Publicado em 11/01/2025 às 13h30.

História da Bahia: Maria Quitéria e Joana Angélica eram donas de escravos; veja cartas

As personagens históricas da independência do Brasil na Bahia concedem liberdade a escravizados dos quais eram donas

Redação
Foto: Arquivo Público do Estado da Bahia

 

Cerca de 20 mil cartas de alforria descritas em português arcaico foram encontradas pelo historiador e pesquisador Urano Andrade e dois nomes saltaram aos seus olhos: os de Joana Angélica e Maria Quitéria.

As personagens históricas da independência do Brasil na Bahia concedem liberdade a escravizados dos quais eram donas.

No documento de 1816 e registrado em 1824, Joana Angélica comprova que ela foi dona de Florinda de São José, que aparece entre seus bens, e ainda a passou para duas irmãs do Convento de Nossa Senhora da Conceição da Lapa.

A carta indica que a alforria foi condicionada à morte da dona, que aconteceu em 1822. A condicionante é comumente encontrada nas cartas. “A liberto de hoje para sempre e poderá gozar de sua liberdade como se nascesse livre do ventre de sua Mãe”, diz um trecho da carta. Confira a foto e a transcrição completa a seguir:

Carta de Liberdade de Florinda de São José:

“Digo eu a Madre Abadessa Soror Joanna Angelica de Jesus que entre os bens que possui esta Religiosa comunidade é bem assim uma escrava de nome Florinda de São José, a quem foi dada a Madre Joanna Maria de Jesus e Madre Anna Maria da Encarnação para o seu serviço dentro desta clausura a que a dita escrava a liberto de hoje para sempre e poderá gozar de sua liberdade como se nascesse livre do ventre de sua Mãe. E para clareza passo esta por mim assinada. Bahia, e Convento de Nossa Senhora da Conceição da Lapa 22 de junho de 1816. Soror Joanna Angelica de Jesus, Abadessa. Soror Joanna Maria das Chagas Escrivã, Soror Thomazia Maria do Coração de Jesus Disereta, Soror Maria Bernardina do Paraíso Disereta. Reconheço as firmas supra. Bahia, 27 de fevereiro de 1824, estava o sinal público, em testemunho de verdade. Francisco Teixeira da Mata Bacelar. Ao Tabelião Mata. Bahia, 27 de fevereiro de 1824. Simões. E nada mais continha a dita carta de liberdade que aqui lavrei da própria que entreguei a quem me apresentou, e abaixo assinei, e com outro oficial concertei nesta Cidade da Bahia aos 28 de fevereiro de 1824, eu Francisco Teixeira da Mata Bacelar Tabelião a escrevi e assinei.”

Outra personagem com história marcante na Bahia, Maria Quitéria era dona do escravizado Mauricio. A alforria dele teria sido avaliada em 400 mil réis, mas, na carta, a heroína da pátria e senhora de escravos a concede por 300 mil réis “por caridade”.

A carta de 1852 é assinada por Luiza Maria da Conceição, filha e única herdeira de Maria Quitéria. “Cuja liberdade lhe permito muito de minha livre vontade, sem levar a terceiro, para que rogo as justiças de Sua Majestade Imperial e Constitucional a façam cumprir e guardar como nela se contem, gozando-a o referido escravo, como se de ventre livre nascesse”, diz um trecho da carta. Confira a foto e a transcrição completa a seguir:

Liberdade de Mauricio, nagô:

“Ao Tabelião Neves. Bahia, três de novembro de mil oitocentos e cinquenta e dois. Seixas. Número nove. Cento e sessenta. Pagou cento e sessenta réis. Bahia, três de novembro de mil oitocentos e cinquenta e dois. Andrade Silva Rego. Pela presente carta assinada por minha filha Luiza Maria da Conceição, única herdeira que tenho, concedo a meu escravo Mauricio nagô sua liberdade pela quantia de trezentos mil réis, o que enquanto o seu valor seja de quatrocentos mil réis, eu lhe perdoo cem mil réis por caridade, recebida a dita quantia ao passar esta, presente as testemunhas abaixo assinadas, cuja liberdade lhe permito muito de minha livre vontade, sem levar a terceiro, para que rogo as justiças de Sua Majestade Imperial e Constitucional a façam cumprir e guardar como nela se contem, gozando-a o referido escravo, como se de ventre livre nascesse. Bahia, nove de outubro de mil oitocentos e cinquenta e dois. Por Maria Quitéria de Jesus, Luiza Maria da Conceição. Como testemunha que esta escreve a rogo da Senhora Dona Maria Quitéria de Jesus, por em falta de vista Bernardo José Nobrega, Nicácio Jorge Martins, Maria Luiza da Conceição. Reconheço os sinais. Bahia, três de novembro de mil oitocentos e cinquenta e dois. Em fé de verdade sinal público. Francisco Ribeiro Neves. Reportei, me reporto e conferi na Bahia, em três de novembro de mil oitocentos e cinquenta e dois. Eu Francisco Ribeiro Neves, Tabelião de Notas. Por mim escrivão. José Pereira França. Ribeiro Neves.”

Kristin Mann, que estudava escravos capturados na África e os respectivos destinos deles, inspirou Urano Andrade a buscar as cartas de alforria registradas na Bahia e criar um banco de dados. Também participam do projeto João José Reis, Luís Nicolau Parés e Lisa Earl Castillo.

O recorte temporal é de 1664 a 1980. Agora, Urano está no ano 1855. Ele usa a técnica de paleografia para ler o material já em condições precárias, faz a digitalização, destaca os principais pontos e insere na planilha. Também compartilha as descobertas no blog Pesquisando a História.

“São histórias de vida contadas através desses documentos. Quero narrá-las e preservá-las para que não se percam”, disse Urano. As histórias são fortes e, apesar da empolgação a cada nova descoberta, diversos trechos das cartas são de arrepiar.

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