Publicado em 27/06/2016 às 16h20.

‘Prefeito é o político com maior poder’, diz senador

A opinião é de Roberto Muniz, que acaba de assumir o mandato no Senado, e já sentiu o gosto de comandar uma prefeitura

Ivana Braga
Foto: bahia.ba
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Engenheiro civil formado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), com especialização em Engenharia Econômica pela Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, Roberto Muniz (PP) acumulou experiência na iniciativa privada e passou pelas três esferas de gestão (municipal, estadual e federal). Foi prefeito e vice-prefeito do município de Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador, onde também exerceu a titularidade das secretarias de Planejamento e Turismo, e Esporte Cultura e Lazer.

Deputado estadual por dois mandatos, Muniz comandou ainda as secretarias do Trabalho e Ação Social e de Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária. Na esfera federal, foi secretário-executivo do Ministério das Cidades.

Participou como presidente ou membro de diversos conselhos e órgãos colegiados, tendo formação complementar de conselheiro de Administração, pela Faculdade Dom Cabral (FDC), e de coach (Professional Executive Coach Certification), pela Sociedade Latino-Americana de Coach (SLAC).

Deixou a presidência executiva da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) e assumiu, há pouco mais de 15 dias, a cadeira de senador da República na vaga aberta por Walter Pinheiro (sem partido) que passou a ocupar a Secretaria da Educação do Estado (SEC).

Em meio aos seus afazeres do novo desafio, o senador Roberto Muniz abriu espaço na agenda para conceder essa entrevista exclusiva ao bahia.ba, em que fala das principais questões nacionais, como o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff (PT), defende as eleições gerais – com mandatos casados, como forma de solucionar parte dos problemas políticos do país – e da necessidade de oxigenação da representação política brasileira com a renovação dos quadros.

Foto: bahia.ba
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Bahia.baSenador, o senhor passou os últimos cinco anos na iniciativa privada, fora da atividade política. O que levou o senhor a decidir assumir o mandato no Senado, que é temporário, pois o senador Walter Pinheiro pode decidir voltar a qualquer momento? O senhor não arriscou demais?

Roberto Muniz – O mandato é temporário, havia uma relação estabelecida há quase seis anos, não havia uma possibilidade de Walter Pinheiro sair sem que eu assumisse, a não ser que eu renunciasse. Então eu estou aí de volta para cumprir esse mandato que eu não sei de quanto tempo será, isso depende de Walter e do governador. Então, eu fiz uma avaliação com família, com amigos, uma avaliação jurídica em relação a essa questão de como seria, então não havia muito o que fazer. Só tinha duas alternativas: assumir ou renunciar.

.ba – Mas o senhor vacilou um pouco para decidir. Pelo menos a mídia indicava que o senhor estava indeciso.

RM – Veja bem, a gente quando corre atrás do pleito, fica ambicioso; quando avalia se deve voltar ou não, a gente é vacilão. Eu não tinha esse planejamento, não. Estava sem esse planejamento. E tinha que fazer uma avaliação, porque já havia assumido compromissos na vida profissional, e, quando isso acontece, a gente precisa conversar com as pessoas, repactuar. Mas, como digo, navegar é preciso e tenho que navegar essas novas ondas.

.ba – Uma vez senador, o que o senhor pretende fazer para marcar sua passagem no Senado?

RM – Eu tenho pouco mais de dez dias como senador. Ainda não tive tempo suficiente para quase nada. Se você imaginar que um senador tem mandato de oito anos, dez dias é quase nada para se aprender os caminhos do Senado. Mas uma coisa que eu tenho me pautado muito, meus mandatos sempre foram muito técnicos, voltados para gestão, para construção de políticas públicas, e o que estou percebendo é que o Brasil tem hoje uma agenda que está olhando para o agora e para o ontem. Essa é a agenda que tem sido do cotidiano brasileiro. E tem pessoas muito capacitadas que já estão fazendo isso. Então, vou tentar me distanciar um pouco disso para olhar o futuro. Como a gente faz após esse momento, quais são os aprendizados que teremos para depois desse momento, quais as políticas públicas que sobreviverão depois desse momento? A gente vem de um momento de expansão da economia muito grande, a gente pode dizer que viveu um momento que poucos que estão aí viveram de consumismo, de crescimento, de modernização do parque fabril, de conquistas sociais. Nós tivemos um momento muito bom para o Brasil e agora estamos vivendo um novo momento que é de rearrumar a casa. Então, essa saída desse cenário de expansão econômica para um de contração econômica e investimentos para gerar um novo cenário que precisa ser repensado, repactuado. Quero tentar olhar esse novo Brasil que vai sair desse momento. A gente hoje está vivendo a questão do impeachment, não é uma questão, é um fato, e todo mundo está querendo saber como é que eu vou votar e eu tenho dito que no momento certo saberei como votar.

