Governo muda posicionamento e vai se opor ao avanço da PEC das Drogas
A medida visa adiar a votação ou trabalhar para alterar o texto, que prevê punição para o porte de entorpecentes.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve mudar seu posicionamento inicial e começar a atuar para frear o avanço da PEC (proposta de emenda à Constituição) das Drogas na Câmara dos Deputados. A medida visa adiar a votação ou trabalhar para alterar o texto, que prevê punição para o porte de entorpecentes.
Segundo matéria da Folha de São Paulo, a atuação, discutida no Palácio do Planalto e em ministérios, contrasta com o tratamento dado ao texto quando ele passou pelo Senado. Na ocasião, aliados do presidente Lula evitaram se posicionar por entenderem não ter força para influenciar o debate diante de um Congresso conservador. Responsáveis pela tentativa de convencer parlamentares de que não se deve criminalizar os usuários, os ministérios da Justiça e da Saúde devem agir de modo cauteloso, principalmente pela delicadeza do assunto que tem potencial de opor Lula ainda mais a grupos como evangélicos, já refratários ao presidente.
Com um Congresso considerado mais conservador, o Planalto vem lidando com cautela com temas considerados polêmicos e que possam entrar na seara de costumes ou ideologias. Integrantes do governo avaliam, no entanto, que a gestão Lula não pode correr o risco de ficar distante do debate como ocorreu no caso do PL Antiaborto por Estupro e precisa se posicionar, mesmo que acabe derrotado no Congresso.
A estratégia definida pelo governo é tratar o tema como uma questão de saúde pública e não de costumes e defender o tratamento da posse e do uso de drogas como um ato ilícito, passível de sanções administrativas, mas não como crime. Aliados de Lula devem reforçar o discurso de que são contra as drogas, argumentando que criminalizar o usuário pode afastá-los do acesso a serviços de saúde. A propagação da leitura de governistas de que a PEC acaba por afetar, sobretudo, populações negras e periféricas, também estão previstas.
Auxiliares do presidente avaliam que há chances de evitar o avanço da proposta, por enquanto, em vista da repercussão negativa em torno da PL Antiaborto por Estupro que gerou desgastes ao Parlamento, rejeição popular e mostrou que assuntos sensíveis não devem ser discutidos de forma açodada. A expectativa é que os debates sejam retomados só depois das eleições municipais, em outubro.
Comissão Especial
Anunciada no final de junho, a comissão criada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), oficializou a criação de uma comissão especial para discutir a PEC das Drogas, segue sem definição de quando será instalada, o próprio Lira sinalizou aos pares que não deve acelerar a tramitação da proposta. A medida vem em resposta ao STF (Supremo Tribunal Federal), horas antes, a corte havia decidido a favor da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, depois de nove anos de julgamento.
Após passagem rápida no Senado e apresentada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em setembro do ano passado, a aprovação veio em abril deste ano. Em junho, a PEC, que inclui na Constituição o crime de possuir ou carregar drogas, independentemente da quantidade e da substância, recebeu o aval da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara.
A tendência é que a comissão especial na Câmara seja composta por maioria de centro-direita, favorecendo sua aprovação. O governo pretende reforçar o discurso de que o Congresso precisa se concentrar nos projetos ligados à economia e que outras matérias sensíveis não devem ser prioridade. Quando for de fato instalada, a comissão deve enfrentar oposição, principalmente, da parte de auxiliares de Lula pretendem agir para ampliar o número de governistas no colegiado e colocar um time em atuação. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, quer trazer do exterior especialistas fora do campo da esquerda para debater a questão.
Quando foi entrevistado pelo UOL, o presidente Lula disse considerar “nobre” que haja uma decisão ou regra que faça a diferenciação entre os consumidores de drogas e os traficantes. Ele ponderou, no entanto, que a decisão não precisaria ter sido tomada pelo STF, acrescentando que a corte “não tem que se meter em tudo”. Depois, o ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) disse que o Congresso deve se debruçar sobre pautas econômicas, mas afirmou que ministros se envolverão no debate da PEC das Drogas. A secretária Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos, Marta Machado, afirmou à Folha que tem defendido junto a parlamentares o teor da decisão do STF.
“A gente está dialogando com diversos parlamentares para tentar justamente esclarecer um pouco mais a decisão do STF. Ao contrário do que os discursos mais populistas dizem, não é um ‘liberou geral’”, afirmou.
Machado argumentou que a decisão é clara ao determinar que o Executivo, junto ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e ao Congresso, regulamente as sanções administrativas a serem aplicadas aos usuários. Afirma ainda que o governo e os parlamentares devem elaborar medidas de conscientização e redução do consumo de maconha.
“A gente vai, para cumprir a decisão do Supremo, pensar um plano, com investimento robusto, em ações para a diminuição do consumo.”
Ela afirmou que mesmo os votos no STF contrários à decisão apontam falhas na aplicação da lei atual e que pesquisas comprovam que a lei é aplicada de modo diferente a pessoas negras e periféricas.
“Pesquisas e a experiência internacional mostram que a criminalização não é capaz de diminuir o consumo, a criminalização só joga os usuários nas mãos das facções e gera estigma”, disse a secretária.
Ela defende que é preciso investir recursos na asfixia do crime organizado. “A gente encarcera quem não precisaria estar encarcerado. E quando a gente encarcera, imediatamente uma pessoa é recrutada para as organizações criminosas.”
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