Publicado em 15/10/2016 às 11h00.

Lorena: ‘Tenho amigos homossexuais e me relaciono com mães-de-santo’

Advogada, bispa batista e filha de Átila Brandão, vereadora eleita de Salvador garante que não vai confundir religião com política: “igreja não é radical”

João Brandão
Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba
Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba

 

Novata na Câmara Municipal de Salvador, a recém-eleita vereadora Lorena Brandão (PSC), promete que não irá confundir política com religião em seu primeiro mandato. Advogada, mestre em Direito e filha de Átila Brandão, líder da Igreja Batista Caminho das Árvores, a pastora garante que a “igreja não é radical”.

“Eu hoje sou vereadora eleita de Salvador, apesar de ser evangélica, de ser bispa de uma igreja evangélica, eu sou vereadora da cidade de Salvador. Tem pessoas que votaram em mim que não são evangélicas. Eu tenho amigos que são homossexuais, eu me relaciono com pessoas que são mães-de-santo. Eu sou uma pessoa pública e, como pessoa pública, a minha meta é o respeito”, assegurou, em entrevista ao bahia.ba.

Lorena ainda negou o rótulo de caloura, ao afirmar que “sempre fez política”, embora revele que o pai não gostou da sua ideia de concorrer a um cargo no Legislativo. “Falou que não, que meu preparo era para eu ser uma ministra da Suprema Corte [STF], que a política é uma lama. Ainda brinquei com ele que ministra é um cargo político, né?”, contou.

Apesar de estreante, ela já tem o nome lançado para a presidência da Casa e diz que o seu partido já trabalha para colocá-la como principal representante da bancada evangélica. “Na verdade, ao mesmo tempo que eu acho engraçado, eu acho uma coisa pertinente. A gente nunca teve uma presidente mulher. […] Sabe, eu não temo esses desafios, da burocracia, o desafio regimental, eu acho que é muito cedo para falar nisso, temos que ouvir o prefeito, mas a gente está querendo marcar. […] A gente tem hoje a subida de Heber (Santana) para a Assembleia [Legislativa], então eu vou ser a primeira vereadora do partido. Isso diz alguma coisa. O partido, com certeza, está se articulando”, afirmou.

Aliada do prefeito ACM Neto, Lorena ressaltou a vitória “arrebatadora” do democrata, mas afirmou que, durante a campanha, foi em lugares onde ele não era bem vindo. “Eu cheguei a comunidades em que disseram para mim: ‘a gente vota com você, mas com Neto não’. Aí eu perguntava: ‘mas por quê?’ ‘Ele nunca venho aqui’. ‘Mas a base aliada esteve, sou eu’”, defendeu.

Confira a entrevista completa:

Foto: Izis Moacyr / bahia.ba
Foto: Izis Moacyr / bahia.ba

 

bahia.ba – Como a senhora é estreante na Câmara, gostaríamos que se apresentasse à população.

Lorena Brandão – Eu sou Lorena Brandão Portela, 43 anos, esposa de Sergio Portella, mãe de Gabriele, de 17 anos, e Rafael, de 11. Em primeiro lugar, sou esposa, mãe e dona de casa. Sou formada em Direito pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), há 20 que sou advogada, professora de Direito há 15 anos – Teoria Geral do Direito e Direito Civil, Direito das Obrigações e Direito das Famílias. Coordeno o curso de Direito da Faculdade Batista. Fiz pós-graduação em Direito Público e Privado, Teologia Prática, depois fui consagrada pastora. Sou bispa da Igreja Batista Caminho das Árvores e cheguei a coordenar 156 igrejas da Região Metropolitana de Salvador. Participo do concilio de bispos da Igreja Batista Caminho das Árvores. Fui submetida a concílio – que é uma prova que a gente faz –, fiz mestrado em Família na Sociedade Contemporânea, doutorado em Família também. Terminei meu doutorado em Direito Civil na Argentina. Então, eu sou coach. Tive essa sorte, mudou minha vida o coaching, que é um processo incrível.

bahia.ba – O que fez a senhora a decidir disputar um mandato para a Câmara Municipal de Salvador?

