Publicado em 05/12/2017 às 10h04.

‘Samba-reggae nasceu no Muzenza, não no Olodum’, diz Carlinhos Brown

O cantor e compositor, um dos principais inventores da música baiana moderna, conta sua versão da história do ritmo que revolucionou o Carnaval de Salvador

James Martins
Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

 

Dentre os inúmeros ritmos que compõem a mistura resultante na música baiana moderna, ou o que nos acostumamos a chamar de Axé Music, um nome certamente tem indiscutível destaque: o samba-reggae. No Carnaval de 1987, o Olodum desfilou com a música que viria a ser considerada o hino do gênero: “Faraó – Divindade do Egito”, de Luciano Gomes. Desde então o bloco do Pelourinho é conhecido como o berço do samba-reggae, criação do genial maestro Neguinho do Samba.

Porém, de acordo com Carlinhos Brown, outro mestre-inventor da música baiana, o samba-reggae não nasceu no Olodum, mas no Muzenza, bloco nômade surgido também no bairro da Liberdade, que já tinha gerado o Ilê Aiyê. “Virgílio gravou a primeira música que se chamava samba-reggae. Você sabe que o samba-reggae não nasce no Olodum, nasce no Muzenza. E nasce com o mesmo compositor que fez ‘o negro segura a cabeça com a mão e chora…’, Sérgio Participação, que era filho de Mestre Prego”, afirma, em entrevista ao bahia.ba.

Brown explica: “Quando eu gravei ‘Yayá Maravilha’, com Virgílio, eu cismei que a percussão tinha que ser em [compasso de] três, por causa de ‘Extra’, de Gilberto Gil, que era ternária. E não cabia em três. Aí, conversando com Sérgio Participação, eu disse que vinha do samba-mambo, por causa de meu mestre [Pintado do Bongô], e ele então falou: ‘Mas tem uma mistura boa que tá rolando aí, o samba-reggae’. E eu: ‘Pô, o nome é maravilhoso!’”.

Com o estouro de “Yayá Maravilha”, explica o compositor, ele e Sérgio Participação decidiram desenvolver aquela experiência: “E aí, nessa brincadeira eu disse: ‘Tá, tudo bem, não vamos brigar por isso não, vamos fazer uma música samba-reggae’. E fiz ‘Embalo de Balar’, com Participação. [canta] ‘Preta, domingo vai ser bom / Preta, vou te levar no som / Zen, Caribe, Carnaval, essência no total / Preta, Odé, Guinné-Bissau / Preta, perfume atual, bem tirado com amor / E nesse embalo eu vou… / Nesse embalo de balar / Nesse te embalar / samba-reggae, escorregue nesse reggae’”.

E aí, continua Brown, Sérgio Participação, conhecido por seu temperamento estourado (“Ele tomava bomba mesmo, o anabolizante. E, se o pessoal brigasse no ensaio, ele descia e quebrava todo mundo no pau”), levou a expressão samba-reggae para o Muzenza, onde o ritmo germinou e frutificou. “E o Muzenza passou a dizer ‘eu faço samba-reggae’. O Olodum, em seguida, também passou a dizer. Mas Neguinho do Samba, que era um gênio, claro, não chamava de samba-reggae, chamava de merengue mesmo”, explica.

E no refrão de “Embalo de Balar”, além da expressão ‘samba-reggae’, Carlinhos Brown escuta ainda outro som profético: “Já tinha ‘te embalar’! A sonoridade da Timbalada tá embutida aí, e eu nem sabia que isso iria despertar… até o reencontro com o timbau e com a ideia de fazer um projeto social a partir do timbau. Porque tudo o que nós estávamos fazendo era uma proteção para a música brasileira”, diz.

Ele aproveita o assunto para falar de outro reggae de sua autoria, “Visão do Cíclope” (esta em parceria com Luiz Caldas e Jeferson Robson), um dos primeiros gravados em Salvador. “Essa música é um manifesto. Eu digo que é um manifesto, mais até do que uma canção. Essa música nós fizemos no tempo em que não se podia ser rasta, que o pessoal queria cortar o cabelo de Marcionílio, lembra?”, conclui.

Mais notícias

Este site armazena cookies para coletar informações e melhorar sua experiência de navegação. Gerencie seus cookies ou consulte nossa política.