Publicado em 09/05/2016 às 20h10.

Fábio Mota: ‘Uber é concorrência predatória’

Secretário de Mobilidade de Salvador fala sobre a polêmica da chegada do Uber e sobre o transporte público de Salvador em entrevista ao bahia.ba

Evilasio Junior
Foto: Izis Moacyr / bahia.ba
Foto: Izis Moacyr / bahia.ba

 

O secretário de Mobilidade de Salvador, Fábio Mota (PMDB), comentou a polêmica sobre o Uber – aplicativo para pedir carros com motoristas particulares, que funciona de maneira similar ao táxi –, que chegou na capital baiana há 60 dias.

Em entrevista ao bahia.ba, o titular da Semob diz que, caso o entendimento da ministra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi, de que municípios e estados não podem legislar sobre a regulamentação do serviço, a prefeitura irá judicializar a questão.

“Sim, evidentemente. Não só com Uber, mas todos os aplicativos que venham a concorrer com o táxi. É uma concorrência predatória, sim. O serviço é igual. Não é transporte individual. Ele vive de fazer a concorrência de fazer corrida. O mesmo serviço é feito pelo táxi. Nada contra o Uber, mas, da forma que está, faz concorrência desleal com os taxistas”, avaliou Mota, embora o atual sistema de táxi obrigue novos profissionais a desembolsar R$ 120 mil por alvará de licenciamento ou R$ 3 mil para alugar uma placa.

Sobre os ônibus, segundo o secretário, a reconfiguração das linhas está pronta e prevê extinção de boa parte dos itinerários que circulam na cidade. Atualmente, há 600 rotas e 3 mil coletivos na capital baiana, fora os 600 metropolitanos. Na avaliação dele, o problema para implantar reside no comportamento dos soteropolitanos.

“[será reduzido para] trezentas e vinte e três linhas. Por que reduz para isso? Porque no nosso estudo tem 227 linhas que transportam 79% da população. O que precisa hoje? É você reforçar as linhas de maior demanda. Você precisa tirar ônibus de algum lugar. Replanejar a cidade. Tem que mudar a cultura da população. O número de ônibus não reduz. Não tem desativação de ônibus. Os ônibus metropolitanos precisam sair da cidade. Quando a gente fizer o plano, vamos botar ônibus para cobrir essas áreas. Ele [transporte metropolitano], na verdade, além de prestar péssimo serviço como transporte público, traz problemas sérios em relação a contrato e concessões municipais”, detalhou.

Filiado ao PMDB – partido comandado na Bahia por Geddel Vieira Lima, homem de confiança do vice-presidente Michel Temer –, Fábio Mota não se coloca como pré-candidato a vice-prefeito de ACM Neto (DEM), nega a possibilidade de seguir para Brasília e diz que pretende se manter como secretário, mas avisa: “No Vitória, no dia que tiver eleição, já declarei, vou colocar meu nome para ser candidato”. Confira abaixo a entrevista na íntegra:

Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba
Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba

 

bahia.ba – A prefeitura ficou de analisar uma proposta de regulamentação do Uber. Um projeto de proibição chegou a ser aprovado na Câmara de Vereadores, mas ainda não foi sancionado. Como está a questão dentro da prefeitura? Ainda há chances de o Uber ser liberado em Salvador?

Fábio Mota – A lei de mobilidade regulamentou vários tipos de transporte na cidade. Acompanhando a Constituição Federal, o artigo 30 diz que é o município que tem regulamentar o serviço de transporte público na cidade de Salvador. Então, considerando que o Uber é concorrente do táxi – até porque a remuneração do motorista é através da corrida – ele não tem contrato com a Uber e vive da corrida que faz. As similaridades dele com o táxi são muito grandes. Para nós da prefeitura, ele está como transporte clandestino na cidade e continuamos a fazer as fiscalizações. De janeiro até agora, mais de 160 veículos foram apreendidos por ser transporte clandestino.

.baTodos Uber?

FM – Não. Ônibus, pessoas fazendo transporte escolar sem autorização… Temos cinco tipos de transporte autorizados: o Serviço de Transporte Público Coletivo de Passageiros por Ônibus (Stco), o Subsistema de Transporte Especial Complementar (Stec), o táxi, o transporte escolar e o transporte turístico. Esses são os transportes autorizados para fazer transporte de pessoas na cidade. Esses transportes passam por vistoria todo ano. São fiscalizados o item de segurança do veículo, os condutores precisam entregar antecedentes criminal e a prefeitura tem o cadastro de todos. Enfim, tem todo um rito para que o serviço possa ser regulamentada e autorizada pela prefeitura. O Uber, especificamente, não passa por vistoria por não estar regulamentado. Não sabemos quem são os motoristas. Por não ter regulamentação, no Brasil inteiro é considerado transporte clandestino.

