Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
Palavras ao vento
Com a linguagem perdendo a função “denotativa”, todos os discursos em prol da democracia são transformados em um amontoado de palavras
Hoje pela manhã, durante o trajeto entre a nossa casa e o local onde minha mulher participaria de mais uma aula do curso de especialização que está realizando, ouvindo juntos, na voz rascante de Cássia Eller, a canção “Palavras ao Vento” de autoria de Marisa Monte e Moraes Moreira, trocamos algumas impressões a respeito dos sentimentos evocados pelos versos da canção e bastaram alguns minutos de conversa sobre a curta e intensa vida da artista, para concluirmos que na difícil arte do viver e conviver, antes de qualquer coisa, precisamos compreender que tolerar é, essencialmente, reconhecer a liberdade de existir do outro, desse outro ser diferente na maneira de agir, se relacionar, pensar, crer e amar.
Em meio ao diálogo, me flagrei pensando o quanto o comportamento polêmico da cantora carioca que costumava mostrar os seios no palco, explorado à exaustão pela imprensa em seus aparentes paradoxos, deve ter suscitado manifestações de intolerância, pois, tenho consciência do quanto somos capazes de sermos tolerantes ou intolerantes com o outro, a partir das semelhanças e diferenças com que exercitamos a liberdade incondicional de ser.
Nesse sentido, como as palavras são expressões da realidade humana, de suas contradições e de sua beleza, fiquei a refletir sobre o quanto a palavra tolerância e, principalmente, seu oposto, a intolerância, neste clima de nós contra eles que estamos vivenciando no nosso país, refletem claramente uma radicalização incomum na história política brasileira.
Do lado a lado, há acusações de intolerância e de incitação à violência, com a mídia se encarregado de noticiar a prática de atos que, além de contrariar os limites do bom senso e do respeito exigidos pela vida em sociedade, fogem a qualquer reflexão ou racionalidade que possam explicá-los, salvo pela estratégia de acirramento de ânimos adotada pelo PT e pelo historicamente baixo engajamento político do povo brasileiro.
Nessa lógica, há quem defenda e ache até mesmo normal o fato de uma médica se negar a continuar prestando atendimento a alguém que não compartilha da mesma opinião política ou um professor ameaçar de perseguição e morte seus ex-alunos e familiares, utilizando as redes sociais, quando a revolução do proletariado eclodir, simplesmente porque estaria sendo contestado e criticado por seus posicionamentos políticos.
‘Uma democracia deve ou não
impor limites de tolerância?…’
Divididos e perdidos em nossas pretensões de sermos donos da verdade, ou melhor, das certezas, estamos sendo intolerantes em aceitar outros posicionamentos, nos fechando à visão e à escuta de tudo que se apresente diferente ou incompreensível aos nossos valores e interesses, a ponto de não reconhecermos o outro como nosso semelhante, passando a odiá-lo a partir das diferenças que apontamos nele, mesmo que estas se resumam apenas ao fato de trajar-se de vermelho ou de verde e amarelo. Afinal, “Narciso acha feio o que não é espelho”.
Queiramos ou não, é forçoso reconhecer que do mesmo modo que são democráticas as manifestações populares em defesa do impeachment de Dilma Rousseff, também são democráticas as manifestações populares contra a forma como é conduzido o seu processo de cassação, apesar de o Supremo Tribunal Federal já tê-lo regulamentado.
No atual conflito político brasileiro, o caótico ameaça nos devorar em enigmas, por isso, sem perspectivas de um alívio na crise ou mesmo na polarização que se acirra, lembrei-me de Slavoj Zizek que, ao analisar o paradoxo da tolerância em um regime democrático, pergunta: “Uma democracia deve ou não impor limites de tolerância tendo em vista a ânsia dos intolerantes pelo poder?”.
Em busca de respostas para o questionamento do filósofo esloveno, cabe às autoridades brasileiras adotar todas as medidas necessárias para garantir que as batalhas pelo poder ocorram apenas nos campos político e jurídico, preservando a instrumentalidade dos conflitos à ordem em todas as manifestações favoráveis e contrárias ao governo, antes, durante e depois do processo de impeachment, qualquer que seja o seu resultado, obviamente, defendendo o Estado, a democracia e o direito.
É isso ou corremos o risco de sofrer um grande retrocesso, com os conflitos voltando a ser vistos como antagônicos à ordem, por não termos conseguido evitar o descolamento entre a primazia teórica das liberdades básicas e a realidade, pois, com a linguagem perdendo a função “denotativa”, todos os discursos em prol da democracia são, simplesmente, transformados em um amontoado de “Palavras apenas / Palavras ao vento”, como nos versos da canção de Moraes Moreira e Marisa Monte imortalizada na voz de Cássia Eller.
Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
Mais notícias
-
Política
21h55 de 02/07/2025
Alan Sanches critica militância de esquerda no 2 de Julho
Segundo ele, houve episódios de agressividade verbal e até física contra opositores ao governo
-
Política
21h20 de 02/07/2025
Colbert Martins assume nova função na Prefeitura de Salvador com aval do governo estadual
Nomeação tem validade até 31 de dezembro de 2026, mas o cargo que será ocupado ainda não foi divulgado
-
Política
21h00 de 02/07/2025
Cresce percepção negativa sobre relação entre governo Lula e Congresso, aponta pesquisa
Levantamento também mostra um desgaste na imagem do governo entre os parlamentares; veja números
-
Política
19h20 de 02/07/2025
Governador encerra atos oficiais do Dois de Julho no Campo Grande
Chefe do executivo baiano também participou de cerimônia no 2° Distrito Naval
-
Política
19h17 de 02/07/2025
Lula destaca papel da Bahia na indústria automobilística nacional
Presidente reafirma compromisso com o desenvolvimento do estado, que tem R$ 105 bilhões em investimentos do Novo PAC
-
Política
18h57 de 02/07/2025
Geraldo Jr destaca presença de Lula no 2 de Julho e reforça importância da data para o Brasil
Vice-governador percorreu o trajeto que liga a Lapinha ao Campo Grande, acompanhado por lideranças políticas e apoiadores
-
Política
17h44 de 02/07/2025
CCJ aprova projeto que condiciona liberdade de estupradores à castração química voluntária
Proposta agora segue para votação no plenário da Casa
-
Política
17h25 de 02/07/2025
Marina Silva é alvo de críticas e ouve pedido de demissão em sessão na Câmara
Parlamentares da oposição voltaram a atacar a ministra durante debate sobre desmatamento
-
Política
17h15 de 02/07/2025
Bolsonaro é diagnosticado com inflamação no esôfago e terá tratamento intensificado
Desde o atentado sofrido durante a campanha de 2018, ex-presidente já passou por seis cirurgias
-
Política
17h11 de 02/07/2025
Caiado chama Lula de ‘idoso’ e diz que presidente vive seu pior momento
Governador de Goiás afirmou que gestão petista trata Congresso como inimigo e não sabe dialogar