Publicado em 10/05/2017 às 20h05.

Justiça divulga íntegra do depoimento de Lula a Sergio Moro; confira

Ex-mandatário usou estratégia de responder aos questionamentos de forma sucinta, minimizar o triplex e atribuir detalhes à falecida esposa, Marisa Letícia

Clara Rellstab
Foto: Reprodução/Youtube
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A Justiça divulgou, na noite desta quarta-feira (10), a íntegra do depoimento que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concedeu ao juiz Sérgio Moro em Curitiba. O encontro foi dividido em 10 vídeos, que demonstram o ex-mandatário com uma estratégia de responder aos questionamentos de forma sucinta, minimizar o empreendimento do Guarujá e atribuir os detalhes sobre as negociações do imóvel à sua falecida esposa, Marisa Letícia. (Confira os vídeos nos links: parte 1, parte 2, parte 3, parte 4, parte 5, parte 6, parte 7, parte 8, parte 9 e parte 10).

Logo no início do encontro, o magistrado declara que “da parte dele, não há qualquer desavença pessoal em relação ao presidente”. “O que vai determinar o resultado desse processo são as provas que vão ser selecionadas e a lei. Quem faz a acusação nesse processo é o Ministério Público, não o juiz”, declarou Moro. Ele também fala que os boatos de que haveria a possibilidade de ser decretada a prisão de Lula na ocasião não eram verdadeiros. “Eu já tinha consciência disso”, respondeu o ex-presidente.

Moro continua a conduzir o depoimento, que foi dividido em duas partes. A primeira delas, sobre o conhecimento e participação de Lula no esquema de corrupção que “vitimou a Petrobras”, com a repartição de propinas entre diretores da companhia e políticos. Já a segunda, referente à denúncia de que o petista teria sido beneficiado pelo grupo OAS com vantagem de cerca de R$ 2,4 milhões, no repasse de um apartamento triplex, com direito a realização de reformas. Segundo a acusação, Lula teria pago o valor equivalente a uma unidade simples, mas teria sido destinado a ele um apartamento de três andares, sem que ele arcasse com a diferença – a vantagem estaria relacionada a acertos de cooperação em contratos públicos, inclusive da OAS com a Petrobras.

“Nunca tive a intenção de adquirir o triplex”, disse o petista. Em outro momento do interrogatório, ele reafirmou: “Eu não solicitei, não recebi, não paguei nenhum triplex. Não tenho”. Lula confirmou que visitou o imóvel, porque a OAS pretendia vendê-lo para a sua família, mas disse que não orientou nenhuma obra. “O que eu sei é que, no dia que eu fui, houve muitos defeitos mostrados no prédio, defeitos de escada, defeitos de cozinha”. O ex-presidente atribuiu a não compra ao fato de que “dona Marisa Letícia não gostava de praia”. E segundo ele, mesmo que ele gostasse, como pessoa pública, “só poderia frequentar a praia em Dia de Finados na chuva”.

Lula pediu ainda que Moro parasse de falar sobre a companheira. “É muito difícil para mim toda hora que o senhor cita minha mulher sem ela poder estar aqui para se defender”, pontuou. O juiz se defendeu, ao afirmar que não acusou a ex-primeira-dama de coisa alguma. “Eu sei que não, mas o senhor pergunta coisa, se eu vi, se eu não vi. É uma pena… E uma das causas que ela morreu foi a pressão que sofreu”, respondeu o ex-presidente.

Irritação ao falar de Vaccari – O ex-presidente Lula se irritou ao ser seguidamente questionado pela Procuradoria se havia perguntado a João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, se ele tinha recebido vantagens indevidas em nome do partido, conforme relataram delatores. De início, disse que não conversava de finanças do PT porque não integrava a direção do partido.

