Sob o regime da opressão, imprensa livre é ameaçada, diz jornalista
Na Turquia, 90% da mídia está sob controle direto ou indireto do governo. Pelo menos 32 jornalistas estão presos (acusados de terrorismo) e 3,5 mil desempregados
O problema migratório, que levou a União Europeia a fechar um acordo com o governo turco, não é único fator que pode dificultar a entrada da Turquia na Comunidade Europeia. Na opinião do jornalista Yavus Baydar, de 59 anos, 35 dos quais dedicados ao jornalismo, a forte tensão da imprensa, permanentemente sob o manto da censura, é um outro obstáculo às pretensões do presidente Recep Tayyip Erdogan, 62 anos, no poder desde 2014 .
Dono de um currículo invejável, Baydar é um dos fundadores do site P24 (Plataforma de Mídia Independente), escritor e colunista de diversos jornais turcos e europeus, ganhador do Prêmio Especial Europeu de Imprensa, compartilhado com o The Guardian (Reino Unido) e o Der Spiegel (Alemanha). Atento observador da política, ele constata que a Turquia vive hoje um regime autoritarista, traduzido pela forte pressão sobre a imprensa, cada vez mais sufocada pelo governo Erdogan. “Vivemos sob a maior ameaça de extinção da nossa história. Nos 160 anos do jornalismo turco, esse é o momento mais crítico que atravessamos”, avalia ele.
Admirador da obra de Jorge Amado, o jornalista turco, que esteve no Brasil para participar de um evento promovido pelo Instituto Fundação Fernando Henrique Cardoso (FFHC), em São Paulo, fez questão de passar por Salvador. Na capital baiana, esteve com a família do escritor (sobre quem vai escrever) e viu de perto alguns aspectos da cultura brasileira descritos na literatura amadiana.
E foi em Salvador que Yavus Baydar falou com exclusividade ao bahia.ba, oportunidade em que traçou um quadro pouco otimista da política do seu país, especialmente no que se refere à liberdade de expressão.
‘Acordo sujo’ entre a UE e a Turquia
fere a Convenção de Genebra
Contrário ao acordo firmado entre a União Europeia (UE) e a Turquia que busca conter o fluxo migratório de refugiados do Oriente Médio para países da Europa central, por entender tratar-se de um ‘acordo sujo’, que fere a Convenção de Genebra, o jornalista Yavus Baydar acredita que, em vez de resolver o problema, o acordo pode agravar a situação, incentivando a imigração de turcos e curdos para países europeus, como a Alemanha, além de permitir a permanência de sírios.
Baydar também defende que a repatriação de fugitivos de países em guerra ou sob regimes repressivos constitui crime previsto na Convenção de Genebra. A Turquia, ele informa, tem 2,5 milhões de asilados, o que tem se tornado um problema social para o país. “As Organizações das Nações Unidas (ONU) condenam o acordo EU/Ancara por entender que a Turquia não é um país seguro para receber refugiados”.
Pelo acordo, a Turquia se comprometeu a receber de volta os migrantes e refugiados ilegais que atravessarem a fronteira, via Grécia. Em troca, a UE garante respeitar a regra de um por um, ou seja, para cada refugiado sírio que retornar à Turquia, um outro que já esteja em acampamentos turcos será acolhido por um dos países da Comunidade Europeia. Com isso, a UE deverá acolher milhares de refugiados sírios.
O principal objetivo do acordo é fechar a chamada rota balcânica, principal via de entrada de refugiados que vêm da Turquia em direção à Europa central, caminho utilizado por mais de 1 milhão de pessoas em 2015.
O acerto também estabelece que a Turquia seja recompensada com verbas adicionais, liberação dos vistos de viagem de seus cidadãos à Europa, até junho, e avanços na retomada das negociações sobre o ingresso da Turquia na UE, que conta com forte resistência de grande parcela da população europeia, e cujo processo se arrasta desde 2005.
Uma das principais exigências do governo turco para selar o pacto foi dobrar para 6 bilhões de euros, algo em torno de R$ 24,2 bilhões, a ajuda destinada a Ancara para administrar gastos com os refugiados. Os primeiros 3 bilhões de euros serão liberados ao longo deste ano e do próximo. Os 50% restantes serão liberados, gradualmente, em 2018, à medida que Ancara comprove os gastos e o resultado dos projetos financiados.
