Publicado em 30/09/2017 às 16h00.

‘Música infantil deixou de ser chá com pão’, diz cantor do Palavra Cantada

Paulo Tatit também falou, em entrevista ao bahia.ba, sobre o show de estreia do novo álbum do grupo, neste domingo (1º), na Concha Acústica

Clara Rellstab
Foto: Daryan Dormelles/Divulgação
Foto: Daryan Dormelles/Divulgação

 

Se você tem filho, sobrinho, afilhado ou vizinho criança com certeza já ouviu alguma música do grupo Palavra Cantada. Desde 1994, Paulo Tatit e Sandra Peres se esforçam para levar às crianças canções de linhas marcantes, com letras, arranjos e gravações elaboradas, sem deixar de lado uma poética sensível.

A dupla, que resolveu adentrar o gênero após Tatit ficar “irritado com o som de um disquinho infantil insuportável”, escolheu a capital baiana para estrear a nova turnê do disco Bafafá. Neste domingo (1º), às 17h, a Concha Acústica receberá o primeiro show do disco que já é sucesso no Youtube.

Em entrevista ao bahia.ba, Paulo Tatit contou sobre a relação do grupo com a internet e o contato direto que o meio proporciona com os pais dos fãs do Palavra: até música surgiu de um pedido especial de uma mãe em comentário na rede. “Eu mesmo tenho vontade de fazer as coisas direto para a internet”, confessa, ao comentar a dificuldade de criar conteúdo infantil para a televisão, mesmo com as leis de incentivo para as produções brasileiras.

Confira a entrevista na íntegra:

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

 

bahia.ba – A estreia da nova turnê vai ser aqui em Salvador, né? Vocês já tocaram na Concha Acústica, como é a atmosfera do show lá?

Paulo Tatit – Já tocamos outras três vezes! A Concha é como se a gente tivesse numa panela mesmo porque o público fica bem em cima da gente, né? Então você vê uma grande parede de gente na sua frente. É uma vibração doida, você sente o calor mesmo da plateia. Não fica aquela coisa espalhada, então é muito gostoso.

.ba – E quais são as novidades da turnê do Bafafá?

PT – Tem muita música que a gente nunca fez em show, que estão no DVD Bafafá, e que vão estar no setlist. “Cuidado com cuidado”, “O Alienígena”, “Ninguém gosta da gente”, “Vai e Vem das Estações”… Músicas que são sucessos muito fortes no Youtube, com milhões de visualizações, e que nunca foram tocadas em show. Então, como a gente vai resolver isso: de um lado, temos as nossas músicas de sucesso de show e, do outro, temos as músicas de sucesso de Youtube (risos). A gente começa o show com um poutpourri dos sucessos já consolidados do Palavra Cantada para poder, aos poucos, inserindo as músicas novas. Logo de cara vai rolar “Pé com Pé”, “Ciranda”, “Ora Bolas” e “Fome”, para, em seguida, a gente entrar no Bafafá. Vamos tentar equilibrar, uma coisa nova com uma coisa mais antiga. Mas a gente quis mudar muito do último show, além dessas clássicas do poutpourri, não vai ter música repetida da última turnê.

.ba – E agora vocês vão usar técnicas de projeção de vídeo Lighting Mapping…

PT – Vamos estrear isso agora! É um cenário feito com vídeo e é bem bacana porque para fazer ele funcionar a gente só precisa de um projetor e uma tela, não tem que construir nada. A gente queria que as pessoas lembrassem do DVD, então cada música do show ganha a paisagem do DVD. Então as crianças identificam rapidamente aquilo que elas veem no Youtube, elas fazem esse vínculo direto.

.ba – E vocês estão novamente com a diretora Cecília Esteves no comando do novo DVD, né?

PT – A Cecília já trabalha há um tempo com a gente. Os nossos dois últimos DVDs foram feitos com ela. Ela coordena vários ilustradores, o que é legal porque ela acaba oferecendo várias linguagens diferentes, né? Afinal, cada desenhista tem um traço. O que tem de novidade nesse trabalho é que a gente começou a fazer um roteiro mais detalhado e cuidadoso das cenas. Começamos a inserir plantas que existiam mesmo em cada habitat retratado, não coisas genéricas. ‘Essa árvore aqui chama-se Canela de Ema, a flor dela é assim, a folha é assim. Já essa aqui é a Goiabeira, ela tem a folha redondinha, um tronco com manchas’, a gente começou a especificar.

Tem uma música, por exemplo, “A Tartaruga e o Lobo”, que se passa no Jalapão, na divisa do Tocantins com a Bahia, e é um deserto bem no meio do Brasil que tem aquele Capim Dourado. Então nós tivemos o cuidado de mostrar o Capim Dourado, aquelas rochas típicas estilo Chapada Diamantina. Começamos a reparar mais na vegetação, nos animais… Para fazer uma coisa que faça sentido, que passa a ser didática. Ciclos de chuva, de calor, das estações.