Ao ser insistentemente questionado por Moro se havia perguntado diretamente a Vaccari sobre o assunto, respondeu: “Para acabar com a nossa polêmica aqui, vamos dizer. Eu perguntei e ele disse que não. […] Tá bem assim? Porque você precisava de qualquer jeito uma resposta e então eu estou dando a resposta. Ia ficar nesse trocadilho entre o procurador e um ex-presidente, então eu quero resolver isso”.

Petrobras – Quando o assunto Petrobras veio à tona, Lula disse que, se tivesse conhecimento, nenhuma das empreiteiras envolvidas prestaria serviço à estatal e reforçou que não sabia de nada: “Quem monta cartel para roubar não conta para ninguém. O presidente da República não participa do processo de licitação da Petrobras, não participa de tomada de Petrobras. É um problema interno da Petrobras.”

O juiz insistiu em perguntas sobre o grau de conhecimento do petista sobre irregularidades cometidas por ex-diretores da petrolífera e Lula disse que nem ele, nem Moro, nem o Ministério Público, nem a Petrobras, nem a imprensa, nem a Polícia Federal sabiam de nada. “Todos nós só ficamos sabendo quando foi pega no grampo a conversa do Youssef com o Paulo Roberto Costa”, declarou. “O senhor soltou Youssef e mandou grampear Deve saber mais do que eu”, completou. Moro então questionou a responsabilidade do ex-presidente, como chefe do Poder Executivo, sobre as nomeações.

Ataque à imprensa – Em seu depoimento a Moro, Lula criticou a cobertura da imprensa sobre todo o processo da Lava Jato em relação a ele. “De março de 2014 para cá são 25 capas da ‘Isto É’. A ‘Veja’ tem 19 capas. E a ‘Época’ 11 capas. Demonizando o Lula”, disse.

Ele continuou, ao enumerar as publicações sobre o assunto que foram publicadas durante a investigação: “Nesse mesmo período, a Folha de S. Paulo teve 298 matérias contra o Lula e apenas 40 favoráveis, tudo com informações da PF e MP. Eles não se autoassumem, eles culpam alguém. ‘O Globo’, que é o mais amigo [sendo irônico], tem 530 matérias negativas contra o Lula e oito favoráveis. O ‘Estadão’, que é mais amigo ainda, tem 318 matérias contrárias e duas favoráveis. Aliás, esses jornais parecem que têm mais informações do que alguns advogados”.

“Só o Jornal Nacional passou 18 horas falando. Sabe o que significa 18 horas falando mal de um cidadão? Significa 12 partidas de futebol entre Barcelona e Real Madrid”, debochou.

Candidatura em 2018 – Lula aproveitou a ocasião para anunciar a sua candidatura à Presidência da República em 2018. Ao ser questionado pelo juiz se ele lembrava de ter dito aos agentes da Polícia Federal que o levaram coercitivamente para depor, em março do ano passado, que seria eleito no próximo pleito, ele respondeu que não, mas poderia dizer agora. “Ali eu estava encerrando a minha carreira política. Mas agora, depois de tudo o que está acontecendo, estou dizendo em alto e bom som que vou quer ser candidato em 2018”, anunciou.

Fim do depoimento – Após manter um debate pacífico durante a maior parte do depoimento, ao final da sessão, Lula alfinetou algumas decisões tomadas por Moro, como a condução coercitiva e o vazamento de gravações da sua falecida mulher. “O senhor sem querer, talvez, entrou nesse processo. Porque o vazamento de conversas da minha mulher e com meus filhos foi o senhor que autorizou. Eu não tinha o direito de ter a minha casa molestada sem que eu fosse intimidado para uma audiência, doutor. Ninguém nunca me convidou”, criticou.

Antes de encerrar a sua participação, o petista aproveitou a situação para “alertar” o magistrado: “Eu queria lhe avisar uma coisa: esses mesmos que me atacam hoje, se tiverem sinais de que eu serei absolvido, prepare-se, porque os ataques ao senhor vão ser muito mais fortes”. Moro respondeu que já é atacado por muita gente, inclusive por blogs que supostamente patrocinam o ex-presidente.

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