.baA prefeitura fez uma opção, desde o ano passado, de que o Uber não é bem vindo. A ministra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi, disse que o Uber seria um transporte privado-individual e, por isso, apenas uma legislação federal poderia regulamentá-lo. No caso dos mototaxistas, a prefeitura já trabalha na regulamentação. Não seria o mesmo caso?

FM – Não seria. Voltando para o Uber, se você ler a lei de mobilidade, não há regulamentação do transporte individual. Por não ter regulamentação, não está inserido a nenhum dos artigos da lei. O mototáxi é outro tipo de transporte. Estamos falando de transporte de duas rodas. No município de Salvador, diferentemente do táxi, não tem regulamentação para mototáxi. Não é concorrente direto para o táxi. É um serviço que já existe há mais de 20 anos. É uma realidade que precisava ser enfrentada. Nós enfrentamos e resolvemos regulamentar. Para tanto, é claro que montamos um grupo de trabalho que passou 10 meses estudando. Fizemos uma legislação própria. Salvador tem a maior densidade populacional do país. A mais acidentada do país. O prefeito ACM Neto mandou um projeto para a Câmara, que vai apreciar se autoriza ou não pessoas serem transportadas por motos. Veja a diferença. Estou falando de moto, não de carro. Carro a gente já tem. Dois tipos de táxi: normal e executivo. Moto, há regulamentação em outras capitais do Brasil, mas Salvador não tem. É um transporte novo. Tem a característica de fazer pequenas viagens. Viagens curtas em locais que não entram táxi nem ônibus. Na hora da regulamentação, vamos ter esse cuidado para ele não ser concorrente do ônibus nem do táxi.

.baQuando sai a regulamentação?

FM – A Câmara vai apreciar se autoriza. A Câmara aprovando, vamos ter 120 dias para a Secretaria de Mobilidade fazer a regulamentação. Vamos ajustar poucas coisas. Mas espero que até dezembro o prefeito esteja assinando a regulamentação dos mototaxistas na cidade de Salvador.

Foto: Izis Moacyr / bahia.ba
Foto: Izis Moacyr / bahia.ba

 

.baA gente fez um teste na redação com o serviço do Uber. Ele é muito mais barato. Conversamos com alguns motoristas e eles falaram que, se forem hoje para o mercado de táxi, vão ter que pagar entre R$ 120 mil e R$ 130 mil para comprar um alvará. Ou se alugar uma placa vão ter que entrar com débito de R$ 3 mil por mês – o que é uma espécie de exploração de mão-de-obra. Ainda falam por aí, não sei se tem veracidade, que muita gente possui alvará de forma irregular, inclusive vereadores. Não está na hora de fazer uma auditoria no sistema de táxi para que ele seja justo e saia mais barato, tanto para o taxista tanto quanto para a população – já que a bandeira 2 em Salvador é a mais cara do país.

FM – O reajuste do táxi é pelo IPCA. O preço básico está em cima do combustível, troca de óleo, dos itens do carro de forma geral. Discordo de o táxi ser caro. O preço do táxi está em função de economia. O Uber não paga imposto. Para fazer auditoria no táxi, é preciso ter marco jurídico de direitos e deveres que não tínhamos. Varias administrações prometeram e não cumpriram. A partir de 14 de março de 2016 está escrito quais são os requisitos básicos para você ser taxista em Salvador. No regulamento, 30 dias depois entraríamos com um recadastramento de todos os táxis de Salvador. Todo mundo diz que é caixa preta, mas ninguém ainda teve coragem de enfrentar. Isso é um folclore. Lançamos uma portaria, publicada há 10 dias, agora temos 120 dias para recadastrar todos os táxis. Então, para dizer se tem alvará irregular ou não, só vou saber no final. E mais: no período de 120 dias está proibida a transferência. Suspendemos as transferências para não correr o risco de alguém tentar regularizar no período de 120 dias.

.ba Uma empresa pode ter quantas placas de táxi ?

