Publicado em 17/12/2015 às 06h00.

Jovens negros: câmera na mão e suas vidas defendidas nas telas

Grupo de dez jovens do Subúrbio Ferroviário de Salvador lançam documentário sobre violência e segurança pública, nesta sexta (18), em Plataforma

Juliana Dias
Jovens e equipe envolvida na produção do documentário "Não Somos + Um" Foto: Divulgação
Jovens e equipe envolvida na produção do documentário “Não Somos + Um” Foto: Divulgação

 

Na contramão das mortes sistemáticas da juventude negra no Brasil, um grupo de dez jovens do Subúrbio Ferroviário de Salvador decidiram não apenas denunciar o genocídio, mas também mostrar para a sociedade que os seus corpos negros não são só mais um na crescente taxa de homicídios do país e do estado – em 2014, a Bahia teve 5.450 mortes, destas cerca de 83,3% são jovens, negros e moradores de periferias, segundo levantamento do Diagnóstico dos Homicídios do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública.

A carga pesada de dores e revolta que os rapazes e moças carregam com a banalização da violência contra eles é um dos pilares do documentário “Não Somos + Um”, que será lançado nesta sexta-feira (18 de dezembro), às 18h, na Praça São Braz, em Plataforma, e contará com apresentações de música, teatro e poesias de grupos do Subúrbio e de outras periferias de Salvador.

Em três meses, eles reuniram, em aproximadamente 15 minutos, depoimentos e relatos de jovens lideranças das periferias soteropolitanas, intercalados por falas de representantes governamentais, como a da ouvidora-geral da Defensoria Pública do Estado, Vilma Reis, e de artistas conhecidos do público baiano, como o cantor Marcio Vitor e o ator do Bando de Teatro Olodum, Fábio Santana.

Makin of do documentário Não Somos + Um. Foto: Divulgação
Makin of do documentário Não Somos + Um. Foto: Divulgação

 

O documentário aborda o rastro de violências e vulnerabilidades que colocam o jovem negro como inimigo da sociedade e, a juventude negra em geral, como seres humanos invisíveis para o exercício digno de sua cidadania. “Não somos só mais um que morre. É isso que o nosso documentário denuncia e revela, que apesar de tudo, ainda continuamos vivos e querendo fazer a diferença”, conta a jovem moradora de Plataforma, Neusinéia Maciel Miranda.

Ela, que é estudante de comunicação da Ufba, é uma das mentes por trás da concepção e produção do registro audiovisual. Sua participação no documentário transcende as áreas de edição, direção e produção. Ela é uma irmã órfã; seu irmão mais velho de 24 anos morreu em 2013, vítima da violência policial, para não citar a perda de outros amigos, jovens, negros e pobres, também privados da vida que ela acompanhou ao longo dos seus 22 anos.

Cantor Márcio Victor é um dos artistas que participam do documentário

Monitoramento – A denúncia histórica contra o assassinato em série de jovens é uma pauta que, somente nos últimos cinco anos, ganhou a atenção do governo federal e suscitou a criação de políticas públicas voltadas para a redução da vulnerabilidade de jovens negros a situações de violência física e simbólica, tais como o plano e o projeto, Juventude Viva e Pacto Pela Vida, respectivamente. A partir do princípio de que são eles o público-alvo das duas políticas, o filme “Não Somos + Um” também se apresenta como o resultado final do monitoramento das ações do governo federal, realizado por meio do projeto Juventude Negra e Participação Política da Ong Cipó Comunicação Interativa.

“Esse é o nosso primeiro produto que trata do tema de uma forma mais complexa e tem justamente esse objetivo de revelar uma diversidade de vozes e complexidades sobre o genocídio da juventude negra”, conta Leandro Vilas Verde, coordenador da Agência de Comunicação do Subúrbio – Centro Comunitário Multimídia da Cipó. Ele conta que a decisão de abordar o tema em um registro audiovisual partiu exclusivamente dos jovens do projeto e dos educadores, referências da ONG, que apenas acompanharam e auxiliaram os idealizadores nos caminhos a serem percorridos durante a produção do documentário.

“Nosso trabalho foi o de possibilitar que esses jovens reflitam sobre os problemas que os rodeiam, dando a eles autonomia para isso. E, consequentemente, que eles possibilitassem que outros jovens também tenham acesso às discussões que eles tiveram, quebrando justamente a lógica atrelada às estatísticas e violências”, explica Eduardo Machado, jornalista e educador referência no projeto.

Cena do filme O Tempo e os Orixás. Foto: Divulgação
Cena do filme O Tempo e os Orixás. Foto: Divulgação

 

Lançamentos simultâneos – Após a exibição do documentário, o público pode conferir também o lançamento do livro Juventudes Negras: Trajetórias e Lutas, produto fruto do projeto Rodas de Conversas Sobre Juventudes Negras: Identidade, Desenvolvimento e Genocídio, uma ação do Observatório de Juventudes Negras, promovido pela Articulação Política de Juventudes Negras e a Associação Frida Kahlo, e contará com a participação do militante, filósofo e organizador da obra Samoury Mugabe, Ferreira Barbosa.

Outra projeção prevista para a noite desta sexta (18) é o lançamento, em Salvador, do filme O Tempo dos Orixás (The Summer of Gods), da cineasta baiana Eliciana Nascimento. O curta de gênero fantasia mostra a experiência de Lili, uma menina de 7 anos, que tem a habilidade de se comunicar com os ancestrais. O filme teve lançamento internacional no Festival de Cannes, em 2014, e desde então tem sido exibido em várias partes do mundo e já recebeu cinco premiações em festivais de cinema nos Estados Unidos e Cabo Verde, dentre estas, três de melhor filme.

 

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