Além dessa questão do educativo, a gente também prestou mais atenção em fazer uma coisa mais musical com a imagem. Não é fácil fazer a personagem dançar e ter ginga de acordo com o pulso da música, de forma que acrescente musicalidade para o clipe. Isso foi bem difícil, eu tive que mandar a música com um metrônomo bem alto para os animadores sentirem melhor o pulso, para eles porem os gestos na hora certo. Ainda tamo no caminho, mas melhorou muito.

.ba – Além do novo show e do DVD, vocês também estão lançando um CD de músicas remixadas, o “Baladinha”. Como foi trabalhar com o Lenis nessa empreitada?

PT – Eu trabalhei com o Lenis com um disco que eu produzi da Giovanna Puerto, que tá com um canal de músicas infantis no Youtube, e eu gostei dele, do pique dele. Aí eu falei com ele: “Lenis, algumas músicas nossas somem em festas. Por exemplo, ‘Pé com Pé’ funciona, mas quando vai pra ‘Sopa’, a música some na bagunça das crianças.  Você não quer dar um gás nessas músicas, empurrar elas pra cima?”. Só que eu não sabia que, além do lado eletrônico que eu já conhecia, ele também é um cara super ligado em ritmos brasileiros. Eu soube isso só no meio do trabalho, quando ele fez um afoxé em cima de um maracatu! Ele manja muito de ritmos brasileiros, então a gente deu o trabalho para a pessoa certa, porque as nossas músicas têm, na maioria das vezes, uma matriz brasileira muito forte. A gente deu um empurrão nas músicas para que elas sejam tocadas em festa mesmo e que, mesmo com a bagunça das crianças, elas ganhem uma presença de percussão que mantém a atenção da garotada.

.ba – E o selo do Palavra, por que acabou?

PT – A gente desistiu do selo, desistimos de sermos um celeiro de outros artistas. Acaba que era um processo muito complexo para a gente, porque a gente não tem e nunca teve uma estrutura de gravadora. Então não estava valendo a pena, acabou sendo melhor cuidar do próprio trabalho mesmo.

.ba – Eu li que a ideia de montar o grupo surgiu porque você ficou “irritado com o som de um disquinho infantil insuportável”. O que mudou depois que vocês se propuseram a fazer um som diferente para as crianças?

Po, surgiram muitos grupos, né? Só de descendente direto da Palavra Cantada tem dois, que fazem muito sucesso aqui em São Paulo, se apresentam toda semana. Grupo Triii e o Tititi – um tem duas pessoas do Palavra, no outro três dos quatro integrantes tocaram com a gente. Cada um tem seu trabalho, mas a relação continua. Depois vieram outros grupos em vários estados do Brasil, também com essa preocupação de fazer um trabalho mais lega, mais bem pensado. Mudou muito a visão da música infantil, deixou de ser uma coisa “chá com pão” para ficar uma coisa com uma ligação mais cultural, mais bem acabada. Você pega por exemplo qualquer disco do Pequeno Cidadão [grupo de Edgard Escandurras e Arnaldo Antunes], e vai ser um disco super bem acabado, com uma produção incrível. Começou a acontecer no Brasil uma coisa que acontecia há muito tempo nos Estados Unidos, isso de grandes nomes passearem pelo mundo infantil e lançarem discos muito legais. A diferença do Palavra Cantada é que a gente já surgiu com essa proposta.

A Palavra Cantada teve clipes exibidos na TV Cultura, que nos anos 90 e 2000 era referência na criação de conteúdo educativo para crianças. Houve um hiato na criação deste tipo de conteúdo. As coisas estão começando a mudar depois da Lei do Audiovisual Brasileiro?

Eu tô sentindo que sim. Eu mesmo fui chamado para fazer a trilha do Peixonauta, uma música do Show da Luna… Eu tô sentindo assim que é uma escada que se abre para a produção musical, porque, querendo ou não, todos esses programas têm uma música de abertura, têm uma trilha sonora. Eu acho que tá sendo muito legal isso, o Brasil precisa entrar nisso, a gente tem uma música tão exuberante. Eu mesmo tenho dois ou três projetos encaminhados da Palavra Cantada encaminhados nessa lei e estamos esperando o resultado. Mas a gente também tem muito pouco canal infantil… De 6 a 10 anos tem só o Gloob, de zero a 6 tem só o Discovery Kids. Fica muito difícil, do jeito que a coisa tá se encaminhando, eu tô achando que a gente vai começar a produzir coisa diretamente para a internet. Eu mesmo tenho vontade de fazer as coisas direto para a internet.

Uma música desse novo álbum, o “Sambinha da Fralda Molhada” foi feita sob encomenda de uma mãe através do canal Youtube de vocês…

Exatamente, o Youtube é onde eu mais tenho acesso, onde eu consigo ver o que mandam para a gente e responder, estabelecer um contato direto. Eu vi esse pedido lá nós comentários, uma mãe disse que o filho estava desfraldando e pediu uma música sobre o assunto. Sempre rola isso lá, de pessoas sugerirem temas, fazerem pedidos. Daí eu lancei a ideia com o grupo e a Sandra escreveu a música. E tudo isso a partir de um diálogo no Youtube! É muito legal ver o que as pessoas estão a fim de escutar.

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