FM – A empresa tem que ter 10% do sistema. O que diz no regulamento é que qualquer pessoa que tem alvará pode ter motorista-auxiliares. Se o motorista-auxiliar é remunerado ou não pelo dono, é a relação dele com o dono do táxi. A prefeitura permite o cadastro de três pessoas por veículo: o dono mais dois.

.baSe houver uma decisão superior favorável ao Uber, a prefeitura estuda recorrer?

FM – Sim, evidentemente. Não só com Uber, mas todos os aplicativos que venham a concorrer com o táxi. É uma concorrência predatória, sim. O serviço é igual. Não é transporte individual. Ele vive de fazer a concorrência de fazer corrida. O mesmo serviço é feito pelo táxi. Nada contra o Uber, mas, da forma que está, faz concorrência desleal com os taxistas. A essência do Uber não está regulamentada. Teria que ser regulamentado pelo governo federal. Não há nenhuma lei no Brasil que regularize o Uber.

Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba
Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba

 

.ba – No Brasil, o Uber é uma novidade, mas o serviço funciona em outros países. Há algum exemplo internacional que a prefeitura estuda para ser aplicado?

FM – Tem a cidade de Buenos Aires. Acabou de tirar o aplicativo da rua. O prefeito de Buenos Aires conseguiu na Justiça. Considera que é predatório. Na Alemanha é uma briga. No mundo inteiro, com exceção dos Estados Unidos. Acho que o Uber é exploração muito grande para o funcionário. Chega ao Brasil, não paga imposto federal, estadual, municipal. Se estabelece sem alvará da prefeitura. Pega pessoas que estão vivendo uma situação difícil no país. Bota o cara para fazer enfrentamento.

.baEm relação ao mercado de trabalho, o motorista não tem R$ 120 mil para adquirir um alvará ou R$ 3 mil para pagar o aluguel de táxi por mês, está com o carro na mão e quer trabalhar. Não acha que é restrição de mão-de-obra?

FM – A quantidade de placas de táxi na cidade é compatível com a população. Salvador não pode ter mais de 7,2 mil táxis. Se você quer ser taxista em Salvador, tem que ser por meio de licitação publica. No final do recadastramento, vai sobrar com certeza e a pessoa vai concorrer de forma leal. Temos ilegalidade em vários setores de pessoas que estão desesperadas em trabalhar. Em 60 dias, tem 48 motoristas de Uber. O Uber tem uma dificuldade para ser fiscalizado em Salvador. No Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, o Uber é padronizado. Ele é preto e o carro tem quer ser a partir de 2010/2011. O Uber que veio para Salvador, o carro pode ser a partir de 2007, com ar-condicionado, mas pode ser de duas portas e de qualquer cor. Então é muito difícil.

Foto: Izis Moacyr / bahia.ba

 

.baQuando as linhas de ônibus serão reconfiguradas?

FM – É um planejamento. Assumimos a secretaria há dois anos. O prefeito nos deu duas missões: licitação do transporte público e planejamento do Bilhete Único. Tínhamos só três pontos de distribuição do Bilhete Único. Saímos de três para 40. Hoje tem máquina de recarga de bilhete em todas as prefeituras-bairro, nos principais campos universitários – com exceção da UFBA. A Universidade Federal não quer. Depois você pergunta por que o reitor não quer uma máquina de recarga. É o único lugar que a gente não conseguiu botar. Criamos mais três pontos de atendimento do Salvador Card: Shopping da Bahia, Salvador Shopping e Salvador Norte. E criamos um no shopping de Cajazeiras. Qual é a segunda meta do planejamento? Uma parte da população diz que não tem o Bilhete Único, pois tem que pagar R$ 6,60. Hoje, o casco do Bilhete Único é gratuitamente distribuído. Ou seja, basta que a pessoa carregue uma passagem de ida e volta – que ele vai pagar os R$ 6,60 de ida e volta, mas o casco é grátis. Montamos um ponto-volante em um micro-ônibus do Salvador Card que circula bairro a bairro. Montamos um posto fixo na Estação Pirajá. Fizemos um esforço fenomenal em 90 dias. Tínhamos uma meta de atingir 300 mil pessoas, mas só atingimos 60 mil. Nós entendemos que essa é uma forma de melhorar a mobilidade. O sistema de novas linhas está pronto. Como vou implantar o sistema de novas linhas se só tenho 12% da população que pega dois ônibus? Vamos fazer uma campanha com a CCR Metrô e o governo do Estado mostrando à população a vantagem de pegar dois ônibus em duas horas, no intuito de aderir mais pessoas ao Bilhete Único. A partir de 60% da população aderir ao Bilhete Único, vamos implantar o novo sistema. 

