Ediene Lousado: gera insegurança não saber como será o amanhã
Chefe do Ministério Público da Bahia espera que, após o processo de impeachment da presidente Dilma, seja restabelecido o clima de tranquilidade do país
A promotora de Justiça Ediene Santos Lousado, 48 anos, é a primeira mulher a ocupar a chefia do Ministério Público da Bahia. Com 270 votos, ela foi a segunda mais votada na eleição que compôs a lista tríplice entregue ao governador, sendo a escolhida por Rui Costa para chefiar a instituição pelos próximos dois anos.
Natural de Santa Terezinha, Ediene Lousado ingressou no MP-BA em 1993, tendo atuado nas Promotorias de Justiça de Bom Jesus da Lapa, Itiúba, Caravelas, Ilhéus e Barreiras. Promovida para Salvador em 2009, atuou na Vara de Tóxicos, coordenou a Promotoria de Justiça Regional de Barreiras, o Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) e deixou o cargo de secretária-geral da instituição para comandar a instituição.
Em entrevista ao bahia.ba, a chefe do MP-BA, fala das tentativas para chegar ao cargo, das dificuldades para administrar a instituição em período de crise e da sua disposição em fortalecer o órgão e a sua independência para atender cada vez melhor as demandas da sociedade.
Favorável à divulgação dos atos judiciais, a chefe do MP defende a necessidade de o país ser passado a limpo. Para ela, as instituições públicas têm que agir pelo interesse da sociedade. Defende, no entanto, que tudo seja feito respeitando os preceitos legais.
bahia.ba – Por que só agora o MP da Bahia é chefiado por uma mulher?
Ediene Santos Lousado – Embora sejamos maioria – cerca de 56% – não havia um espaço aberto para a participação da mulher dentro da instituição. Esse espaço passou a ser disputado por nós, creio que nos últimos dez anos, quando a mulher passou a cobrar mais da instituição. Eu disputei pela segunda vez e consegui, felizmente fui escolhida, mas precisou que antes de mim duas outras mulheres concorressem e abrissem esse espaço. É uma conquista, sem dúvida alguma, ter uma mulher na chefia máxima da instituição, mas é uma conquista que chegou com alguns anos de atraso. Nós temos um currículo que justifica nossa ascensão. Não é apenas pelo fato de sermos mulheres, mas também por toda nossa história dentro da instituição, pelos serviços prestados. Eu, por exemplo, tenho 23 anos de MP, 17 dos quais passados no interior, trabalhei em todas as áreas, ocupei cargos de chefia, fui secretária-geral, coordenadora do Gaeco. Trabalhei em áreas difíceis. Na secretaria geral fiquei duas gestões. Nenhuma outra mulher conseguiu ficar tanto tempo e o único homem que conseguiu foi Lidivaldo Brito. Se minha eleição não tivesse dado certo, eu teria ficado mais tempo que Lidivaldo. Ele ficou cinco anos, eu quatro. Cargos difíceis que ocupei antes de chegar à chefia máxima da instituição. Portanto, tenho currículo e serviços prestados, o que fez com que meus colegas reconhecessem meus méritos, certamente não foi apenas pelo fato de eu ser mulher.
.ba – Com tantas mulheres na instituição, só agora uma mulher chega à chefia. O que diferencia a senhora das outras?
ESL – A minha teimosia. Acho que fui teimosa o suficiente para insistir em ocupar um espaço que acho que nós mulheres merecíamos. Eu tinha planos, projetos, sonhos envolvendo a instituição. E os colegas acreditaram nos meus planos, nos meus sonhos. Estamos aqui para desenvolvê-los.
.ba – É um desafio para uma mulher ou para qualquer procurador que venha assumir um cargo deste?
ESL – É um desafio para uma mulher porque é um cargo que nunca antes foi ocupado por uma mulher, então há uma expectativa muito grande em relação a nós, há uma cobrança como é que vai ela vai se sair. Mas é um desafio para qualquer um que ocupe essa cadeira. Os problemas são muitos, todo dia vemos diante de nós novos desafios. A gente passa por uma crise que é política, mas também econômica, estão entrelaçadas. Nós passamos por um momento em que a própria instituição, o Ministério Público, é questionada, como outros poderes também, o Judiciário, têm sido alvos de ataques, de muita intolerância em todos os sentidos. A gente vê aí desafios a serem enfrentados.
