Divergência entre BC e Ministério da Fazenda sobre déficit nas contas chega a R$ 41 bi
Discrepânica, em valores corrigidos pela inflação, é a maior da história
O projeto da desoneração da folha de pagamentos, aprovado pelo Congresso com o aval do governo na quinta-feira (12), reforça as divergências entre Banco Central e Ministério da Fazenda sobre o tamanho do rombo fiscal. O texto aguarda agora por uma sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Segundo matéria do Estadão, o documento permite que o Tesouro Nacional contabilize como receita primária – ou seja, computada para a meta – os valores esquecidos por pessoas físicas e jurídicas em contas de instituições financeiras, como bancos, corretoras e cooperativas. Serão R$ 8,6 bilhões a mais no cofre do governo, um valor que não será considerado pelo BC no seu cálculo de resultado primário. Pelo arcabouço fiscal, porém, a verificação da meta é atribuição do Banco Central.
BC e Tesouro sempre divergiram em relação a como aferir esse resultado. A grande questão é que essa diferença deixou de ser residual e se aprofundou. No acumulado em 12 meses até julho, o rombo calculado pelo BC é superior em R$ 39,7 bilhões ao verificado pela Fazenda. Em valores corrigidos pela inflação, essa discrepância, a maior da história, chegou a R$ 41,1 bilhões, segundo levantamento do economista-chefe da Tullett Prebon Brasil, Fernando Montero. Procurado, o Tesouro não se manifestou.
Boa parte dessa divergência é explicada pelos R$ 26 bilhões deixados por trabalhadores nas cotas do PIS/Pasep, os quais foram incorporados pelo Tesouro em setembro do ano passado. Na ocasião, o governo contabilizou essa cifra no resultado primário, melhorando o dado fiscal de 2023. Isso ocorreu com o respaldo do Congresso, por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, aprovada no fim de 2022.
Esses valores, emtretanto, não foram computados como receita primária pelo BC, levando a uma diferença expressiva nos números apurados pelos dois órgãos. A diferença de quase R$ 40 bilhões ainda inclui cerca de R$ 8 bilhões de ajuste metodológico em relação às compensações aos Estados pela redução do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) e discrepâncias estatísticas mensais – que sempre existiram.
“Cria um problema grande de apuração (da meta) e de credibilidade sobre o conjunto de regras fiscais que a gente tem”, diz Gabriel Barros, economista-chefe da ARX Investimentos e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão atrelado ao Senado Federal.
A apuração do resultado primário é feita baseada na diferença entre receitas e despesas, sem considerar os juros da dívida pública. Ou seja, é o número que determina se o governo fechou o ano no azul ou no vermelho e se cumpriu ou não a meta estabelecida pela equipe econômica.
“O (resultado) primário serve para avaliar como está sendo o desempenho da administração pública para conseguir reduzir a sua dívida a partir da política fiscal, se (ela) está sendo expansionista demais, contracionista demais, se está investindo nos lugares certos”, ressalta João Pedro Leme, analista da consultoria Tendências.
Para analistas, a perda de transparência e credibilidade em relação ao resultado primário do País ajuda a impulsionar o cenário de incerteza em relação às contas públicas. Além disso, a Fazenda,
ao sustentar o seu número primário, vai na contramão do que diz a lei do arcabouço fiscal, de que o cálculo da meta é de responsabilidade do BC. Isso, avaliam os especialistas, pode trazer o Tribunal de Contas da União (TCU) para o centro do debate, com o objetivo de arbitrar a questão.
“Fica uma dúvida gigante. Ninguém sabe como vai ser apurado (o resultado primário). Certamente, o TCU vai ter de entrar na jogada. Criaram um imbróglio jurídico, de como vai ser feita a apuração. O arcabouço diz claramente que o cumprimento é feito pelo dado divulgado pelo BC”, afirma Barros.
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