LB – Na verdade, eu sou evangélica, como você já sabe, e eu senti um chamado ….. do meu coração. Como já disse, nós temos um supremo concílio de bispos, uma reunião de bispos da igreja e, nessa reunião, eu não estava presente, estava trabalhando na coordenação do curso de Direito, e sugeriram meu nome para representar a nossa casa nessas eleições. No início me deu aquele baque, mas eu senti aquela coisa dentro de mim. Eu fui falar com nosso líder, que é meu pai, Átila Brandão, e ele rejeitou a ideia, falou que não, que meu preparo era para eu ser uma ministra da Suprema Corte, que ‘de jeito nenhum’, que política é uma lama… Ainda brinquei com ele que ministra é um cargo político, né? É uma lama, mas o lírio dos vales que é Jesus… os que nascem na lama não perderão sua beleza nem o seu perfume. Então, foi um chamado. Eu acredito que a igreja tem orado por conta dessa crise institucional instalada no Brasil. É uma igreja que ora, que se preocupa e, em nome disso, Deus tem tirado as pessoas do lugar comum, como eu, das suas vidas, para trazer para a vida pública. Então, assim foi o meu caso.

.ba – E o bispo lhe apoiou depois que você decidiu?

LB – Com certeza! Apoio total. Apoio de todos eles. As igrejas são 13 bispos regionais que cuidam, cada um, de dez a 15 igrejas.

.ba – Ele disse o quê quando a senhora falou ‘vou me candidatar a vereadora’?

LB – Na verdade, eu não decidi sozinha. Isso seria a resposta de Deus para ele. Nós trabalhamos com hierarquia e disciplina na igreja. Não é assim como os jovens são: ‘hoje eu vou ali’. Você não vai, quem decide é uma autoridade. A Bíblia fala isso – vos submeteis às autoridades constituídas por Deus e os pais são autoridade. E o meu é duplamente autoridade sobre a minha vida, tanto é meu pai, como é meu mentor espiritual e meu líder espiritual. Eu esperei ele decidir. Nessa decisão, ele tomou algum tempo de oração, que Deus tinha falado para ele que ia me levantar como fez com Débora e Uda, que eram duas juízas do tempo dos juízes da Bíblia, e Esther, que era uma rainha, três etapas de tempo, que Deus ia fazer isso na minha vida. Eu falei: então tá, ‘é nós’, vamos lá.

Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba
Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba

 

.ba – A igreja evangélica tem posição radical em relação a alguns assuntos, como a questão gay e a discussão de gênero na educação. Qual a postura da senhora sobre esses temas?

LB – A igreja não é radical. A Bíblia tem princípios, como o Direito tem princípios. Você não pode chegar para mim e dizer ‘Lorena, a Constituição é radical’. Ou você cumpre a Constituição ou você enfrenta as consequências. Sim ou não?

.ba – Mas nem todo mundo é evangélico e pensa igual…

LB – Claro, mas eu digo a você, o Código Penal não é radical. Na religião é a mesma coisa. Religião é coisa séria. Se você tem a sua religião, ela está pautada em alguma coisa, um currículo por trás, tem uma liderança. O currículo evangélico é a Bíblia. Então, o que a gente não pode fazer é confundir política com religião. A igreja evangélica não é radical, ela é baseada em princípios imutáveis. Então, quanto à questão da homossexualidade, a Bíblia é categórica quanto a essa questão, mas o que eu quero dizer, não falando de religião, que essa não é a nossa pauta hoje, falando de política, eu hoje sou vereadora eleita de Salvador, apesar de ser evangélica, de ser bispa de uma igreja evangélica, eu sou vereadora da cidade de Salvador. Tem pessoas que votaram em mim que não são evangélicas. Eu tenho amigos que são homossexuais, eu me relaciono com pessoas que são mães-de-santo. Eu sou uma pessoa pública e, como pessoa pública, a minha meta é o respeito. Política é diferente.

.ba – Então o que a senhora quer dizer é que consegue separar a questão política da religiosa?