.ba – A senhora chega à chefia do MP em um momento em que as mulheres vêm ganhando espaço em diversas áreas, a começar pela presidência da República. A senhora acha que isso facilitou sua ascensão?
ESL – Eu acho que não é mais visto com espanto. Os caminhos foram se abrindo. Nós temos a presidente do Tribunal Regional do Trabalho que é uma mulher. Temos também a presidente do Tribunal de Justiça que é uma mulher. Antes dela, duas outras mulheres também ocuparam o cargo. A desembargadora Sílvia Zarif foi a primeira mulher a presidir um Tribunal de Justiça no país. Então, acho que as portas foram se abrindo. Aí não causou mais nenhuma sombra uma mulher ser escolhida para chefiar a instituição. Por parte dos colegas, eu percebo que não existia qualquer discriminação pelo fato de eu ser mulher. Pelo menos nas duas vezes em que eu compus lista com colegas de muita competência. Na vez anterior também compus a relação com colegas muito competentes que foram escolhidos. Outra vez competi com colegas muitos bons e fui a escolhida. Creio que as portas foram se abrindo e foi com naturalidade que a minha escolha foi recebida.
.ba – Como é que a senhora vê o papel da mulher na sociedade?
ESL – Olha, a mulher na sociedade brasileira hoje ainda enfrenta muitas dificuldades. Do ponto de vista econômico, por exemplo, de ocupação de cargo, a gente sabe que o salário da mulher ainda não é igual ao do homem. No serviço público, nós temos a isonomia, mas, no setor privado, a situação é diferente. Mesmo tratando-se de mulheres e homens com a mesma competência e mesma função, o melhor salário ainda é destinado ao homem. Então a gente ainda vê muitos espaços a serem ocupados pelas mulheres, muitas lutas que precisam ser enfrentadas e muitas dificuldades a serem vencidas.
.ba – A senhora falou das dificuldades que o MP e outras instituições estão vivendo neste momento em função da crise politica/financeira que o país atravessa. Mas é exatamente neste momento que o MP passou a ganhar uma maior visibilidade, com o apoio da sociedade e passou a ser mais cobrado em termos de cidadania, do combate à corrupção, da defesa dos interesses da população. A senhora acha que isso fortalece a instituição?
ESL – Fortalece sim, ao mesmo tempo em que implica numa responsabilidade maior, numa prestação de contas maior. Eu costumo dizer que somos chefiados pela sociedade. Devemos prestar contas à sociedade e a gente tem uma responsabilidade maior, com todas as prerrogativas, as atribuições que a Constituição de 88 nos trouxe. Nós temos obrigações em relação aos idosos, portadores de necessidades especiais e deficientes físicos, às crianças, ao adolescente, em relação ao meio ambiente, ao consumidor. Hoje nós sofremos uma cobrança muito maior nessas áreas. A gente vive um momento difícil na área da segurança pública, a cobrança ao MP também tem sido maior. O papel de acusador que o MP tinha antes, hoje já não é o mais importante. O MP precisa cobrar as políticas públicas voltadas à solução desses problemas na área de educação, saúde, segurança pública. Então, nós temos um papel a ser desempenhado na sociedade que tem que ser visto com muito cuidado, porque não podemos falhar, e se falharmos, temos que agir mais rapidamente para recuperarmos nossa imagem perante a sociedade.
.ba – Apesar de todo o prestígio que o MP ganhou, a instituição também é alvo de críticas. Há quem aponte que o MP baiano tem se debruçado sobre questões pequenas e, às vezes, faz vistas grossas às macros. A senhora faz essa avaliação ou considera que essa é uma crítica sem fundamento?
