Justiça revoga mandados coletivos para operações na Cidade de Deus
Decisão responde ao habeas corpus coletivo impetrado pela Defensoria Pública contra as incursões policiais em em quatro localidades da região
O Tribunal de Justiça do Rio revogou a autorização coletiva que concedera à polícia para operações na Cidade de Deus, na zona oeste da capital fluminense. Em resposta a habeas corpus coletivo impetrado pela Defensoria Pública contra as operações em residências de quatro localidades da região, a 5ª Câmara Criminal do TJ-RJ determinou que não sejam mais feitas buscas e apreensões na comunidade sem que estejam amparadas por mandados individuais.
Desde a última segunda-feira (21), aconteciam operações na Cidade de Deus, com base em mandado coletivo, sem prazo determinado. A autorização fora expedida pela juíza Angélica dos Santos Costa a pedido da Polícia Civil. No último sábado (19), um helicóptero caiu durante operações policiais, matando quatro policiais.
No domingo (20), foram descobertos sete corpos de supostos traficantes na mata. Moradores denunciaram que policiais arrombavam moradias indiscriminadamente. Um dos denunciantes foi o rapper MV Bill, morador da comunidade.
“A polícia arrombou três apartamentos no mesmo andar que o meu, no bloco onde também moro na Cidade de Deus. São moradores que conheço e sei que saíram para trabalhar”, escreveu o artista nas redes sociais, que usou a hashtag “combata o crime, mas respeite o morador”.
“Nós não somos delinquentes, não vivemos fora da lei”, reclamou o aposentado Sansão de Lima à Agência Brasil em manifestação contra as ações policiais.
Na decisão que revogou a autorização, a desembargadora Denise Vaccari Machado Paes afirma ter sido informada pelo delegado de polícia Felipe Curi de que a operação que havia motivado o pedido já estava encerrada e que os mandados haviam sido recolhidos. Mas a Defensoria recebeu denúncias de que policiais militares continuavam fazendo as revistas nas casas, usando a decisão.
Os defensores anexaram em seu pedido à Justiça links com imagens publicadas em redes sociais, na imprensa e enviadas pelo aplicativo Defezap. Elas mostram a ação dos PMs que denunciam. “Oficie-se ao Comando da Polícia Militar, dando-lhe ciência de ter sido concluída pela Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro a medida de busca e apreensão deferida judicialmente”, determina a desembargadora.
Os autores da ação integram os núcleos de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh), Contra a Desigualdade Racial (Nucora) e pela Coordenadoria de Defesa Criminal da Defensoria. “Não podemos aderir ao discurso de estado de exceção para admitir medidas que legitimam a suspensão de garantias fundamentais em territórios marginalizados. Os estratos sociais mais vulneráveis, seja pela violência ou pela pobreza, merecem respeito de seus direitos constitucionais. A devassa domiciliar generalizada e indiscriminada, autorizada pelo Judiciário, é medida inconcebível no Estado Democrático de Direito. Fica difícil sustentar que a Constituição é levada a sério para todos e em todo território nacional”, ressalta Daniel Lozoya, defensor do Nudedh.
Polêmica – Antes da decisão da desembargadora, a Delegacia de Combate às Drogas (DCOD) afirmara em nota que algumas das imagens divulgadas pelos moradores da Cidade de Deus “não decorreram da ação da Polícia Civil realizada nesta sexta na região, uma vez que, após consulta em redes sociais, o mesmo vídeo foi localizado em publicação feita no dia anterior em uma página da comunidade”. O texto também defendeu o uso dos mandados.
“No tocante ao arrombamento de algumas casas, a medida foi realizada nos imóveis que, conforme investigação, ficou demonstrada a necessidade da ação. Foi realizada na presença de duas testemunhas, com amparo no mandado de busca e apreensão concedido pelo Poder Judiciário e em previsão legal, tratando-se do estrito cumprimento do dever legal. Foram arrecadados nestas casas fuzil, pistola, grande quantidade de droga, rádios telecomunicadores, balança de precisão, dentre outros objetos ilegais”, afirmou a nota.
O delegado Felipe Curi, na última quarta-feira, afirmou que os arrombamentos são garantidos por lei. Ele disse que os policiais abriam as portas à força sob observação de duas testemunhas, cujos nomes ficam registrados. Prisões e apreensões foram feitas nas residências arrombadas, explicou.
Curi também rebateu as críticas de MV Bill. “É muito fácil criticar a ação da polícia. Se ele quiser, que aponte as casas exatas onde tem marginal, drogas e armas, que a gente vai lá”, provocou o delegado.
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