Publicado em 08/12/2017 às 11h37.

Samba-Reggae: Mundão defende primazia do Muzenza na criação do ritmo

O artista plástico que passou pelo Olodum, ajudou a fundar o Muzenza e há 15 anos colabora com o Ilê conta sua versão da história

James Martins
Foto: Reprodução Facebook
Foto: Reprodução Facebook

 

A declaração de Carlinhos Brown ao bahia.ba, de que o samba-reggae não nasceu no Olodum, bloco que internacionalizou o ritmo, mas sim no Muzenza, vem gerando muitas discussões e desdobramentos nas redes sociais. Em um fórum formado na página do Facebook do compositor Luciano Gomes, autor de “Faraó – Divindade do Egito”, o artista plástico Mundão, que participou (e participa) da história tanto do Olodum quanto do Ilê Aiyê e do Muzenza, defende a primazia deste último na criação da levada.

“Eu conheci o Olodum na sua fundação e fiz a sua segunda estampa. Fundei e ainda sou do Muzenza, e estou no Ilê Aiyê fazem 15 anos, entidade que conheço também desde a fundação”, inicia ele (leia a íntegra ao final).

No texto, Mundão faz uma retrospectiva de acontecimentos importantes na história dos blocos de percussão da Bahia, e foca nas transformações rítmicas para afirmar: “A primeira grande transformação é o Ilê Aiyê, que tinha uma forma diferente de tocar, como um chula. A segunda batida de resposta no samba era mais grave que a primeira batida, e o andamento bem lento. Os repiques e taróis também tocavam diferente, o que o diferenciava da batida tradicional”.

E segue: “Depois tem outro marco importante que foi o Afoxé Badauê. O início do afoxé moderno, como se dizia na época. Foi a consolidação dos blocos afro e afoxés, que se proliferaram em centenas”.

Para chegar finalmente ao Muzenza: “Aí vem a criação do Muzenza, que ensaiava na Ribeira e na Massaranduba, com o tema Tributo a Bob Marley. Foi lá que se inicia um outro processo de transformação musical, com a fusão de ritmos. A primeira música desta transformação é do falecido Rubéns Confetti, “Ê Bob Marley, Ê Jimmy Cliff”, que tinha alguns componentes diferenciados das batidas existentes, ao que Jorge Gangazumba, Gary Jamaica e Mestre Dedé criaram um ritmo próprio e diferente, que se perpetuou na entidade e que deu origem a outras composições na mesma linha, como é o caso da música “Brilho de Beleza” (“O negro segura a cabeça com a mão e chora”) que foi gravada por Gal Costa, composta muitos anos depois e que Brown cita, mas que não é de meu saudoso amigo e irmão Sérgio Participação e sim do meu querido Nego Tenga”.

O artista plástico cita ainda um fato importante e pouco mencionado: “Quero lembrar que Neguinho foi do Muzenza e posteriormente do Ilê Aiyê antes de se efetivar como mestre do Olodum”.

“O samba-reggae, em sua forma original, não tinha nome e posteriormente se designou assim e abraçou genericamente outros tantos ritmos de blocos que ja existiam à época e que faziam outras experiências musicais, como é o caso do Olodum, com Neguinho do Samba, e outras bandas percussivas sediadas no Pelourinho”, diz.

E outro fato, este talvez mais polêmico, por difícil de verificar: “Quero lembrar também que quando Paul Simon veio gravar no Brasil, foi ao Muzenza que primeiramente procurou e que diante de alguns empecilhos no acerto para tanto, ele foi gravar com o Olodum”.

Ele cita ainda um “documento” que acredita comprovar suas afirmações. “Tem um vídeo publicado pelo próprio Olodum, que data de 1981, com o tema ‘Festa para o Rei de Oyó – Nigéria’ (…) Este vídeo é muito importante, pois mostra como era a percussão do Olodum à época na saída do Pelourinho e no palanque na avenida. Era Uma grande bateria, um peso maravilhoso, mas tocava de forma tradicional, não era nem como o Ilê Aiyê. Esta transformação rítmica, que depois seria chamada de Samba-Reggae, começou no Muzenza em 1982. Este vídeo é a prova disto”.

Leia o texto de Mundão na íntegra:

“Eu conheci o Olodum na sua fundação e fiz a sua segunda estampa. Fundei e ainda sou do Muzenza, e estou no Ilê Aiyê fazem 15 anos, entidade que conheço também desde a fundação.

