Roberto Mendes lança novo álbum após onze anos longe dos estúdios
Santo-amarense volta a explorar musicalidade do Recôncavo em "Na base do cabula"; álbum pode ser ouvido nas plataformas digitais
O violão como instrumento percussivo, a música como expressão comportamental, o canto como forma de louvor. Um mergulho no “rio sem cais” que é a música do Recôncavo baiano e mais uma celebração ao samba “que já existia antes do samba”. Em seu 11º álbum, o primeiro após onze anos longe dos estúdios, o santo-amarense Roberto Mendes volta a oferecer ao público sua musicalidade infundida no universo da chula e do samba de roda. Desde a última terça-feira (10) disponível nas principais plataformas digitais, “Na base do cabula” é mais um fruto de suas pesquisas musicais traduzido em forma de arte.
O novo trabalho do cantor, compositor, violonista e pesquisador musical baiano é o primeiro em que ele interpreta suas composições no formato “voz e violão”. A maneira como maneja o instrumento é peculiar. Valendo-se da tradição musical dos violeiros do Recôncavo, ele faz de seu “pinho” um instrumento de percussão – é quase um “batuque de cordas”, em que, como ele explica, “o som se dá mais pela frequência do que pelas notas”.
“Esta é a sua natureza. O violão é um instrumento de percussão que foi adaptado para ter a clave de sol do piano. É como se colocássemos um cais no rio. E a música do Recôncavo não tem cais”, explica Mendes ao bahia.ba. Ao resgatar o toque percussivo do violão, o sambista baiano apresenta um trabalho todo conduzido “na base do cabula”, estrutura rítmica trazida à Bahia pelos povos bantu, que deu origem à chula e ao samba de roda.
Roberto Mendes é um dos compositores favoritos de Maria Bethânia, sua conterrânea: ao longo das últimas décadas, foram 26 músicas gravadas por ela, incluindo “Yayá Massemba” (parceria com Capinan) e “Iluminada” (com Jorge Portugal). O compositor também tem criações cantadas por nomes como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Daniela Mercury, Margareth Menezes, Mariene de Castro, entre outros.
Há tempos, porém, não entrava em um estúdio para registrar suas músicas. “No fundo, eu estava meio cansado. Estava repetindo muito, fazendo música como se produz carro, como se produz qualquer coisa. Criava uma forma e fazia a canção. E foi difícil sair disso”, diz. Ele conta que teve que parar por um tempo para voltar a criar suas músicas “como comportamento”, e não mais apenas “pela forma”.
“Na base do cabula”, cuja produção foi assinada por seus filhos Leonardo e João, traz nove regravações e três músicas inéditas. Uma delas é “Samba antes do samba”, parceria com Jorge Portugal. Nela, explora a velha polêmica sobre o berço do samba. Bahia ou Rio? Para ele e o velho parceiro, não há dúvidas: “O samba já existia antes do samba / Lá no Recôncavo, onde tudo começou / Passaram-se muitos anos e muitas rodas de bamba / Só bem depois o telefone tocou”.
Além de Portugal, outros parceiros contumazes marcam presença: Jota Veloso, José Carlos Capinan, Nelson Elias, Nizaldo Costa e João Mendes apresentam suas poesias para a melodia de Mendes. Para o sambista, eles fazem a ponte “para o outro lado do rio”, cuja travessia, ele afirma não poder fazer.
“Eu nunca morei em outro lugar, a vida inteira me debrucei nessa memória do samba de roda, da chula. Sempre fiquei na margem do rio”, diz Mendes. “Eu não consegui chegar à modernidade, mas já chegaram por mim e foi muito bom esse caminho. Essa travessia foi muito bem feita pelos meus parceiros”, conclui.
Roberto Mendes é um compositor que não se importa com métodos e fórmulas. Compõe como quem veleja pelos rios do Recôncavo, sem jamais cruzar a Baía de Todos os Santos: “Minha música é livre. Para mim, é um ato de louvor”.
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