LB – Eu entendo que temos que ter muita sabedoria para saber fazer isso, porque eu não posso, se você tem uma crença, crença em coach é o foco da sua vida. Nós, coaches, acreditamos que uma pessoa é rica, pobre, magra, gorda, feliz ou infeliz de acordo com as suas próprias crenças. Crença é tudo na vida de alguém. Isso é ciência. Então, se você crê em alguma coisa, você vai ser aquilo que você acredita. Está escrito na Bíblia também. Crença é coisa séria. Você não vai ferir nem ir de encontro à minha crença para a gente conseguir conviver em paz. Você pode ter a crença que for, se eu tenho um olhar de respeito, consideração para com você enquanto ser humano, indivíduo, que é igual e semelhante a todos os outros, eu te respeito e a gente convive muito bem, apesar de pensarmos diferente.

.ba – A senhora é da base do prefeito ACM Neto. Qual vai ser a sua postura na Câmara?

LB – Eu sou da base de Neto, mas um vereador tem um triplo papel e um deles, eu não gosto de dizer fiscal, como está escrito na Constituição, mas eu gosto de dizer ‘conselheira’, mais leve. Eu tenho até um vídeo, que postei no meu Facebook, que eu falo sobre essa postura em relação ao prefeito. Agora, o Legislativo é o Legislativo e o Executivo é o Executivo, também está na Constituição. Eu acredito em um mandato, dentro da base aliada, com autonomia, baseado nos meus princípios.

.ba – Como a senhora avalia a gestão do prefeito de Salvador?

LB – Tem vários pontos que a gente poderia discutir, mas o avalio hoje, como toda Salvador, o melhor prefeito do Brasil. Mais de 74% de votos é uma votação arrebatadora, um negócio monstruoso, uma aprovação que não tem o que discutir. Agora, eu cheguei em lugares, em comunidades em que disseram para mim: ‘a gente vota com você, mas com Neto não’. Aí eu perguntava, mas por quê? ‘Ele nunca venho aqui’. Mas a base aliada esteve, sou eu. Não existe um afastamento, são 157 bairros em Salvador.

Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba
Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba

 

.ba – A senhora já tinha algum trabalho político anterior que lhe credenciasse a disputar um mandato eletivo?

LB – Como pessoa, eu sempre fiz política, porque sou professora, formadora de opinião, formo gente, são nove cursos. Sou empresária da área de educação, uma faculdade que comecei com 24 anos, então a gente não pode dizer que nunca faz política. Política partidária eu não fiz muito bem, mesmo sendo filiada ao Partido Social Cristão (PSC) há 13 ou 15 anos, já me chamaram até de ‘boi de fuga’. Chegava lá, tirava foto, fazia palestra para as mulheres, mas eu não queria esse envolvimento. Estava ótimo, ‘muito bem, obrigada’, como empresária nesse Brasil sofrido, como todo mundo sabe e vê, com um certo êxito, mas eu estava bem. Mas aí veio essa coisa desse chamado, como já expliquei para vocês, e eu resolvi. Meu partido é da base aliada de Neto, então eu sou base aliada. Isso tem um peso político, claro, agora Legislativo é Legislativo.

.ba – E a senhora já tem ideia de propostas que a senhora pretende defender na Câmara de Salvador?

