‘Ecos Malês’ na Casa das Histórias abre calendário do Novembro Salvador Capital Afro
A cerimônia de abertura da exposição e das atividades do Novembro Salvador Capital Afro contou com a presença da vice-prefeita, Ana Paula Matos, e dos gestores das secretarias municipais
Abrindo a programação do Novembro Salvador Capital Afro, com um mês inteiro dedicado à celebração e à valorização da cultura afrodiaspórica da cidade, a exposição ‘Ecos Malês’ está disponível para visitação, a partir desta sexta-feira (1º), na Casa das Histórias de Salvador (CHS). A mostra segue até o mês de maio, reunindo ecos de um dos maiores e mais representativos levantes liderados por africanos escravizados e libertos na história do Brasil, ocorrido em janeiro de 1835. A entrada está sendo gratuita nesse dia de abertura.
A cerimônia de abertura da exposição e das atividades do Novembro Salvador Capital Afro contou com a presença da vice-prefeita, Ana Paula Matos, e dos gestores das secretarias municipais. Na ocasião, a Prefeitura assinou um acordo de cooperação internacional entre Salvador e a República do Benin para trocas de experiências entre os dois povos e para garantir que o Benin possa também investir na Casa do Benin, equipamento cultural de intercâmbio entre as culturas africanas e brasileiras.
A vice-prefeita destacou que, quanto mais a Prefeitura reconhecer os problemas da cidade e escutar para construir os caminhos, mais ela será, de fato, antirracista. “Salvador só é o que é pela sua cultura, pela sua história e pela sua ancestralidade. O Novembro Salvador Capital Afro hoje está sendo falado, historiado e marcado como uma posição de cidade, mas Salvador é, sim, essa capital afro que tem que respeitar, reconhecer e ter políticas de combate ao racismo institucional e estrutural, tem que ser uma cidade antirracista, mas, sobretudo, que dá meios para que o nosso povo tenha construção econômica em posição”.
A exposição Ecos Malês tem curadoria de João Victor Guimarães, co-curadoria de Mirella Ferreira e reúne 114 obras de 48 artistas, sendo que 12 deles integram o coletivo Arquiteturas da Revolta. Quem for ao equipamento cultural vai poder conferir obras de Ventura Profana, Voltaire Fraga, Rose Aféfé, Karamujinho, Helen Salomão, Jasi Pereira e Malê Debalê, entre outros. Ecos Malês provoca uma reflexão sobre movimentações históricas e atuais, protagonizadas por personalidades negras que lutaram e que lutam pela liberdade.
Várias obras estão reunidas no 4º andar da Casa das Histórias, entre elas esculturas, pinturas, fotografias, gravuras, site specific de paredes de adobes, macumbas pictóricas, que é como o artista Cipriano se refere à própria obra, bandeiras, patuás e videoperformance, divididas em três núcleos: Encontrar, Ruas da Revolta, e Inventar (Liberdade e Defesa).
Para o titular da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult), Pedro Tourinho, é uma alegria enorme ter a exposição Ecos Malês na Casa das Histórias. “É uma exposição super importante. que está acontecendo na Casa das Histórias, porque a revolução Malê é uma história que não foi contada oficialmente, uma história importantíssima, que formou a cidade enquanto uma cidade que questiona, uma cidade independente. Ter essa mostra aqui é institucionalizar um acontecimento pela linguagem das artes, das expressões, os ecos malês que são atemporais e isso tudo segue vivo, forte e inspirando a cidade”.
O curador João Victor Guimarães abriu a exposição ressaltando que hoje se inicia uma leitura de muitas histórias. “Essa exposição se torna um convite para que dediquemos os nossos corpos a enxergar no hoje heranças filosóficas, políticas e intelectuais, belezas que existem e, juntas, a partir de intensa pesquisa, estão aqui para celebrar os 190 anos dessa que é a mais documentada revolta no Brasil, a Revolta dos Malês. Ecos Malês é esse espaço de construção coletiva e a oportunidade de dialogar com a cidade sobre um tema tão importante através de obras de artistas também importantes”.
Núcleos e obras – O primeiro núcleo, Encontrar, reflete o valor do encontro entre os malês, em sua maioria haussás e nagôs, para a organização do levante. A exposição destaca a importância do compartilhamento de informações e da construção de redes de apoio entre os participantes da revolução. A Revolta dos Malês foi vitoriosa na medida em que conseguiu vencer as tecnologias separatistas do colonialismo, unindo diferentes grupos de pessoas negras para lutar pela liberdade. Esse ideal pode ser identificado nas obras da artista Helen Salomão, que explora a intersecção entre identidade, afeto e laços familiares, especialmente a partir de sua experiência com o matriarcado na sua família.
O segundo núcleo, Ruas da Revolta, explora os ambientes onde a revolta ocorreu. Entre as obras apresentadas, está um mapa organizado pela equipe de pesquisa da exposição, a partir do livro Um Defeito de Cor e atualizado com algumas informações históricas que não estavam presentes no livro. Este núcleo também apresenta artistas que pensam cidades, a exemplo de Rose Afefé, artista de Varzedo, no interior da Bahia, que volta a expor na capital baiana após 12 anos. Rose construiu Terra Afefé, uma “microcidade” de três hectares na cidade de Ibicoara, na Chapada Diamantina.
Na exposição, Rose Afefé apresenta a obra Paredes, que são paredes de adobe com telas para a exposição. As três paredes têm uma tela feita com tinta acrílica. O curador João Victor explica que as telas serão vendidas por uma taxa a ser revertida na realização de um sonho de uma pessoa que Rose encontrou na rua. “O desejo é colocado na obra, e quando ela é vendida, o comprador paga para realizá-lo. É uma forma de redistribuir a renda e fazer com que o comprador da obra financie e viabilize a realização do sonho de uma pessoa que está em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Rose é uma artista revolucionária que está investigando os poderes de renda e da arte”, revela João Victor.
Já o terceiro núcleo, Inventar (Liberdade e Defesa) aborda a busca dos Malês pela liberdade e o papel da resistência espiritual e religiosa. A curadoria entende que a Revolta dos Malês foi também em razão da necessidade de preservar a subjetividade e espiritualidade de uma parcela da população negra. Este núcleo inclui trabalhos de artistas como o estreante Karamujinho, com fotografia de gravuras feitas com Efun (ou a sagrada Pemba) sobre a pele e a artista baiana Jasi Pereira, do Engenho Velho da Federação, que, após expor esculturas em outros países, está expondo pela primeira vez um conjunto de gravuras sobre sua experiência de retorno à Salvador e ida a Luanda, em Angola, no ano passado.
“É uma grande alegria estar aqui e poder escutar esse eco, poder escutar aquilo que aconteceu há 190 anos atrás e segue acontecendo por meio de diversas manifestações. Ainda que a revolta tenha vivido um lapso de tempo muito curto, foi apenas uma noite de preparação para acontecer a revolta, que foi embargada, ainda que aquilo não tenha acontecido como previsto, esse eco, essa força de revolução continua reverberando nos nossos corpos”, disse Jasi Pereira.
O estudante de Dança, Ruan Wills, de 30 anos, fez questão de apreciar as obras no primeiro dia e pretende retornar para ter uma segunda experiência. “Esse é um primeiro momento, mas de cara já conseguimos ver de fato os ecos dos malês na exposição e conseguimos ver que continua ressoando até hoje em obras contemporâneas, mais modernas, em obras de outro tempo, mas ainda ligadas. Que esse possa ser um grande lugar de ensinamento para a gente aprender com esses ecos a fazer novas revoltas”.
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