No passado tinham as escolas de samba e blocos em geral, todos de percussão e inclusive os que viraram de trio, como Corujas e Internacionais, entre outros, que eram de percussão também e tocavam todos quase que da mesma forma, marchas, frevos e o samba tradicional. Fantasia e índio.
Tinham os afoxés de caboclo, vestindo de índios, que tocavam “Congo de Ouro” e os que tocavam em “Ijexá”.

Depois daí é o surgimento dos blocos afros e posteriormente o samba reggae. No começo não se chamavam Bloco afros, havia blocos e cordões carnavalescos.
O nome Afro e a categoria veio depois, com a recusa do Ilê Aiyê em passar no palanque, já que disputava com outro bloco, o Alerta Mocidade, que parecia uma escola de samba.

A primeira grande transformação é o Ilê Aiyê, que tinha uma forma diferente de tocar, como um Chula.
A segunda batida de resposta no samba, era mais grave que a primeira batida, e o andamento bem lento. Os repiques e tarós, também tocavam diferentes, o que o diferenciava da batida tradicional.

Depois tem outro marco importante que foi o Afoxé Badauê. O inicio do afoxé moderno, como se dizia na época. Foi a consolidação dos blocos afro e afoxés, que se proliferaram em centenas.

Aí vem a criação do Muzenza, que ensaiava na Ribeira e na Massaranduba, com o tema Tributo a Bob Marley. Foi lá que se inicia um outro processo de transformação Musical, com a fusão de ritmos. A primeira música desta transformação é do falecido Rubéns Confetti, “Ê Bob Marley, Ê Jimmy Cliff, que tinha alguns componentes diferenciados das batidas existente, ao que Jorge Gangazumba, Gary Jamaica e Mestre Dedé, criaram um ritmo própria e diferente, que se perpetuou na entidade e que deu origem a outras composições na mesma linha, como é o caso da música Brilho de Beleza (O negro segura a cabeça com a mão e chora) que foi gravada por Gal Costa, composta muitos anos depois e que Brown cita, mas que não é de meu saudoso amigo e irmão Sérgio Participação e sim do meu querido Nego Tenga.

Com a vinda do Muzenza e sua nova musicalidade, algumas entidades afro que tocavam tradicionalmente, tiveram uma grande decadência, como foi o caso do Próprio Olodum e do Araketu, que praticamente acabaram e deixaram inclusive de desfilar por um ano cada.
Depois disto o Araketu deu a volta por cima e foi um grande marco da nossa música afro.
Também o Olodum a partir de 1983, quando não desfilou, se reestruturou e se tornou um dos grandes expoentes da nossa musica, com grande sucesso nacional e internacional, como também foi o caso do Araketu.

O samba reggae, em sua forma original não tinha nome e posteriormente se designou assim e abraçou genericamente outros tantos ritmos de blocos que ja existiam à época e que faziam outras experiências musicais, como é o caso do Olodum, com Neguinho do Samba e outras bandas percussivas sediadas no pelourinho.
Quero lembrar que Neguinho, foi do Muzenza e posteriormente do Ilê Aiyê antes de se efetivar como mestre do Olodum.

Quero lembrar também que quando Paul Simon veio gravar no Brasil, foi ao Muzenza que primeiramente procurou e que diante de alguns empecilhos no acerto para tanto, ele foi gravar com o Olodum.

DOCUMENTO: Tem um vídeo (documentário) publicado pelo Próprio Olodum, que data de 1981 com o tema Festa para o Rei de Oyo – Nigéria, eu desenhei a fantasia, que é um importante registro. Foi o meu ultimo ano lá antes de sairmos para em 1982, criarmos o Muzenza, Eu, Baraba e Geraldão entre outras pessoas. Geraldão que fundou o Muzenza é também o criador do Olodum.
Este vídeo é muito importante, pois mostra como era a percussão do Olodum à época na saída do Pelourinho e no palanque na avenida. Era Uma grande bateria, um peso maravilhoso, mas tocava de forma tradicional, não era nem como o Ilê Aiyê.

Esta transformação rítmica, que depois seria chamada de Samba Reggae, começou no Muzenza em 1982. Este vídeo é a prova disto.

Não existem bandas nem mestres melhores ou piores, cada entidade tem sua própria história grandiosa, cada uma delas.
Salve os Mestres do passado e do presente, de todas as vertentes de blocos. Salve os compositores, percussionista e ritmistas. Salve os diretores, artistas, dançarinos e foliões.
Esta não é uma história solo, é uma história que passa por gerações e inúmeras mãos e mentes, muito maior do que eu pude resumir aqui e veja o tamanho do texto”.

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