 

 

Todo mundo quer saber como vou votar.

No momento certo saberei como votar

 

 

.ba – E como é que o senhor vai votar?

RM – Pois é, vou votar colocando minha senha e apertando um botão (risos). Assim que vou votar. Agora, qual é o conteúdo do voto, aí vão ter que esperar o momento certo.

.ba – Mas o senhor não pretende ser a Tia Eron (referência à deputada Eronildes Vasconcelos Carvalho, do PRB da Bahia, que definiu o processo de cassação do deputado Eduardo Cunha, PMDB-RJ, afastado da presidência e do mandato na Câmara Federal acusado de quebra do decoro parlamentar) do Senado, criando toda uma expectativa sobre o voto, né?

RM – Eu acho que tia Eron fez um papel interessante, pois muita gente começou a criar possibilidades sobre o voto dela e muita gente acertou e muita gente errou. Você só tem 50% de chances sobre o acerto ou o erro, então ou vota a favor ou vota contra. O fato é que o ambiente político tem uma mudança, a cada dia é um novo cenário, um novo fato que estabelece coisas que reforçam algumas teses, mas muitas vezes ele destrói aquela tese que você vinha construindo. Então, é muito melhor ter precaução, um tempo para entender. Está tendo um debate muito interessante na comissão do impeachment com essas testemunhas, o olhar de quem é a favor e de quem é contra. Uma coisa tenho muito clara para mim: você tem dois caminhos para enxergar a política. Pela legalidade e pela legitimidade. Esses dois caminhos precisam, em algum momento, se encontrar. Essa disputa entre legalidade e legitimidade é a disputa do discurso.

Foto: bahia.ba
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.ba – Na avaliação do senhor esse processo todo do impeachment é legal e legítimo?

RM – Ele é legal, tanto que tramita dentro do Senado. A questão é: como usar a legitimidade para transformar o que está acontecendo dentro do Senado em algo em que a sociedade entenda como legal. É essa disputa política que está sendo discutida. O senador Walter [Pinheiro], junto com outros senadores, fez uma MP (Medida Provisória) que eu acho interessante. Busca estabelecer algo pelo qual nunca tínhamos passado, que é a questão de que, quando há um processo de afastamento do mandatário (prefeito, governador ou presidente da República) é importante que a pessoa que vai substituí-lo não tenha interesses próprios, pelo menos naquele período. Eu achei essa proposta de uma sabedoria muito grande. Eu acho que esses processo todo vai servir para ganharmos o aperfeiçoamento do processo democrático. Acho que esse é o maior legado.

.ba – Paralelo a essa discussão de legalidade e legitimidade do impeachment, temos um quadro bastante conturbado do ponto de vista ético. É muita denúncia de corrupção e muitas delas cada vez mais se aproximando do presidente interino Michel Temer (PMDB-SP). Como é que o senhor analisa esse cenário e se situa nele?

RM – É um cenário pedagógico. Você tem aí duas vertentes. Olhar como algo que é pedagógico e como algo jurídico e policial. Esse último, o jurídico e policial, é um olhar sobre as leis e os costumes. Acho que o que está sendo colocado em jogo aí também, além da questão da ilegalidade dos atos, são os costumes. Como vamos enfrentar isso. Essa é que eu acho que é a grande pauta.

.ba – Quando o senhor fala em costumes o senhor se refere às práticas?

