Publicado em 06/02/2016 às 14h40.

Um ano após chacina do Cabula, ONG pede federalização do caso

Justiça Global quer que a Procuradoria Geral da República assuma caso envolvendo morte de 12 jovens, atingidos com 88 tiros. Sob alegação de legítima defesa, autores foram absolvidos

Agência Brasil
Chacina gerou toque de recolher no cabula (Foto Reprodução Wikipedia)
Chacina gerou toque de recolher no Cabula (Foto Reprodução Wikipédia)

 

Um ano após a morte de 12 jovens negros no bairro de Cabula, em Salvador, e da absolvição dos policiais envolvidos no caso, a organização não governamental Justiça Global pede que a Procuradoria-Geral da República (PGR) assuma o caso.

“A forma como a sociedade baiana viu essa ação com os policiais tira completamente a imparcialidade para que dentro dessa sociedade seja julgada. Aqui não dá para julgar com lisura”, disse o defensor público baiano Mauricio Saporito, arrolado no processo como representante dos familiares dos mortos.

Os jovens foram assassinados com 88 tiros, mas os policiais foram absolvidos com a alegação de que agiram em legítima defesa após confronto.

“Recebi muitas ameaças, inclusive de morte, por telefone, WhatsApp e redes sociais”, afirmou o promotor Davi Gallo, um dos responsáveis pela investigação independente feita pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) sobre o caso que ficou conhecido como Chacina do Cabula.

Laudos necrológicos que integram o inquérito concluíram que boa parte dos tiros encontrados nos corpos foi disparada a curta distância e de cima para baixo, indícios de execução.

Absolvição – Com base em dezenas de depoimentos, o MP-BA acusou, em maio, os nove policiais envolvidos – um subtenente, um sargento e sete soldados – de terem premeditado uma emboscada contra os jovens.

Dois meses depois, em seguida a uma reconstituição das mortes com cerca de 150 pessoas e nove horas de duração, a investigação da Polícia Civil apontou uma tese diametralmente oposta: os policiais agiram em legítima defesa após confronto. Foram apresentadas ainda armas e drogas encontradas com os jovens.

A denúncia do MP-BA foi acolhida pela Justiça da Bahia em 10 de junho e o inquérito policial foi apensado ao caso logo após ser concluído, vinte dias depois.

No dia 24 de julho, em uma decisão incomum pela rapidez e sem dar nenhum encaminhamento ao processo, a juíza Marivalda Almeida Moutinho, que substituía o juiz titular do caso, em férias, absolveu todos os réus.

“Num processo com 12 homicídios consumados e seis vítimas sobreviventes caberia, no mínimo, iniciar a fase de instrução. Ela passou por cima de qualquer lei processual desse país e julgou”, critica Gallo.

O recurso do MP-BA contra a sentença corre atualmente em segredo de justiça.

Federalização – Os nove policiais envolvidos nunca chegaram a ser retirados do policiamento de rua. A Secretaria de Segurança Pública da Bahia informou que todos continuam a desempenhar suas funções normalmente, com a exceção de um, que se encontra preso por envolvimento em outro crime.

Essas circunstâncias aliadas à condução fora do comum do processo na justiça baiana levaram a Justiça Global a pedir a federalização do caso.

Por meio de sua assessoria de comunicação, a PGR informou que o pedido se encontra em fase de instrução, com coleta e análise de dados, acrescentando que a decisão final sobre a federalização cabe ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), embora não haja previsão para que ocorra.

“Passado um ano da morte dos meninos, o que temos é a certeza de que a gente não vai parar”, afirmou Hamilton Borges, liderança do movimento Reaja ou Será Morta/Reaja ou Será Morto, grupo que milita contra o genocídio da juventude negra em Salvador e atua diretamente no caso. “A federalização desse caso é nossa única esperança.”

Intimidação – Acompanhando o caso de perto desde o início, a organização não governamental Anistia Internacional relata que após um protesto contra a chacina realizado no próprio Cabula, passaram a ser frequentes operações policiais de caráter intimidador no bairro.

“Representantes da Anistia Internacional foram novamente a Cabula e os relatos dos moradores foram de que as intimidações continuavam e de que a comunidade sentia medo”, disse o diretor executivo da entidade no Brasil, Atila Roque.

Devido às constantes intimidações, a família de Borges comunicou o assédio à Justiça Global, responsável por compilar e encaminhar à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA) reiteradas denúncias de ameaças recebidas pelos parentes dos mortos em Cabula, assim como pelos integrantes do Reaja.

Por esse motivo, o grupo decidiu blindar os familiares dos mortos na chacina, controlando o acesso de qualquer pessoa desconhecida a eles e acompanhando de perto o seu dia a dia.

“A gente procura manter os familiares resguardados, em segurança, eles não se expõem, não aparecem”, disse Borges em uma entrevista por telefone. “Diante do ódio que a gente observa contra o povo negro, a gente faz questão mesmo de ser antipático, antipalatável, entende?”

Para justificar a proteção, ele dá o exemplo de dois dos seis jovens que sobreviveram à Chacina do Cabula. “Eles saíram da Bahia e desapareceram.”

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