Proteína que ajuda o vírus zika a entrar na célula pode ser alvo para novos antivirais
Estudo conduzido por grupos da Univamp e da USP aponta correlação

Pesquisa brasileira publicada na revista Brain, Behavior, and Immunity desvenda um dos mecanismos pelos quais o vírus zika causa complicações neurológicas em pacientes adultos e microcefalia em fetos. A descoberta abre a possibilidade para que novos estudos busquem medicamentos capazes de inibir o agravamento da doença.
No trabalho, que teve o apoio da FAPESP, os cientistas demonstraram uma correlação entre as complicações neurológicas do zika com níveis elevados de Gas6, uma proteína que ajuda o vírus a entrar nas células. Mostraram ainda que as principais fontes de Gas6 nesses casos são os monócitos periféricos, um grupo de células do sistema imunológico.
Em sua forma ativa, a Gas6 se liga a receptores da família TAM (Axl, Tyro3 e Mer) e, após a entrada nas células, é capaz de reprimir uma resposta inflamatória do organismo, facilitando a replicação viral e levando ao agravamento da infecção por zika.
“O próprio vírus induz a expressão de Gas6, que aparece em nível maior nos pacientes com a forma grave da doença. Esses níveis estão ligados ao aumento de supressores de sinalização de citocinas [SOCS-1], responsáveis pelo bloqueio das respostas antivirais de interferon tipo 1. Quanto mais potente esse mecanismo, pior o prognóstico do paciente”, explica o professor José Luiz Proença Modena, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) e um dos orientadores do trabalho.
O estudo teve a participação de três grupos: o coordenado por Modena, que analisou amostras de soro de pacientes com zika, incluindo grávidas; o do professor Fábio Trindade Maranhão Costa, também do IB-Unicamp; e o de Jean Pierre Schatzmann Peron, do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e da Plataforma Científica Pasteur-USP (SPPU, na sigla em inglês), um instituto da Rede Pasteur constituído em parceria com a universidade, que fez testes em camundongos.
Parte dos pesquisadores integra a Rede Zika Unicamp, criada em 2016, após a epidemia no Brasil, para desenvolver pesquisas que contribuam com o enfrentamento dos graves impactos causados na saúde pública pelas doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti. Também teve a cooperação científica do Laboratório de Doenças Infecciosas A*Star, de Cingapura. Essa parceria já resultou em outros estudos publicados, como o que identificou um marcador para zika.
“A Rede Zika funcionou como um embrião desse tipo de parceria, que continua surgindo e se expandindo. Agregou pessoas competentes e com linhas complementares, unindo expertise, com resultados positivos. A atividade colaborativa contribui com a qualidade do trabalho”, afirma Costa.
Em 2015, o vírus zika se tornou um problema de saúde pública, começando na América do Sul e depois se espalhando para mais de 94 países. Descoberto pela primeira vez em 1947 em Uganda (África), não foi considerado uma ameaça à saúde humana até os surtos registrados nos anos 2000.
No Brasil, houve a notificação de aproximadamente 214 mil casos prováveis de zika em 2016. No ano seguinte, foram 17 mil registros, caindo para 8 mil, em 2018. De janeiro a maio deste ano, segundo o Ministério da Saúde, são 2.006 casos prováveis.
O aumento de registros de zika veio acompanhado do crescimento de microcefalia, um raro distúrbio neurológico no qual o cérebro do bebê não se desenvolve completamente. Somente em 2015 foram mais de 2.400 registros de microcefalia no país. Antes, entre 2010 e 2014, haviam sido notificados 781 casos em todo o período.
A epidemia de zika no Brasil ocorreu em regiões historicamente endêmicas para a dengue. Os dois vírus (ambos do gênero Flavivirus) têm o mesmo vetor de transmissão, o Aedes Aegypti, e os sintomas das doenças também são semelhantes (febre, dor de cabeça, vermelhidão nos olhos, dores nas articulações e manchas no corpo).
Apesar de a infecção por zika ser geralmente assintomática, dados recentes mostram a ligação entre a doença e o desenvolvimento de síndromes neurológicas, como a de Guillain-Barré, encefalite e meningite em adultos e malformações congênitas, como a microcefalia, em recém-nascidos. Ficou demonstrado que o vírus pode atravessar as barreiras cerebrais e placentárias, atingindo nesse caso os tecidos fetais.
Modena lembra que, para a dengue, já havia sido mostrado na literatura que o vírus pode interagir com Gas6 e usar esse mecanismo para entrar em fagócitos e se replicar. E agora a pesquisa desvendou o funcionamento em casos de zika.
Entendendo o caminho
Para correlacionar os níveis de Gas6 com as complicações neurológicas associadas ao zika, os pesquisadores analisaram o soro de pacientes (por meio de um teste imunoenzimático), incluídos em um estudo transversal realizado entre fevereiro de 2016 e junho de 2017 em diferentes hospitais da cidade de Campinas.
Foram avaliadas amostras de 57 pacientes com doença leve (chamados de não neuro), de 19 com complicações neurológicas após infecção por zika (neuro), de 14 com complicações neurológicas, mas sem ligação com a doença, e de 13 saudáveis. Os neuro apresentaram maiores níveis de Gas6, com aumento de supressores de sinalização de citocinas (SOCS-1).
Paralelamente a esses testes das amostras dos pacientes, o grupo orientado por Peron trabalhou com camundongos adultos imunocompetentes, ou seja, com sistema imune capaz de combater o vírus (linhagens C57BL/ 6 e SJL).
“Inoculamos o vírus já recoberto com Gas6 em animais prenhes e em animais adultos não prenhes. Nos adultos, a carga viral no primeiro dia após a infecção era muito maior em comparação aos animais que receberam o vírus sozinho, sem Gas6. O que mostra que a proteína ajuda na infecção. Já entre os filhotes houve um elevado número com malformação congênita, tinham cabeça e tamanho geral menores”, conta Lilian Gomes de Oliveira, primeira autora do artigo juntamente com João Luiz da Silva Filho.
Para conseguir se ligar aos receptores celulares, Gas6 precisa sofrer carboxilação, uma reação química que permite a interação com outras moléculas. Os pesquisadores então testaram in vitro o uso da droga varfarina e perceberam que ela foi capaz de inibir ou diminuir a replicação do vírus.
“Decifrando esse mecanismo abrimos a possibilidade de novas análises que permitam a intervenção por fármacos. Mostramos que o tratamento com varfarina em culturas de células é efetivo para a inibição da multiplicação do vírus. Não avaliamos se vai funcionar na clínica, mas é uma porta que se abre”, diz Modena.
À Agência Fapesp, Peron destaca que os resultados contribuem não só para uma melhor compreensão sobre a patogênese da infecção por zika e seus desfechos graves, como também abrem caminhos que podem mirar o Gas6 como uma ferramenta terapêutica. Atualmente, Peron coordena um projeto que estuda a imunopatogênese da Covid-19 em modelos experimentais, também apoiado pela Fapesp.
No total, o artigo publicado pelo grupo tem 46 autores e recebeu apoio da FAPESP por meio de diversos projetos (16/00194-8; 17/26170-0, 16/12855-9, 16/21259-0, 18/13866-0, 17/02402-0, 16/07371-2, 17/11828-0, 17/26908-0, 17/22062-9, 18/13645-3, 20/02159-0, 17/22504-1 e 20/02448- 2).
Por Luciana Constantino, da Agência Fapesp.
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