RM – As práticas e as relações institucionais. Eu acho que isso aí, para mim, mais do que julgar pessoas, não cabe a mim nem a ninguém, é uma questão da Justiça, o que a gente precisava era ter um olhar mais crítico sobre os processos. Eu não estou conseguindo enxergar isso. Como é que os processos podem ser aprimorados, como essas relações podem melhorar entre o público e o privado, entre a política e o cidadão , como pode reverter esse quadro de desesperança na política, essas questões precisam ser aprofundadas porque a gente está chegando em um ponto em que podem surgir oportunistas que levem o país a um caminho que a gente nunca quis. A gente caminhou no país que saiu de um processo com a presença do Exército nas ruas [referência à ditadura militar, que conduziu o Brasil por mais de 30 anos], aí a gente teve a redemocratização. Nesses últimos anos acho que o Brasil avançou muito. Nós tivemos a oportunidade de experimentar um jovem de 42 anos na presidência [referência a Fernando Collor], que foi “impeachmado”, tivemos também um sociólogo (Fernando Henrique Cardoso), tivemos um operário (Luiz Inácio Lula da Silva), tivemos uma mulher (Dilma Rousseff), agora temos um constitucionalista (Michel Temer). É um país que tem experimentado, em pouco tempo, vários perfis, mas terminado o processo, todos saíram com alguma mácula, alguma mancha. O que fica de aprendizado nisso? Será que são as pessoas ou são os processos que precisam ser repensados? Quando você coloca essa questão, o que precisamos é entender quais são os costumes, perceber que esses costumes devem ser mudados pela prática da força da lei. A gente não pode viver em um país que tem leis que pegam e leis que não pegam. A gente tem que começar a pensar, a rever esse posicionamento. Acho que todo esse desajuste político desse momento é um processo de crescimento e aperfeiçoamento das instituições democráticas. Eu acredito nisso.

 

A gente não pode viver em um país que tem

leis que pegam e leis que não pegam

 

.ba – A questão da corrupção no Brasil é cultural, vem lá do tempo da colonização. O que fazer para virar esse jogo? O senhor tem alguma proposta para isso?

RM – Como sou engenheiro, tenho que fazer um movimento que estabeleça maior geração de energia. Eu acho que para nós corrigirmos esse sistema político temos que ter uma olhar no sistema eleitoral, vejo um ponto que criou uma disfunção do sistema eleitoral brasileiro. Quando descasamos a eleição de presidente da eleição de governadores e prefeitos, construímos ambientes políticos em que para você sobreviver não faz um movimento que quer que seja da política limpa, que é ter partidos que tenham conteúdos programáticos que possam se aliar a outros com o conteúdo programático semelhante. O que se faz aqui não é a partilha do conteúdo programático, mas sim a partilha do tempo de televisão, do espaço para montagem do grupo de candidatos para tentar fazer o plantel de candidatos proporcionais. Tudo é feito para ampliar a quantidade de poder e representatividade. Mas eleições gerais não é discurso que os políticos apoiem, eles não gostam porque não dá a mobilidade para negociações para buscar posicionamentos a cada dois anos. Poder construir o planejamento do estado brasileiro é o maior efeito das eleições gerais. A gente não ganha só na estratégia da política não, a gente ganha na estratégia do orçamento.

Foto: bahia.ba
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.ba –  Então o senhor diria que é uma luta pelo poder e não pelos interesses da população?

RM – Diria que é pelo poder, não pela matriz ‘ideária’ do partido. Se eu tivesse que fazer uma coisa para melhorar isso, faria eleições gerais. O que acontece com eleições gerais? Primeiro, se você coligasse na nacional, teria que coligar até no município, então acabaria essa possibilidade de essa ‘sopa de letrinhas’ estabelecer um tipo de coligação, de alianças em determinado momento no estado, outro no município e outra na União. Isso cria uma dificuldade para os eleitores saberem qual é o posicionamento ideológico daquele partido.

.ba – O senhor não acha que no Brasil temos partidos políticos demais?

RM – As eleições gerais começam a criar no eleitorado essa percepção. O que nós temos é uma avalanche de eleição, uma atrás da outra, o que gera uma confusão. Se você perguntar a um eleitor em quem ele votou na última eleição ele não vai lembrar, depois de quatro anos ele lembra muito menos. A primeira coisa que precisaríamos é fazer eleições gerais que permitiriam a construção de uma aliança nacional, reduziriam o custo das eleições, mobilizaria a sociedade e os quadros políticos em um determinado momento para que todos estejam se colocando à disposição da sociedade de maneira simultânea e não como vem sendo feito agora que nesse instante os deputados precisam investir em candidatos a prefeitos e vereadores para poder ter o retorno daqui a dois anos. E hoje, com a prática que já temos de os eleitores dominarem o uso das urnas eletrônicas, não vejo dificuldade, só precisaria acrescentar aos cinco votos mais dois. Isso também estabeleceria outra vantagem que é a de que políticos não precisariam apostar em um cargo durante o exercício do mandato, por exemplo, parlamentares que querem disputar cargos no Executivo. As eleições gerais estabeleceriam um alinhamento político-ideológico e, poderíamos dizer, educacional. As alianças ficariam mais claras. A gente perderia esse sentimento de que temos muitos partidos. Não acho que o nosso problema seja a quantidade de partidos. O grande problema é que a gente não sabe o que fazer com tantos partidos. Se tivéssemos um alinhamento inicialmente, perceberíamos que esses partidos menores alguns têm um efeito ideológico, outras são representações de classe, então se começaria a perceber qual o interesse de cada partido, ficaria mais claro. Nós já fomos bipartite – tivemos a Arena e o PMDB – e não foi o modelo ideal, pelo menos não para mim, era muito pobre.

