Publicado em 27/10/2016 às 17h43.

Ilê não fará cortejo de aniversário: ‘racismo institucional’, diz Vovô

Presidente da Liga dos Blocos Afro, Alberto Pitta acusa descaso: "O Ilê, com 42 anos de história, não comemorar o aniversário por falta de verba é o maior exemplo disso"

Clara Rellstab
Foto: Alberto Coutinho / GOVBA
Foto: Alberto Coutinho / GOVBA

 

Em 42 anos de história, pela primeira vez o bloco Ilê Aiyé não celebrará o seu tradicional cortejo de aniversário no dia 1º de novembro. O motivo? Falta de recursos. Em entrevista ao bahia.ba, Antonio Carlos dos Santos, o “Vovô do Ilê”, lamentou a situação.

“A situação dos blocos afro está difícil. O Ilê é um dos poucos que conseguem vender fantasia no carnaval”, comentou. Este ano, o grupo fará apenas um ensaio, na Senzala do Barro Preto, no Curuzu, com ingressos que variam entre R$ 30 e R$ 100. Com nomes como Carlinhos Brown, João Bosco e Leci Brandão nas edições anteriores, desta vez, os tradicionais artistas convidados estão fora de cogitação. “Estamos sem parceiros. Convidados de fora? Sem condições. Até os daqui da Bahia estão difíceis de arrumar por conta da agenda”, contou.

E o problema não se deu por falta de procura pelo incentivo. Segundo Vovô, o Ilê solicitou verba à Bahiatursa, mas não obteve retorno. Contatado pela reportagem, o diretor-superintendente órgão, Diogo Medrado, confirmou a solicitação e a desculpa para a falta de apoio foi a mesma: não há verba. “Conversei com o setor comercial do Ilê há uns quatro meses mas, infelizmente, não consegui o orçamento para fazer o evento”, explicou o gestor, ao acrescentar que os cachês dos artistas contratados para o Carnaval e o São João ainda não foram quitados. “Assim que vi a notícia nos jornais, liguei para lá [Ilê] e agendei uma reunião para a semana que vem para tentar reverter a situação”, acrescentou.

Comum no apoio aos carnavais e a artistas da Bahia, as cervejarias hesitam em patrocinar as entidades de matriz africana. Decisão que Vovô acredita ser contraditória e decorrente de discriminação. “É um racismo institucional. Difícil explicar, porque quem consome cerveja mesmo é a ‘negada’. Você chega em qualquer periferia no final de semana e não vê ninguém bebendo whisky, né? É cerveja. Mas só sertanejo e artista branco tem espaço”, condenou.

Sobre o assunto, Alberto Pitta, presidente da Liga dos Blocos Afro da Bahia, foi categórico: “é tudo que a imprensa já noticiou e já sabe. Falta de apoio e de prestígio dos Blocos Afro na Bahia”. O artista plástico, que comanda o Cortejo Afro, ressaltou que, por sua história, o episódio do Ilê ilustra bem o descaso. “O Ilê, a essa altura, com 42 anos de história, não comemorar o aniversário por falta de verba é o maior exemplo disso”, apontou.

Vale ressaltar que a crise acontece no ano em que o Ilê foi vencedor da “27ª edição do Prêmio da Música Brasileira”, na categoria de melhor grupo regional, com o CD e DVD “Bonito de se ver”. “Nós somos muito pacatos, não fazemos manifestação. Acaba que fica por conta de nós, negros, fazer a nossa parte. A negrada tem que chegar, comprar camisa, ingresso, CD”, apela Vovô.

Mais notícias

Este site armazena cookies para coletar informações e melhorar sua experiência de navegação. Gerencie seus cookies ou consulte nossa política.