Publicado em 19/11/2018 às 13h09.

‘Agora vai morrer mais gente’, diz Hélio Bentes sobre violência no Rio

Em conversa com o bahia.ba, vocalista da banda Ponto de Equilíbrio analisou a eleição de Witzel e disse que a Bahia é "berço" da cultura afro e da música brasileira

Luiz Felipe Fernandez
Foto: Bahia.ba
Foto: Bahia.ba

 

Em uma trajetória de quase 20 anos, foram incontáveis shows realizados em Salvador. Mais uma vez na capital baiana para participar da República do Reggae, evento que celebrou 15 anos e onde se apresenta desde as primeiras edições, o vocalista Hélio Bentes conversou com o bahia.ba para falar sobre a banda Ponto de Equilíbrio, assim como a sua perspectiva para o futuro pós-eleições.

Há uma semana do segundo turno, o grupo lançou o clipe “Já Basta”, que traz diversas referências ao cenário político atual, como a morte de Marielle Franco e a prisão de Rafael Braga. As ilustrações de Caio Gomes mostram um candidato com o número “71”, que faz o gesto da arma com as mãos, reverenciado por apoiadores com placas “Vai pra Cuba”, “Fora LGBT” entre outras, em possível referência ao presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL).

Hélio não entrega, mas soltou durante o papo que o “atual presidente” é contra a “evolução” de pautas como a descriminalização da maconha, erva considerada sagrada dentro da cultura rastafari e “musa inspiradora” de muitas composições da banda.

Natural de Vila Isabel, comunidade do Rio de Janeiro, o cantor vê com pessimismo a eleição do governador Wilson Witzel (PSC), candidato apoiado por Bolsonaro no estado e que prega o uso de atiradores de elite para o combater tráfico de drogas nas favelas. “Agora vai mudar, vai mudar pra pior, agora vai morrer mais gente”, prevê Hélio Bentes.

Ele também reforçou a “conexão especial” com a Bahia, enalteceu a cultura local e reafirmou a sua importância para a música brasileira. “A Bahia é o berço. A diáspora da África está aqui”, afirmou. Faltando menos de 1 hora para subirem o começo da apresentação, a entrevista precisou ser encerrada para dar início ao “ritual”.

Já no palco, dividido ao longo da noite com Igor Salify, Mato Seco, Steel Pulse, Edson Gomes, Groundation, Dezarie e outros, Hélio mostrou porquê a Ponto de Equilíbrio não fica de fora da República.”Na Função” desde 1999, a banda segue levando o melhor do reggae para tocar o coração e “abrir a cabeça” dos fãs pelo mundo afora.

São quase 20 anos de história de Ponto de Equilíbrio. Quase todos os anos a banda se apresenta em Salvador, seja na República do Reggae ou e outros shows. Existe alguma conexão diferente com a Bahia?

Antes de vir para a primeira República do Reggae, a gente já ficava vendo o dvd, porquê é uma referencia mundial. É o maior festival de reggae da América Latina […] A conexão especial é porquê a Bahia é o berço, a diáspora da África está aqui. Tudo que você imagina de cultura, que vem dos pretos, a descendência africana, está aqui na Bahia. O reggae tem descendência, assim como o samba, o Olodum, o axé, como vários ritmos que tem no Brasil, com o reggae não é diferente. Você chega aqui você vê crianças, vê os “velhos” com dreads brancos até o chão, barba branca, que sabe o que é o reggae mesmo.

No clipe da música “Já Basta”, muitas ilustrações podem fazer referência a um determinado representante, ainda que não cite nomes, bem como diversas questões políticas. Qual o sentimento com o resultado das eleições? Esperançoso com o futuro do Brasil?

Uma das ultimas coisas que a gente tem é esperança né cara? O que a gente pode fazer já foi feito, que é o voto. A partir disso a gente faz cada um a nossa parte e espera um Brasil melhor pra todos, independente da proposta de cada um. Apesar de que a gente sabe muito bem como é a política, já é um órgão corrompido por dentro, que já vem há 500 anos. É difícil de acreditar, mas esperança é a última que morre.

Fazem 8 anos da música “Eu Vejo”, onde você canta sobre a realidade no Complexo do Alemão e de outras favelas, que sofriam com a violência policial. Agora, o governador eleito no Rio, Wilson Witzel, defende medidas radicais para tentar conter o tráfico de drogas, como o uso de atiradores de elite. Como você vê a situação nas comunidades cariocas? Algo mudou?

Agora vai mudar, vai mudar pra pior. Agora vai morrer mais gente. Infelizmente vai morrer muita gente, gente inocente, vai morrer bandido, vai morrer polícia. Difiícil, só vai piorar. Essa história aí do Complexo do Alemão vai se repetir muito, infelizmente. Espero um dia poder cantar outra realidade, que o mundo é uma floresta, as borboletas, que a gente vive uma harmonia pura. Infelizmente o que domina e o que acaba dominando no mundo é a miséria, o ódio, a discórdia. Mas a gente ta aí para passar essa mensagem, para abrir o coração das pessoas através da música. A música é uma coisa que toca qualquer coração, o coração mais frio pode ser tocado pela música, nossa maior arma é essa.

O culto à cannabis, popularmente conhecida como maconha, é bastante presente na cultura rastafari e nas músicas da banda. Em 2010, o baixista de Ponto, Pedro “Pedrada” foi preso por cultivar pés da planta em casa. Em muitos países o uso e plantio da droga já foi regulamentado. Qual a sua perspectiva sobre as mudança das leis no país?

A gente fica naqueles altos e baixos…Uma hora a gente conquista. Quando a gente consegue conquistar alguma coisa, a gente cai do cavalo de novo. O nosso atual presidente é contra essa evolução que a gente vem conquistando há anos e anos lutando para isso. Desde meados dos anos 60 já se falava nisso […] Os usuários que respeitam como uma coisa sagrada, não podem ter vergonha de chegar em casa e falar que usa mesmo. Tentar abrir a cabeça das pessoas, mostrar a realidade. Não pode ser um mau exemplo, misturar muito. O negócio é ter esperança mesmo, é sempre assim, agora é esse momento, depois vai mudar. O Brasil desse jeito que está, as pessoas a flor da pele, querem que o país mude de qualquer forma… Mas daqui a pouco a galera vai abrir a mente de novo e a gente vai retomar nossa luta pela descriminalização, pelo plantio, que a gente possa portar no bolso tranquilo, para que possa plantar dentro de casa, de forma mais saudável. O problema nunca vai resolver, nunca vai acabar, porquê vai brotar da terra. Chega uma hora que vai brotar na terra de novo.

Vocês lançaram dois singles de sucesso este ano. Quais os próximos projetos da Ponto de Equilíbrio?

A gente lançou o na função, com Rael, com Rincón. Lançamos o “Já Basta”, essa homenagem a Marielle. Agora vamos escolher qual vai ser a próxima musica, a gente já está com várias musicas encaminhadas, talvez daqui a uns 6, 7 meses a gente esteja com um trabalho novo na pista, um álbum, um cd, disponível nas plataformas digitais, no Youtube. Logo mais a gente ta vindo com uma musica nova, um clipe novo. Fyah!

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