 

 

O grande problema é que a gente não sabe

o que fazer com tantos partidos

 

 

.ba – Mas a gente sabe que muitas dessas legendas “nanicas” que surgiram foram construídas apenas com o objetivo de fazer negociações políticas.

RM – Acho que um grande erro da política é o ter ou o não ter. Pode ter de uma outra forma. Se o partido não cumpriu a cláusula de barreira, ele pode continuar existindo. É igual a série A, série B do campeonato de futebol. Nem todos são campeões na série A, mas vai poder ter aquela participação, a revelação de novos talentos. Esse partidos podem trazer renovação de talentos. Nós estamos precisando disso para reoxigenar a política que está empobrecida. O debate está ficando empobrecido. Nosso modelo político fracassou.

Foto: bahia.ba
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.ba – Com essa leitura, o senhor não acha que o sistema parlamentarista seria mais adequado para a nossa realidade?

RM – Eu sou a favor. Acho nossa Constituição com viés parlamentarista – o processo do impeachment é um exemplo disso, à medida que entregamos ao parlamento a decisão, pois se tivemos um modelo presidencialista de fato bastaria fazer uma consulta pública e fazer novas eleições. Acho que o sistema parlamentarista seria uma solução, desde que as eleições sejam casadas. Termos orçamento, planejamento e mandatos casados é o fundamento de um novo momento democrático. Vejo muita gente achar que quatro anos é pouco tempo. É da forma que estamos hoje. Você se ajusta em um ano, no outro é eleição, os mandatários estão buscando ampliar a sua base para fechar o orçamento, aí ele segura no terceiro ano e no quarto ele volta. É um ritmo da descontinuidade. Se continuar assim a crise vai ser eterna.

.ba – O senhor tocou num aspecto que eu venho questionando que é com relação às reeleições indefinidas para o Congresso Nacional. Tem político com oito, dez mandatos, fazendo da política uma profissão. O senhor não acha que está na hora de limitar a reeleição?

RM – Eu acho que a gente precisa mesmo fazer essa avaliação. A ideia de fazer renovações frequentes do quadro político é muito importante, embora, pessoalmente, acho que o modelo do Senado tem uma certa sabedoria ao comportar mandato de oito anos. Outro debate que precisamos levantar é a qualidade das representações. É preciso atrair pessoas que agreguem, que engrandeçam as instituições e para isso é necessária a oxigenação, a renovação dos quadros que tem que se dar com a compreensão da sociedade de que aquela pessoa é importante para a instituição. A gente não está fazendo esse debate.

.ba – Como resgatar a imagem do político brasileiro, é possível?

RM – Acho mais fácil resgatar a imagem da política, porque o político carrega os hábitos pessoais que ninguém vai conseguir tirar. Mas se a gente conseguir construir o ambiente ideal em que pessoas possam entrar e não ter esse sentimento de repulsa. A gente precisa repensar a nossa representação.

.ba – Para finalizar, o senhor já ocupou cargos no Executivo e no Legislativo. Politicamente falando, o que é melhor?

RM  –Quem tem maior poder nesse país é prefeito. O prefeito pode acordar pela manhã e, até o final do dia, mudar a vida das pessoas.  A cidade é um corpo vivo. Ela pode sorrir ou fazer cara feia para você. A cidade é viva e cada mexida que você dá nela, você mexe com o humor e a expectativa das pessoas. Eu tive a oportunidade de vivenciar isso e lhe digo que ninguém tem mais poder do que o prefeito de transformar a vida das pessoas, de arrumar a casa. O poder está no município.

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