Publicado em 20/01/2016 às 11h21.

O Oscar, o racismo e a política de cotas

A meritocracia, o princípio pelo qual devem prevalecer os méritos do indivíduo, seria muito linda se as oportunidades fossem iguais. E não são.

Levi Vasconcelos

Pródigas como são na criatividade para ironizar situações do cotidiano, as redes sociais no Brasil já deram a sua contribuição para solucionar a questão da ausência de negros, pelo segundo ano consecutivo, na disputa do Oscar, e a consequente enxurrada de protestos: criar cotas. “A experiência brasileira no setor é bem sucedida”, dizem.

Ironias? Nem tanto. O racismo implícito e explícito na sociedade brasileira, graças à briga persistente dos movimentos negros, desconstruiu o mito que perdurou no Brasil por mais de um século de que, com a abolição da escravidão, todos são iguais.

A chamada democracia racial rolou ribanceira abaixo. Ora, se no Brasil o racismo ainda é explícito (infelizmente), nos EUA, até pouquíssimo tempo, ele era tão ostensivo que servia de matriz para a existência de movimentos como as famigeradas Ku Klux Klan, ou KKK, organizações que pregavam sem meias palavras a supremacia branca (e do protestantismo) sobre outras religiões.

Ricos e pobres, o xis da questão – O sociólogo Danilo França, que pesquisa a segregação racial em São Paulo, diz que para além das definições raciais preconizadas pelo IBGE, em que cada indivíduo declara a sua cor, é possível pensar a segregação racial como um diferencial seletivo de acesso a recursos, mercado de trabalho (público e privado), equipamentos culturais e ao consumo.

Óbvio que em países como os EUA e a África do Sul a segregação racial, mais que ostensiva, era legalizada. No Brasil, mais herança cultural, nem por isso menos visível. Mesmo Salvador, tida como a cidade mais negra do Brasil, ainda figura em quinto lugar entre as capitais mais segregadoras do Brasil, segundo um ranking montado pelo IBGE.

Se assim o é, o negro habitando predominantemente os locais mais pobres, lógico que as probabilidades de mobilidade social dele são menores, pela elementar constatação de que as oportunidades para ricos e pobres seguramente não são iguais.

Meritocracia, o sonho distante – Por aí, a política de cotas se justifica como instrumento de reajuste. A questão da raça, a nosso ver, está diretamente ligada à questão da ocupação dos espaços conforme as condições econômicas. Áreas mais ricas, brancos com predominância plena. Áreas mais pobres, o inverso.

A meritocracia, o princípio pelo qual devem prevalecer os méritos do indivíduo, fundamento dos argumentos dos anticotistas, seria muito linda se as oportunidades fossem iguais. E não são.

O Oscar está nesse pacote, o da prevalência do brancão ricão. Cotas nele, até que a humanidade se ajuste, se não pelo lado econômico, pelo menos pela questão da moral pessoal. Os EUA adotariam? Provavelmente não. A riqueza deles também se associa a arrogância.

Estamos longe de ver prevalecer o mérito, infelizmente. Daqui a algumas gerações, talvez. Quando o homem entender que somos todos iguais. Já viu o tamanho da distância?

Levi Vasconcelos

Levi Vasconcelos é jornalista político, diretor de jornalismo do Bahia.ba e colunista de A Tarde.

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