ESL – Eu vejo que nós temos nos preocupado com coisas grandes, como a moralidade administrativa, a defesa do patrimônio público, o combate à corrupção, defesa da saúde, da educação, dos idosos, dos deficientes físicos, acho que são coisas grandes, que importam para a sociedade. Nós temos nos preocupado com coisas que importam para a sociedade. A segurança pública, por exemplo, nós temos projetos maravilhosos. Hoje mesmo, colegas me apresentaram um projeto fantástico que mostra a mancha do crime, qual a incidência dos crimes de Salvador, a violência doméstica, quais os dias e os bairros em que ela é mais incisiva, a profissão daqueles que mais agridem, se é um motorista, vamos fazer um trabalho com as empresas, com a classe; se é comerciante, vamos fazer um trabalho de conscientização junto com o CDL [Câmara de Diretores Lojistas], um trabalho preventivo. Então o MP está investindo e se aparelhando na área de segurança pública. Não vejo o MP se ocupando com coisas pequenas, mas sim com projetos importantes para a sociedade. Aí depende do ponto de vista de quem enxerga as questões como pequenas ou grandes. Mas, pela avaliação que a gente faz, pelo estudo que a gente faz das carências sociais, nossos projetos são realmente importantes.
.ba – Qual é a prioridade da senhora frente ao MP?
ESL – São muitas. Acho que a gente precisa cada vez mais fortalecer e aparelhar o MP para atender bem a sociedade, principalmente nas áreas em que as políticas públicas são mais deficientes. A gente tem carência na prestação de assistência ao idoso, por exemplo, na área da educação, na saúde, de modo geral, o número de leitos não atende a população, então será nossa prioridade. Mas também notamos dificuldades muito grandes no setor da segurança pública. Será que os investimentos que estão sendo feitos na área estão realmente voltados para o combate ao crescimento da criminalidade? O que temos feito na área social que pode impactar na redução da criminalidade? Então, as prioridades são muitas. O que a gente não pode é se ocupar de uma determinada área, esquecendo as outras, porque tudo é urgente. A sociedade espera a atenção do MP em todas as áreas e nós temos sido cobrados em todas elas. Então esse aparelhamento do MP, essa capacitação dos promotores de Justiça para atendimento de todas as áreas é uma prioridade inestimável.
.ba – E o MP da Bahia está preparado para esse trabalho?
ESL – Onde nós não estamos 100% preparados, estamos nos preparando. Eu acho que ao final da minha gestão poderei ficar tranquila e me sentir com a certeza de dever cumprido, porque eu tenho feito tudo, desde o meu primeiro dia, para focar nesse atendimento à população.
.ba – E essa crise financeira pode atrapalhar os planos?
ESL – Em princípio não, porque recursos humanos nós já temos. Claro que, mesmo com a posse de 47 promotores e de servidores que acabamos de empossar, nós necessitamos de mais. Agora, o que nós temos hoje é o suficiente para darmos umas respostas esperadas há muitos anos, porque, já há algum tempo, a gente vem investindo para esse atendimento às carências detectadas. Evidentemente que a área de tecnologia é uma área que exige investimentos permanentes. Nós fizemos muitos investimentos no passado, por isso nós temos um trabalho de excelência na área criminal, mas muita coisa a gente vai precisar fazer ao longo dos anos. Eu espero que a crise econômica não nos impeça de, materialmente, atender satisfatoriamente a população. Existe muita vontade. Eu costumo dizer que quem quer fazer, acha o caminho, quem não quer, acha uma desculpa. Nós estaremos sempre trabalhando para achar o caminho.
.ba – O governador Rui Costa acabou de ter aprovada pela Assembleia Legislativa proposta que transfere para os demais poderes a responsabilidade de pagamento de inativos e pensionistas. Isso vai impactar as finanças do MP? A instituição está preparada para assumir esses gastos?
ESL – Eu solicitei um estudo de impacto financeiro em relação a isso. Em princípio, a resposta que me foi dada pelo nosso RH [setor de Recursos Humanos] é que o número de promotores, procuradores e servidores inativos é pequeno. O impacto financeiro não vai ser significativo. O resultado me deixou, de certa forma, animada, mas ainda vejo com alguma reserva. Estou aguardando a finalização do estudo, não quero me antecipar, para ter uma conclusão mais apurada.
.ba – O Ministério Publico Federal é a grande estrela do país ao lado do juiz Sérgio Moro em função da Operação Lava Jato. A senhora teria alguma crítica à atuação da instituição na operação, a que está acontecendo em nível nacional?