O jornalismo tornou-se uma
profissão de risco na Turquia
Dentro e fora da Comunidade Europeia, o acordo tem sido alvo de severas críticas por ceder demais à Turquia, país que vive uma situação política turbulenta, com forte repressão à midia. O documento inicial do acordo, fechado em março durante a Cúpula de Bruxelas, previa a garantia, por parte do governo turco, de respeito à liberdade de expressão. Mas o texto final do documento não tratou da questão.
Conforme Yavus Baynar, metade do valor que a Turquia vai receber a título de ajuda para lidar com os refugiados deveria ser destinada à Grécia – país por onde pelo menos 85% dos refugiados entraram na Europa em 2015 e que realmente está recebendo os refugiados.
Outro problema apontado pelo jornalista é com relação à migração de curdos e da elite intelectual da Turquia. Segundo estima Yavus Baydar, com a liberação do visto e resguardados pelo direito legal de permanência, cerca de 200 mil curdos desalojados pela guerra devem se mudar para países da União Europeia, causando uma nova onda migratória não prevista.
A situação da imprensa turca é outra preocupação revelada pelo jornalista. Segundo ele, pelo menos 90% dos 46 jornais, 1.200 estações de rádio e 250 de TV, entre nacionais, regionais e locais, estão sob o controle direto ou indireto do governo.
Baydar relata que, sob forte ataque do governo, o jornalismo tornou-se uma profissão de risco na Turquia. O principal jornal ligado à oposição sofreu intervenção estatal. Dos 46 jornais impressos, apenas três independentes continuam resistindo ao cerco imposto pelo governo e conseguem manter a liberdade de expressão. Cerca de 15 mil sites já não podem mais ser acessados.
‘A corrupção de políticos é uma das
razões para o cerco à imprensa’
Pelo menos 3,5 mil jornalistas foram demitidos desde o início dos protestos na Turquia, em julho de 2013, e continuam desempregados. Para Baydar, dificilmente esses profissionais conseguirão uma nova colocação no mercado, cada vez mais estrangulado e controlado pelo pulso de Erdogan.
Baydar explica que, com a Lei de Ofensa ao Presidente, nunca antes utilizada e agora resgatada por Erdogan, pelo menos dois mil cidadãos turcos, entre eles cerca de 500 jornalistas, estão sendo punidos. Os números não são exatos, mas há quem aponte 75 jornalistas presos sob acusação de terrorismo. “Acredito que esse número seja em torno de 32, dos quais 25 jornalistas curdos”.
Por terem assinado declaração em favor da retomada das negociações do governo com os curdos, cerca de 1.200 acadêmicos de 70 instituições universitárias foram enquadrados na lei. Também foram abertos inquéritos sob alegação de terrorismo, assinala o jornalista, acrescentando que já foram registradas quatro condenações.
Ele também prevê que, com o endurecimento da pressão política do governo sobre jornalistas, acadêmicos e intelectuais em geral, haverá um êxodo cultural. Yavus Baydar ressalta a sua preocupação em ver o país esvaziado da sua elite intelectual que já pensa em deixar a Turquia.
Toda essa perseguição à imprensa seria motivada, segundo o jornalista, para evitar denúncias e investigações contra integrantes do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), criado por Erdogan em 2001, suspeitos de envolvimento com a máfia turca que pratica tráfico de imigrantes e comércio de órgãos, entre outras atividades ilegais. “A corrupção de políticos do AKP é uma das principais razões para o presidente apertar cada vez mais o cerco contra a imprensa”, diz Baydar.
O jornalista relata que a população turca demonstra apatia diante desse cenário de repressão e insegurança. Segundo ele, apesar do ambiente adverso, o presidente Recep Tayyip Erdogan conta com o apoio popular. Yavus Baydar prevê que, caso a situação não se reverta, está decretado o fim da imprensa livre em seu país. Também aposta que a realidade atual pode dificultar ainda mais o processo de ingresso da Turquia na Comunidade Europeia.
Intérprete: Gustav Lenz
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