arrependimento e a culpa da parte de Sick Boy e de Renton, respectivamente, permanecem e assombram ambos os personagens. Apesar de incorrigíveis, são humanos acima de tudo.

O lema “choose life, choose a job, choose a career, choose a family“, marcante no primeiro, é atualizado e se torna ainda mais impactante no segundo – com o mesmo sotaque carregado e sorriso idiota beirando a loucura de McGregor. Só que, desta vez, o personagem, ao invés de big television, compact disc players and electrical tin openers, ilustra os novos vícios da sociedade atual e virtual, onde as aparências prevalecem.

Enquanto Trainspotting é uma obra importante sobre crescer, T2 nos apresenta os mesmos personagens aprendendo e lutando contra envelhecer – mas sem perder o tesão pela vida, como sugere a canção de Iggy Pop, tema de ambos os filmes.

Mais notícias

Este site armazena cookies para coletar informações e melhorar sua experiência de navegação. Gerencie seus cookies ou consulte nossa política.