ESL – Não, acho que os colegas estão agindo de acordo com a sua independência, o seu entendimento. Não quero tecer nenhum comentário, porque sei que cada um busca dar o melhor de si. Então vamos nos ater a cumprir aqui a nossa obrigação e respeitar o trabalho que eles estão desenvolvendo, porque sei que é o sonho de todo membro do Ministério Público, seja estadual, seja federal, passar o Brasil a limpo, combater a corrupção em todas as áreas. A gente sabe que, desde o descobrimento do Brasil, existe essa mácula da corrupção. É algo que não é de hoje, vem de há muito tempo, e nós temos que enfrentar, combater e agir com força, porque se formos tímidos não iremos conseguir fazer o que tem sido feito. Então, acho que eles estão cumprindo o papel deles, e a gente louva todo profissional que cumpre bem seu trabalho e tenta fazer o melhor.
.ba – O processo de impeachment da presidente Dilma preocupa a senhora?
ESL – Acho que todos os brasileiros estão apreensivos, preocupados. Falta uma segurança de não saber o que vai ser o Brasil de amanhã. Todo mundo quer dormir e acordar tendo o mínimo de segurança jurídica, política e econômica. Nós estamos numa situação em que não sabemos como as coisas vão se desdobrar, quais os reflexos que isso vai ter na nossa economia. A gente sabe que qualquer que seja o cenário, com impeachment ou sem impeachment, o Brasil passa e passará por uma crise econômica. A gente fica torcendo para que tudo isso se resolva logo e possamos dormir e acordar mais tranquilos.
.ba – Qual o toque feminino que a senhora vem dando ao MP?
ESL – (Risos) Acho que já mudou algumas coisas nesse aspecto, não só materialmente, com flores na sala que faz a diferença, mas com um cuidado quase maternal que tenho com os colegas, de proximidade, como telefonar para um colega para parabenizá-lo no dia do seu aniversário, não como “forçação”, mas como um cuidado natural das mulheres que os homens não têm. Os homens não lembram de datas, nós mulheres sim. Tenho tido um cuidado com promotorias que eu acho que os homens normalmente não têm, acho que as mulheres têm um cuidado mais especial em relação à infância, aos idosos, aos deficientes. Acho que as colegas já perceberam que há um olhar feminino sobre isso.
.ba – A senhora acha que as promotorias comandadas por mulheres são mais eficientes do que as comandadas por homens?
ESL – Não tenho dúvida. Acho que as mulheres são mais cuidadosas nos detalhes e os detalhes fazem a diferença. A gente vê em determinadas promotorias a diferença com a presença das mulheres, a forma de atendimento. Não é que os homens não sejam bons, na área criminal eles são muito bons, no Tribunal do Júri eles são muito bons. Mas, acho que tem promotorias que precisam mais da sensibilidade feminina. Há homens muito sensíveis, mas a gente não pode deixar passar ao largo detalhes que só a sensibilidade feminina detecta, fazem a diferença no atendimento. Detalhes que para os homens podem não ser muito importantes, mas para nós são e no final isso faz a diferença.
.ba – Qual a meta da senhora no MP da Bahia?
ESL – Minha meta à frente do Ministério Público é olhar para meus colegas e para a sociedade e dizer: cumpri minha missão.
.ba – Para finalizarmos, qual a avaliação que a senhora faz do Ministério Público da Bahia?
ESL – Acho que o Ministério Público da Bahia e de todo o país, desde a Constituição de 1988, tem desenvolvido um papel muito importante para a afirmação de direitos da sociedade. O MP da Bahia tem feito um trabalho belíssimo na área ambiental, na revitalização do Rio São Francisco nós temos um trabalho excelente. Nós temos promotorias regionais ambientais que têm feito a diferença nesse processo. Temos um trabalho, sem dúvida alguma, merecedor de vários elogios, inclusive ganhador de prêmio no Conselho Nacional, que são os Objetivos do Milênio, nas áreas de educação e saúde, com visitas, com fiscalizações nas escolas. Esse prêmio, que foi recebido há dois anos, fez com que nosso projeto fosse repicado em vários estados brasileiros. Nós temos colegas muito dedicados na elaboração e na aplicação de projetos voltados ao bem-estar social. Tem coisas que estamos fazendo agora, mas que os resultados só aparecerão a médio prazo. Estamos plantando sementes. Então eu avalio que o MP da Bahia está no caminho certo.
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