Após 38 anos, Rússia volta a condenar um jornalista americano por espionagem
Decisão surpreende não pelo conteúdo, mas pela velocidade e analistas acreditam em manobra política do Kremlin

A Justiça russa condenou nesta sexta-feira (19) o repórter americano Evan Gerchkovitch a 16 anos de cadeia sob a acusação de espionagem —o que ele nega. A decisão repercute de modo surpreendente não pelo conteúdo, mas pela velocidade. É o primeiro caso do tipo desde a Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética.
Segundo matéria do Folha de São Paulo, o jornalista do The Wall Street Journal, preso no fim de março do ano passado em Iekaterimburgo, principal cidade na divisa das porções europeia e asiática da Rússia, agora deverá ser objeto de uma troca de prisioneiros, embora o Kremlin tenha se recusado a comentar a possibilidade. Conduzido a portas fechadas, o julgamento de Gerchkovitch, normalmente levaria entre dois meses ou até um ano a depender do juiz para se solucionar. A resolução, porém, veio em menos de um mês: o processo começou em 25 de junho e teve sua segunda audiência na quinta (18).
Na sessão, a promotoria pediu 18 anos de prisão, dos 20 a que ele poderia ser sentenciado pelo crime apontado. Nesta sexta, a corte emitiu um comunicado afirmando que divulgaria sua decisão, algo extremamente inusual.
“Esta condenação vergonhosa e falsa ocorre depois de Evan ter passado 478 dias na prisão, detido injustamente, longe da sua família e amigos, impedido de reportar, tudo por fazer o seu trabalho como jornalista. Jornalismo não é crime e não descansaremos até que ele seja libertado”, afirmou o WSJ em nota.
O consenso entre analistas políticos é de que o governo de Vladimir Putin quer acelerar o processo de libertação de Gerchkovitch, provavelmente o trocando pelo agente Vadim Krasikov, condenado na Alemanha por matar um ex-comandante rebelde tchetcheno. Nesta sexta, o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, disse que não comentaria o caso. Antes, ele já havia dito que essas negociações precisam ocorrer fora do holofote da mídia para funcionar. A praxe russa é só efetuar essas trocas após a condenação do acusado. Foi o que ocorreu no fim de 2022, quando uma jogadora de basquete americana presa sob acusação de tráfico acabou trocada por um “senhor das armas” russo.
A acusação
Gerchkovitch, 32, é acusado pela promotoria de espionar segredos militares, o que ele nega. Em março de 2023, ele viajou a Iekaterimburgo para, segundo conhecidos, apurar uma reportagem sobre a capacidade industrial da Uralvagonzavod e recebeu documentos com dados de fabricação e reparo dos armamentos, no contexto da Guerra da Ucrânia. Para esses conhecidos, que corroboram a versão do repórter de que ele só estava fazendo seu trabalho, houve uma armação para prendê-lo.
No dia 29 de março, o repórter foi levado encapuzado por agentes do FSB, o serviço sucessor da KGB soviética, do Bukowski Grill, um popular restaurante ao lado da igreja construída no local em que a família imperial russa foi executada pelos bolcheviques em 1918. O FSB não comentou o episódio. A promotoria afirma que Gerchkovitch estava a serviço da CIA, a agência principal de espionagem dos EUA e a chancelaria russa, responsável por emitir credenciais a jornalistas estrangeiros, disse, sem apresentar evidências, que Gerchkovitch “se escondia” atrás do crachá de imprensa. Ambas alegações são negadas tanto pelo jornalista, o WSJ e o governo americano. Nenhuma prova foi apresentada ao público, e o julgamento foi secreto.
O presidente americano, Joe Biden, criticou a prisão e o processo como uma forma de o Kremlin usar o repórter como peça na disputa política entre Rússia e o Ocidente, agravada ao paroxismo pela guerra iniciada em 2022. Preso em condições de isolamento, Gerchkovitch escapou, ao menos até aqui, de parar em uma colônia penal no Ártico, parada final da jornada do líder opositor Alexei Navalni, morto em fevereiro sob circunstâncias misteriosas. Por enquanto, o jornalista reside encarcerado na notória prisão de Lefortovo, em Moscou, destino de diversos presos políticos na era soviética.
Embora haja diversos episódios envolvendo estrangeiros presos na Rússia, jornalistas credenciados não eram presos no país desde 1986. Naquele ano, o americano de origem russa Nicholas Daniloff ficou preso por 14 dias sob uma acusação semelhante à de Gerchkovitch. A situação do repórter, desconsiderando o elemento CIA da equação, se agrava quando considerado o tipo de apuração que o jornalista fazia e onde fazia. A Rússia é conhecida por não ver com bons olhos o conceito de vazamento de dados em nome da transparência, principalmente depois do início do conflito com os ucranianos. Desde o começo da guerra, leis restritivas à liberdade de imprensa, que já levaram vários repórteres locais à prisão, foram aprovadas.
Foi o caso de Ivan Safronov, condenado a 22 anos de cadeia acusado de espionagem, apesar de alegar ter apenas conversado sobre assuntos militares com interlocutores tchecos quando trabalhava na agência espacial russa.
Veículos independentes e entidades não-governamentais foram fechadas ou mudaram para o exterior. Na semana passada, o jornal The Moscow Times, que passou a operar na Holanda, foi declarado “indesejado”. O mesmo rótulo foi dado na quinta à fundação americana Carnegie, que também já havia fechado seu tradicional escritório em Moscou.
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