Impeachment é processo político, não judicial, diz professor
Professor de Direito Constitucional da Ufba, Carlos Rátis, explica que o processo político respeita todos os preceitos legais e não pode ser considerado golpe
A ideia que a presidente Dilma Rousseff (PT) e aliados tentam passar à população de que o processo de impeachment que tramita na Câmara dos Deputados seria político e não jurídico está completamente correta, segundo avalia o advogado Carlos Eduardo Rátis, professor de Direito Constitucional das universidades Federal da Bahia (Ufba) e Estadual de Feira de Santana (Uefs).
Conforme explica, qualquer ação de impedimento é um instrumento político, analisado pelo Legislativo, não pelo Supremo Tribunal Federal (STF), instância à qual está submetido o chefe do Executivo por ter foro privilegiado.
Já o discurso de que o processo é um “golpe constitucional”, como tem sido defendido pelas forças aliadas à petista, não corresponde à verdade. De acordo com o professor Rátis, se o processo político ocorre respeitando todos os preceitos legais, não pode ser considerado um golpe. “A natureza é política, mas o procedimento é feito dentro da legalidade. Seria golpe se isso não fosse respeitado, o que não ocorre nesse caso específico”, afirmou.
O professor explica que a decisão sobre o afastamento ou não da presidente Dilma Rousseff vai caber ao Senado. A responsabilidade da Câmara é de apenas promover a investigação para verificar se os indícios apontados no pedido de impeachment, que só pode ser feito por um cidadão, procedem ou não.
Carlos Rátis assinala que “golpe é premeditar o resultado”. A decisão, mesmo que seja pelo afastamento, será adotada pelo Senado e há a chance de ser contrária e até de extinção do processo, mesmo que a Câmara entenda que há crime.
Segundo informa o professor de Direito Constitucional, embora tenha ganhado visibilidade e gerado uma grande polêmica, esse não é o primeiro pedido de afastamento contra a presidente. No primeiro mandato, a Câmara recebeu 14 pedidos. No segundo mandato, somente em 2015, foram 34.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sofreu 25 pedidos no primeiro mandato e nove no segundo. Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando comandou o país pela primeira vez, foi alvo de um pedido de impeachment e de 16 no seu segundo mandato. Antes de renunciar, Fernando Collor de Mello foi alvo de 29 solicitações e mesmo o seu sucessor, Itamar Franco, recebeu quatro, o que mostra que os requerimentos de impeachment contra presidentes não são novidade.
O professor diz ainda que a grande polêmica que se formou em torno da ação mais recente que tramita na Câmara Federal, que tem como base as manobras financeiras utilizadas pelo governo para mascarar o déficit orçamentário, que passaram a ser conhecidas como “pedaladas fiscais”, reside na denominação utilizada. Como explica Rátis, “as tais ‘pedaladas fiscais’ se caracterizam como infração de natureza político-administrativa, que serão submetidas ao juízo do Congresso Nacional. Mas a infração também é passível de punição com a perda do mandato”.
O que é o impeachment – Em uma análise bem didática do processo de impeachment, o professor Márcio André Lopes Cavalcante explica que a palavra, de origem inglesa, significa “impedimento” ou “impugnação” e juridicamente tem dois significados: “nome dado ao processo instaurado para apurar se o presidente da República, governador ou prefeito e outras autoridades praticaram crime de responsabilidade”. O outro é como são chamadas “as sanções (punições) aplicadas ao governante que foi condenado por crime de responsabilidade”.
Explica ainda que o presidente da República que é condenado por crime de responsabilidade sofre como sanções a perda do cargo (denominada impeachment) e a inabilitação para o exercício de funções públicas pelo prazo de oito anos.
Qualquer cidadão no gozo de seus direitos políticos pode pedir o afastamento de um chefe do Executivo, conforme prevê a Lei 1.079/50. Para tanto, basta apresentar o pedido (chamado pela lei de denúncia), por escrito, na Câmara dos Deputados, com a demonstração de que o titular do cargo praticou crime de responsabilidade.
Previsto no artigo 85 da Constituição Federal, são crime de responsabilidade os atos do presidente que atentam contra a Constituição Federal, contra a existência da União, o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e dos poderes constitucionais das unidades da Federação, do exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, da segurança interna do país, da probidade na administração, da lei orçamentária e do cumprimento das leis e decisões judiciais.
O impeachment de Dilma – O pedido formulado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal foi fundamentado nos seis decretos assinados pela presidente Dilma Rousseff, em 2015, com a abertura de créditos suplementares em desacordo com lei orçamentária, o que configuraria crimes de responsabilidade previstos na Lei 1.079/50, já que os decretos desrespeitavam a lei orçamentária (item 4 do artigo 10 da lei) e representaram abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado, sem fundamento na lei orçamentária ou na autorização de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal (item 6 do mesmo artigo da lei).
Outro fundamento utilizado pelos três juristas foi o fato de a prática das “pedaladas fiscais” ter sido reiterada.
Após receber a denúncia, o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB), determinou sua leitura em sessão plenária e a formação, por eleição, de uma comissão especial para analisar o pedido, conforme previsto no artigo 19 da Lei 1079/50. Formada por 65 titulares e mesmo número de suplentes, foram eleitos seus integrantes. Conforme acordo, foi formada uma chapa única, questionada pela oposição, sob a alegação de que só contemplaria os parlamentares ligados ao governo. Após alguma confusão, foi lançada uma chapa avulsa com outros integrantes.
O PCdoB ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para pedir o reconhecimento da legitimidade constitucional de dispositivos e interpretações da Lei 1079/50, instrumento que estabeleceu a regulamentação do andamento do pedido de impeachment contra a presidente da República Dilma Rousseff.
Para que o pedido seja encaminhado ao Senado, instância que decidirá o destino político da presidente Dilma Rousseff, é necessário o voto favorável de, no mínimo, dois terços da Câmara Federal, ou seja, que 342 deputados federais aprovem o parecer do relator. No Senado, o pedido precisa contar com a aprovação da maioria relativa da maioria absoluta, o que representa 22 votos favoráveis. “Os 342 votos da Câmara equivalem a 22 do Senado para o processo de impeachment ser admitido, quando a presidente ficará imediatamente suspensa de suas atividades por um prazo de 180 dias. No entanto, para que Dilma seja condenada, são necessários que 54 senadores votem favoráveis ao impeachment”, explica Rátis.
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