LB – Bom, eu tenho alguns projetos sociais que a gente já desenvolve há muito tempo. Com esses projetos, que vocês podem ver nas redes, como Jovem Mais, Banca Solidária, Crianteca, Ação Bairro, Kiteiras, vocês vão poder ver a base da inteligência do que a gente acredita. Agora, na Câmara de Vereadores, nós legislamos. É claro que a gente tem que ter a inteligência atrás disso com base nas necessidades das comunidades que a gente atua. Em relação a algumas propostas minhas, por exemplo, como sou advogada, já formei um monte de bacharéis, um monte de advogados. Inclusive, a minha faculdade tem um foco para as classes C, D e E, já formamos, por exemplo, advogado que era lavador de carros, vendedor de picolé, baiana de acarajé, quilombola… São pessoas, por isso que a gente não deve dizer que não faz política. Claro que a gente faz. Chega uma pessoa na sua frente que só tem uma roupa e diz que quer estudar. Você não está fazendo política? Política é o quê, se não for fazer para o povo? Então, é claro que nós fazemos política sim, agora em termos de proposta, por exemplo, no Direito, a gente precisa estudar a viabilidade disso no orçamento, mas propor a criação de uma Defensoria Pública Municipal. Nós trabalhamos com balcões de Justiça e Cidadania: eu tenho dois balcões na Faculdade Batista. A gente chega nas comunidade, com esse projeto de Ação Bairro, que é uma feira de cidadania e saúde que nós fazemos nos bairros e aqui na nossa sede, todos os anos, em setembro, há 18 anos. Estamos indo para o 19º ano dessa grande ação. Há uma grande arrecadação de alimentos, que nós doamos para os mais pobres, aquela palestra emocionada, que trata de autoestima, atendimento médico, todos os médicos são parceiros, fazemos também outros serviços públicos, como cadastro para o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida. Ação Bairro é uma coisa linda! Hoje, com a política, eu levo para as comunidades fora da igreja. Foi uma experiência fantástica. Fazer essa feira, por exemplo, casada com o projeto chamado Jovem Maisque, que é uma capacitação para a empregabilidade em convênio com a faculdade, em que professores de Administração ou estudantes ministram aulas de capacitação para jovens. Está formando a 7ª turma semana que vem. Eu faço questão de fazer o fechamento da turma. Um trabalho cansativo, mas a gente vai, com certeza, desenvolver projetos de acordo com a necessidade da comunidade. A Defensoria Pública Municipal seria um deles. Um projeto também de assistência multidisciplinar para jovens das escolas públicas e em situação de risco, que cometem pequenos delitos, no qual possamos acolhê-los, tratá-los. Eu tenho também um projeto de coaching social nas escolas públicas totalmente gratuito, que a gente desenvolve. Eu tenho outros dez coaches que trabalham comigo. O coach é o profissional que faz perguntas, faz reflexão, que mobiliza sistematicamente a pessoa para pensar. Como os projetos vão passar pela educação, que é minha bandeira, isso me alimenta, porque eu vejo as pessoas saírem das ruas por meio da educação. Eu tenho algumas outras propostas. Nós temos uma ONG que funciona legal, temos um projeto chamado Davi, que é complementação alimentar estudantil para criança carente. Eu penso em implementá-lo em creches porque, nós mulheres, sabemos a dificuldade que é sair de sua casa, deixar o filho para trabalhar. Muitas nem conseguem trabalhar porque não têm com quem deixar a criança. Isso tem um custo: ganhar um salário para pagar a metade para alguém cuidar do seu filho. Nós precisamos de mais vagas de creches. Neto tem feito isso com o Primeiro Passo, vai ampliar as escolas. Ele aumentou a verba do orçamento para Educação, tinha que aplicar 25% e aplica 28%. Ele tem feito um trabalho belíssimo, incrível, mas eu quero ainda ajudar nessas questões de educação, continuar trabalhando com a igreja, fortalecer isso, porque nós temos verbas públicas para criação de creches. É o meu projeto que mais age no meu coração.

.ba – A senhora tem ideia das limitações que são impostas ao legislador, por exemplo, não poder apresentar propostas que criem despesas para o Executivo?

LB – Totalmente. Política exige inteligência e muito estudo, né? É isso que eu pretendo fazer daqui para a frente: estudar, estudar muito. Eu sempre fui muito estudiosa, sempre fui muito caprichosa em tudo que eu faço. Hoje surgiu a minha candidatura à presidência da Câmara, por exemplo. Na verdade, ao mesmo tempo que eu acho engraçado, eu acho uma coisa pertinente. A gente nunca teve uma presidente mulher. Todos estão se articulando. O mandato já começou, na verdade, e quando surgiu essa ‘brincadeira’, eu falei que acho isso ótimo. Sabe, eu não temo esses desafios, da burocracia, o desafio regimental, eu acho que é muito cedo para falar nisso, temos que ouvir o prefeito, mas a gente está querendo marcar…

Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba
Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba

 

.baHá um desejo pessoal da senhora em ser presidente da Câmara?