Nós temos um dos piores trânsitos do Brasil, mas é muito por causa dos 3 mil ônibus que rodam em Salvador e mais 600 metropolitanos. Começamos a estudar a mobilidade da cidade. Temos um problema crônico em Cajazeiras. Fizemos uma ligação de Cajazeira 5 com a 10 e ganhamos 35 minutos a mais do que se tinha antes. Tínhamos outro problema no Subúrbio. O Largo do Luso era um caos. Resolvemos um problema crônico na área da Suburbana. Criamos uma cultura nova. Um case de sucesso para o Brasil foi quando obrigamos a quem ganhasse o processo licitatório colocar em todos os ônibus o GPS. Salvador tem o monitoramento de 100% dos ônibus. Isso permitiu criar o Citta Mobi, o maior sucesso de tecnologia dessa gestão. Tudo isso foi um planejamento. Culminamos com a Estação da Lapa. Você tinha que ter uma estação decente. O que pensamos da nova Lapa diz respeito a todo o planejamento que nós fizemos na secretaria. O transporte público de Salvador hoje tem uma nota 7. Em um ano avançou mais que 30 a 40 anos. O ganho para o transporte público na cidade, durante esses dois últimos anos, eu considero uma coisa revolucionária.

.baHoje, você falou que são 600 linhas e 3 mil ônibus. No planejamento que o senhor falou que está pronto, reduz para quantas linhas, para quantos ônibus e qual é a meta para ser implantado?

FM – Trezentas e vinte e três linhas. Por que reduz para isso? Porque no nosso estudo tem 227 linhas que transportam 79% da população. O que precisa hoje? É você reforçar as linhas de maior demanda. Você precisa tirar ônibus de algum lugar. Replanejar a cidade. Tem que mudar a cultura da população. O número de ônibus não reduz. Não tem desativação de ônibus. Os ônibus metropolitanos precisam sair da cidade. Quando a gente fizer o plano, vamos botar ônibus para cobrir essas áreas. Ele [transporte metropolitano], na verdade, além de prestar péssimo serviço como transporte público, traz problemas sérios em relação a contrato e concessões municipais.

.baEm relação aos ônibus, como a prefeitura tem auditado as reformas que são feitas nos equipamentos antigos?

FM – Há uma grande polêmica aí. Nós definimos que a idade média é de quatro anos. Quando você diz isso, é porque tem ônibus zero, mas também você tem ônibus de 2009. Nós definimos uma padronização, pois é melhor para fiscalizar e melhor para organizar. Os 1,6 mil que não são novos precisam se adequar. Passam por vistoria uma vez por ano.

.baE a situação dos idosos?

FM – Foi judicializada. Antes de a gente criar o cartão do idoso, o idoso tinha que apresentar a carteira de identidade. Alguns cobradores não estavam nem aí. Tinham que conferir. Isso acarretava transtorno para o idoso, filas. Por isso criamos o cartão do idoso. A defensoria entendeu que a gente estava restringindo o direito do idoso. Veja bem, 110 mil idosos fizeram o cartão, que não é obrigatório. Ou seja, quer dizer que 90% dos idosos são favoráveis ao cartão.

Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba
Foto: Izis Moacyr/ bahia.ba

 

.baO que tem de novidade na integração dos ônibus com o metrô?

FM – A integração já existe. Tem 11 linhas que fazem a integração. A gente já tem uma matriz de 27 linhas com mais 11. Vão ter 38 linhas integradas com o metrô. Na hora que integrar Pirajá com metrô, tem abrir a estação. Não tem como controlar se não abrir.

.baPara encerrar, com Geddel ministro – o senhor já disse que não vai para Brasília – Fábio Mota vai se manter secretário, tentar ser presidente do Vitória ou ser candidato a vice-prefeito?

FM – Eu estou em um projeto político das oposições ao governo do Estado. Tenho que liderar tarefas desafiadoras e cumprir todas. A principal é o BRT, que é uma perseguição política. Estou focado na gestão de [ACM] Neto. Brasília eu não vou porque meu trabalho em Brasília já fiz [foi secretário nacional do Turismo]. Pretendo continuar secretário. No Vitória, no dia que tiver eleição, já declarei, vou colocar meu nome para ser candidato.

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