Publicado em 30/01/2017 às 12h51.

Embolou: crise congestiona baleiros em ônibus da cidade

Segundo os próprios ambulantes, as regiões mais disputadas são os entornos do Iguatemi (Shopping da Bahia) e da Estação da Lapa

James Martins
Foto: Mateus Soares / bahia.ba
Foto: Mateus Soares / bahia.ba

 

Alto índice de desemprego em Salvador não é nenhuma novidade. Ao contrário, comumente a capital baiana conquista o inglório posto de “Capital Nacional do Desemprego”, título que passou, no último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de novembro de 2016, à vizinha Aracaju (SE).

No entanto, não ser mais a campeã não significa que o número de desempregados não seja alarmante. Nem mesmo que o número de vagas de trabalho tenha aumentado. Tanto que, no mesmo período, Salvador teve uma queda na quantidade de pessoas ocupadas em cerca de 5 mil. Segundo o próprio IBGE, o que pode ter acontecido é que um número maior de pessoas sem ocupação desistiu de procurar emprego no período, derrubando um pouco a taxa: de 17,6% para 17%.

Mas, o que têm feito essas pessoas que, sem arranjar novas vagas, tampouco saíram para procurar emprego? Bom, ao menos parte delas optou pelo trabalho informal. E, dessas, uma grande quantidade está vendendo nos ônibus e pontos de ônibus gerando na cidade um verdadeiro congestionamento de baleiros, vendedores de picolés, água e afins. “Um dia desses eu tava no buzu e entraram três de uma vez só. Chega eles mesmos ficaram sem graça, um esperando o outro parar de vender pra poder começar”, afirma Deise Carmo, secretária.

A situação não é incomum e já virou resenha entre os próprios vendedores, chegando a gerar espontaneamente um código de ética. Quem explica é Vitor, 22 anos, vendedor de água há cinco meses. “Se já tem um vendedor, você não entra. Só se for de outro produto. Aí pode entrar, mas fica caladinho, esperando o outro terminar, senão embola”, diz. Morador da Vasco da Gama, ele nunca trabalhou de carteira assinada. “Eu queria, mas tá difícil. E aí, vou fazer o quê, roubar? Aqui pelo menos dá pra comprar um pão, umas coisinhas pra casa, já ajuda”, explica ele, que não sabe calcular precisamente sua jornada de trabalho.

Vítor tem 22 anos e é morador da Vasco da Gama (Foto: Mateus Soares / bahia.ba).
Vítor tem 22 anos e é morador da Vasco da Gama (Foto: Mateus Soares / bahia.ba).

 

“Tem gente que não respeita, vê a gente com picolé e vem com picolé também, vender no mesmo ônibus, furar o olho. Dá raiva!”, reclama um ambulante, no ponto do Teresa de Lisieux (Pituba). E outro secunda: “Na moral, se for comigo eu quebro o isopor. Na moral mesmo, é sacanagem, rapaz”. Menos iracundo, Luís é pintor de paredes além de vendedor de picolé, e garante que há espaço para todos. “Nem faz sentido entrar no buzu onde o outro já está, porque ele já vendeu o que tinha que vender. Azar é quando a gente não sabe, não vê. Ou quando entra logo depois do colega ter descido. Mas, Deus dá um jeito a tudo”.

No entanto, a disputa por espaço é visível, sobretudo em alguns pontos, como na região do Iguatemi (Shopping da Bahia) e na Estação da Lapa. “Eu já vi eles discutindo para ver quem vai entrar primeiro”, garante Mateus de Lima, rodoviário. A culpa, evidentemente, não é do senso de competitividade dos trabalhadores, mas do aumento repentino da concorrência, devido ao desemprego e à crise. “Aumentou não, triplicou!”, diz aquele mesmo Luís do picolé, questionado sobre o crescimento do número de vendedores no último ano.

Taís tem emprego de carteira assinada, mas precisa completar a renda (Foto: Mateus Soares / bahia.ba).
Taís tem emprego de carteira assinada, mas precisa completar a renda (Foto: Mateus Soares / bahia.ba).

 

E nem só desempregados aderem ao mercado informal. Taís, 25 anos, é supervisora de vendas registrada em carteira, está empregada, mas complementa a renda vendendo água, trufas e Mary Kay (este último não em ônibus). “A coisa está difícil. Há mais ou menos um ano eu tenho sentido a crise me afetar e o jeito é sair para vender mesmo”, diz. E ressalta que a concorrência é de fato grande: “Sim, tem muita gente no mesmo barco. Aqui mesmo [região do Iguatemi] é cheio”. Em um só ônibus da linha Pituba/Pernambués, da Rodoviária até o ponto do Todo Dia da Rua Thomaz Gonzaga, sete vendedores se revezam. Os produtos variam de doces e salgadinhos a cartão de memória para celular. “Outra coisa que tá na moda agora em buzu é sebo de carneiro, sabe o que é? Tipo um doutorzinho”, diz Júlia Sá, estudante, passageira.

Um dos que aderiram ao baleirismo nos últimos meses foi Rodrigo, de 22 anos, que vende salgadinhos da Elma Chips e também picolé. Além da variedade dos produtos, ele aposta em outro diferencial: o jeito de anunciá-los. Rodrigo merca rimando, como uma espécie de repentista urbano. De onde veio a ideia? “Eu mesmo que inventei, do nada, fui rimando e saiu. Mas isso é o lance de agora, depois invento outra coisa”. Jovem, simpático e cheio de sonhos, ele diz que já trabalhou de “várias coisas, mas nunca de carteira assinada”. E conclui, antes de correr para o próximo veículo: “Eu quero ser é o novo Silvio Santos. Ele também foi ambulante, igual a mim. Acho que, na época, se ele dissesse que chegaria onde chegou, todo mundo ia duvidar também, não é não? Eu tenho que sonhar, que é de graça”. E desce sorrindo, que a labuta é dura mas não pede amargura.

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