LB – Eu também não vou dizer que é um desejo: é precipitado. É o meu primeiro mandato, tive uma votação muito expressiva para um primeiro mandato. Foram 7.312 votos de alguém que era completamente desconhecida, estava no seu lugar comum. Eu realmente me espanto, tanto que estou sendo comentada em todo lugar. Então, acho muito cedo para falar nisso. Existe uma demanda burocrática de trabalho emocional e inteligência e é isso que eu vou me dispor a fazer daqui para a frente, mas não tenho medo.

.ba – Mas não seria uma ousadia?

LB – Seria, uma vereadora recém-chegada…

.ba – Não seria uma petulância de uma vereadora de primeiro mandato, sem experiência legislativa, ir para o embate com vereadores que estão na Casa há muito tempo?

LB – Não acredito que seja embate, não. Acredito que a gente tem que se posicionar com muita firmeza. Eu disse para vocês muito claramente e repito, isso surgiu de uma ‘brincadeira’, mas eu estou vendo que aqui todo mundo levantou para ouvir (risos).

.ba – O PSC já se articulou com outros partidos para criar uma gama de forças da bancada evangélica?

LB – A primeira coisa é a seguinte: nessa conjuntura política, a gente tem hoje a subida de Heber (Santana – PSC) para a Assembleia [Legislativa], então eu vou ser a primeira vereadora do partido. Isso diz alguma coisa. O partido, com certeza, está se articulando. Nós estamos conversando, não temos nada definido ainda, mas nós trabalhamos em conjunto. Eu gostaria de ressaltar isso, o trabalho do PSC é um trabalho coletivo, é um trabalho em conjunto, do conselho de sabedoria. Somos dois eleitos, subindo o terceiro. O primeiro suplente hoje é Alberto Braga. Com a ida de Heber para a Assembleia, aí Alberto Braga entra e com outras expectativas, porque a gente tem Ricardo Almeida, que também teve uma quantidade muito expressiva de votos, que pode ainda chegar, dependendo da conjuntura, da organização que o partido venha a fazer. Então, a gente está se mobilizando, pensando no coletivo, trabalhando juntos.

.ba – A bancada evangélica ainda tem Cátia Rodrigues e Isnard Araújo, pelo PHS, e o PRB, que fez três vereadores. Isso poderia dar uma representatividade maior do bloco na Câmara?

LB – Com certeza…

Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba
Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba

 

.ba – Se fosse eleita, a senhora gostaria de ser chamada de presidenta?

LB – Para mim hoje esse neologismo é interessante. Eu fui aluna de Ana Alice (referência à feminista e acadêmica Ana Alice Alcântara Costa, uma das fundadoras do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher), que infelizmente nos deixou. Nós temos na Faculdade Batista o segundo Núcleo de Estudo e Gênero do Norte/Nordeste e a nossa coordenadora faz parte do Neim também. Eu fui aluna da Ufba, mas eu vejo assim: o feminismo é uma coisa muito peculiar e eu não acredito que colocar um ‘a’ no fim da palavra vai mudar muita coisa. Presidente ou presidenta, sou eu, mulher, e vou fazer uma grande diferença.

.ba – Mas se te chamar de presidenta, a senhora não se incomoda?

LB – Incomodar? Não.

.ba – Mas a senhora não acha que essa coisa de presidenta fica muito pesada?

LB – Não acho pesada nem leve (risos). Como tem leoa, também não era neologismo algum tempo atrás? Com o tempo tudo se assenta.

.ba – A senhora já conhece todos os seus colegas ou alguns deles?

LB – Conheço. Salvador é muito pequena, aqui a gente conhece todo mundo. Eu sou uma pessoa que nasci e fui criada em uma igreja evangélica. Para mim, a coisa mais fácil é conviver com pessoas. Sabe por que Jesus disse que ele é a água da vida? Porque quando você entra na água todo mundo é igual. Pobre, rico, preto, branco, a água nivela todo mundo. Não vejo dificuldade. Eu não tenho dificuldade de relacionamento. Sabe por quê? Porque tudo na vida depende da lente que você usa. Quando eu cheguei na sala, você fez uma leitura de mim. Nós somos seres de julgamento. Aí se você trocasse sua lente e me visse de uma maneira diferente, você é livre para me ver da maneira que você quiser, como eu sou livre para lhe enxergar da maneira que eu quiser. Nós somos fadados à liberdade.

Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba
Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba

 

.ba – Mas esse meio da política é um mundo meio antropofágico, de vaidades; um querendo derrubar, devorar o outro. A senhora que vem do mundo da religião, da tranquilidade, da compreensão, não se assusta?

LB – O mundo está estranho, está muito estranho. Nossos olhos estão sem referência. A gente está vivendo hoje no Brasil uma crise institucional e a antropofagia faz parte do nosso dia-a-dia. Hoje existe disputa dentro de casa, entre o próprio casal. As pessoas não querem que os pais sentem na cabeceira da mesa. Eu penso ao contrário, pai é pai, mãe é mãe, menino é menino. Tem que ter coragem para dizer isso hoje, porque o mundo está estranho, entende?

.ba – Os valores são outros ou há uma inversão de valores?

LB – Há uma diferença no cuidado com a escala, sabe. Eu dei aula e me preocupava em criar um curso de Direito que fosse humano. Direito é uma ferramenta de crescimento humano, de desenvolvimento humano, não é só para ‘vou agora ganhar tanto porque sou advogada’. Então, eu tive um cuidado de criar um curso que tivesse esse perfil, do olhar do crescimento, do olhar de agregar, de escutar a parte: eu sou advogada para lhe ajudar, para lhe ouvir. Eu consegui. Eu acredito que se você, como a gente diz em coaching, entende essa missão de vida, como eu entendo a minha hoje muito claramente, nunca mais vou atrapalhar minha vida, as coisas são muito pequenas diante do que eu sei que eu posso fazer. Na igreja, a Bíblia diz que Deus deu a luz para apóstolos, outros para pastores, outros para mestres, cada um no seu quadrado. Eu, por exemplo, sou mestra, ensino, tenho facilidade. E a Bíblia diz: aquele que ensina aplica o que ensinou. Na igreja eu ensino a bíblia, no mundo ensino Direito e na política minha maior bandeira é a educação. Segunda-feira é o dia mais feliz da minha vida, gente. Quando você faz o que você ama, os problemas com as outras pessoas ficam minúsculos.

.ba – A senhora fala que a sua bandeira é a educação. O que a senhora pensa sobre o projeto Escola sem Partido?

LB – Olha, eu acho que isso é muito delicado e, ao mesmo tempo, pelos dois lados. Não sei se você acompanha, mas hoje isso é um problema nos Estados Unidos seríssimo. Os jovens cristãos sofrem muito. Existiu uma coisa com a política nos Estados Unidos, a partir de 1973, muito grave. Chegou a um patamar em que o parlamentar americano cristão não podia se manifestar. Se é crente, fique calado. Como assim? As pessoas confundem hoje que o Estado é laico com a ausência de religião, de princípios religiosos dentro do Estado. Isso é um absurdo. Por exemplo, as pessoas não entendem que, quando George Washington, quando escreveu sobre o Estado laico, ele estava fazendo uma carta para a igreja presbiteriana dizendo: ‘não se preocupe, porque esse Estado – não me lembro se foi a Lousiana – não vai financiar só uma igreja, o estado é laico’. Ele vai querer, com isso, que todas as igrejas cresçam, apareçam, tenham seus lugares. O que eu acredito que é bom da ‘Escola sem Partido’ é o que faço hoje na Batista. Eu entendo ali que as pessoas aprendem e aprendem ideologias. Agora, o que estamos vendo no ensino, principalmente no ensino público, eu sou egressa da universidade pública, é errado. Isso não é coisa que a gente está vendo agora não. A gente está vendo há muito tempo: ‘você vai pensar desse jeito porque esse jeito é o politicamente correto e, se você não pensar assim, você vai ficar muito mal’. Isso é errado. O ser é livre para pensar.

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