Publicado em 21/04/2019 às 13h53.

Páscoa Consoladora

Texto de Valdir Barbosa*

Redação

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A urna desce e o choro deste meu amigo de agora e irmão nas sendas do infinito cósmico, se torna convulso. Naquele ambiente envolvido em densa emoção, todos os presentes viajam, como ele, ao começo. Por obvio, as lembranças de quando viu vir uma das cordas do seu coração e agora é obrigado a ver partir, por prematuro, afloram com ênfase dolorosa, no instante maior da despedida.

Ele e a cúmplice promotora da existência pranteada, responsável pelo dom divino da maternidade, ambos inconsoláveis recebem dos próximos mais chegados, afagos de apoio no imenso sofrer, meras tentativas inúteis por diminuir suas duras penas.

Milena, a primogênita de Pedro Lino e única filha de Telma Vilas Boas, acometida de invasiva virose, numa semana na qual se rememora o sofrimento de Cristo sofreu infarto irreversível. Na esteira deste infortúnio deixa o plano de expiações e provas, justo na derradeira sexta-feira da Paixão.

Subi ao gólgota inesperado de Pedro Lino sendo, desde a manhã de ontem partícipe do seu martírio. Assim como eu subiram parentes próximos, amigos fraternos e todos que puderam chegar ao topo de seu calvário imponderável, bem como outros tantos que não conseguiram estar presentes para abraçá-lo, decerto, sem exceção, desolados.

O sorriso luminoso de Milena, que pude conhecer desde quando rasgou as entranhas de sua mãe querida, assisti nos braços do pai extremoso, o mesmo que testemunhei iluminando tudo por onde passava, na infância, juventude, adiante, ao pontuar como mulher e mãe continua impresso em minha mente – preferi não vê-la dormindo o ultimo sono terreno.

Naquele salão, palco de saudades, defronte do meu amigo entregue aos soluços, sem conseguir segurar também as lagrimas entendi o quanto nós, que há longas datas rimos e falamos diante de tantas coisas sérias e vãs, reciprocamente, ainda temos muito que dizer um ao outro, na maioria das vezes, como agora, em silêncio.

Afinal, o sorriso inolvidável de Milena varando a eternidade capacita confirmar que a vida transcende. Tudo é páscoa, passagem, transformação. Este é nosso maior consolo.

Salvador, 20 de abril de 2019

*Valdir Barbosa é escritor e ex-delegado chefe da Polícia Civil da Bahia

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