Código antiostentação da OAB: casa de ferreiro, espeto de pau
Como numa comédia jurídica, o advogado pode ser brilhante, mas não pode brilhar demais; pode ter sucesso, mas precisa evitar parecer bem-sucedido

Por Nelson Wilians*
Poucas coisas são tão fascinantes quanto a contradição humana. O médico que negligencia a própria saúde; o coach financeiro endividado; o advogado que defende a liberdade mas se vê tolhido por regras que limitam a sua própria.
“Casa de ferreiro, espeto de pau” nunca fez tanto sentido. E aqui estou eu, novamente, trazendo esse tema à mesa. Quando o assunto é ostentação e o uso das redes sociais por advogados, sempre há algo novo, ou absurdamente retrógrado, sendo debatido.
Na minha opinião, qualquer tentativa de impor restrições ao uso das redes sociais privadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não é apenas ultrapassada, é um flerte perigoso com a censura. Para uma classe que preza pela liberdade, isso é, no mínimo, paradoxal. Parece um roteiro de comédia jurídica, mas é apenas a realidade.
Quem empunha discursos inflamados sobre transparência impõe sigilos. Quem brada sobre o livre mercado regula até o tamanho da placa do escritório. Quem defende a liberdade de expressão vê problemas quando advogados expressam sucesso.
E aqui surge a verdadeira questão: quando a incoerência se institucionaliza, ela deixa de ser um lapso e se torna um sistema. Um sistema que não apenas limita, mas molda a narrativa conforme suas próprias conveniências.
A preocupação real não é a ética, mas a estética. E, nesse teatro, a liberdade de expressão se torna refém de um script escrito por quem tem medo de perder o protagonismo.
Nos Estados Unidos, a Primeira Emenda protege amplamente a liberdade de expressão, incluindo a de advogados nas redes sociais. Isso permite que profissionais promovam seus serviços e compartilhem opiniões legais sem receios. Enquanto no Brasil prevalece uma postura restritiva, nos EUA a liberdade é ampla, ainda que acompanhada de debates sobre seus limites.
O que essas restrições realmente protegem? A advocacia ou a vaidade institucional de quem as impõe? A OAB pode argumentar que protege a integridade da profissão, evitando distorções. Mas liberdade sob controle ainda é liberdade? Brilhar, mas só com moderação?
E comparar com os EUA? Seria injusto. Lá, advogados podem anunciar como redes de fast-food, enquanto aqui nos contentamos em servir o direito em porções controladas. O mercado lá é aberto, mas aqui seguimos cercados por muros regulatórios.
Com o endurecimento das regras e o crescente escrutínio internacional sobre democracias, essa limitação deixa de ser um problema interno. Em um mundo onde a imagem institucional de um país impacta relações comerciais e diplomáticas, esse tipo de restrição pode levantar dúvidas sobre o ambiente jurídico brasileiro.
Se um país impõe limites rigorosos à comunicação de seus advogados, isso não poderia ser visto como um sinal de alerta para nações que priorizam a liberdade de mercado e de expressão?
Restrições excessivas não apenas enfraquecem a advocacia, mas podem prejudicar profissionais que atuam globalmente, seja na obtenção de vistos, no reconhecimento internacional ou na confiança de investidores estrangeiros.
E assim seguimos, equilibrando na corda bamba da coerência.
De um lado, bradamos pela liberdade; do outro, policiamos quem a exerce. Defendemos a transparência, mas impomos regras pouco transparentes.
Combatemos a censura, mas só até o momento em que a opinião alheia nos incomoda.
Enquanto advogados nos EUA fazem lives, publicam opiniões e ampliam sua voz, por aqui seguimos debatendo o que pode ou não ser postado.
O advogado pode ser brilhante, mas não pode brilhar demais. Pode ter sucesso, mas precisa evitar parecer bem-sucedido.
Talvez o erro seja tentar enxergar lógica onde o que existe é apenas conveniência. Como um ferreiro que exige que todos usem espadas afiadas, mas insiste em empunhar um espeto de pau.
*Nelson Wilians é advogado, fundador e presidente do NWADV e empreendedor
Mais notícias
-
Artigos
08h00 de 06/09/2025
O sexo que o capacitismo insiste em negar
Assexybilidade, longa-metragem de Daniel Gonçalves, desafia os tabus sobre sexo e deficiência
-
Artigos
20h04 de 27/08/2025
OPINIÃO: Encontro de Bruno e Jerônimo é sinal de maturidade, mesmo tardia
Demorou, mas chegou; e a população de Salvador espera que, assim, sua vida melhore
-
Artigos
13h47 de 26/08/2025
Extradição não é deportação
Entenda o pedido que foi realizado ontem pelo Itamaraty à Itália.
-
Artigos
13h07 de 22/08/2025
OPINIÃO: Pesquisa mostra claramente quem está com quem para 2026
Neto é preferido entre mais ricos, jovens, mulheres e evangélicos; o governador é escolhido por mais pobres, mais velhos, homens e católicos
-
Artigos
20h30 de 18/08/2025
Sim ao açaí: a gastrodiplomacia às vésperas da COP 30
Pratos típicos carregam mais do que sabor: representam história, valores e modos de vida
-
Artigos
18h16 de 18/08/2025
Sem esquerda no 2º turno, Bolívia dá guinada à direita
Esta é a primeira vez, em quase duas décadas, que o ex-presidente Evo Morales não participa da corrida eleitoral
-
Artigos
17h06 de 14/08/2025
Desconhecimento, silêncio e impunidade: a sistemática violência contra a mulher na Etiópia
Dentre os crimes relatados no estudo, os mais praticados foram estupro em massa, gravidez forçada e praticas de tortura sexual
-
Artigos
10h13 de 14/08/2025
Intervenção federal em Washington e o que Trump parece querer esconder
-
Artigos
06h30 de 13/08/2025
Xefonofia, antissemitismo e os limites da liberdade de expressão na era da IA
Um olhar para a GrokAI, de Elon Musk
-
Artigos
06h15 de 13/08/2025
OPINIÃO: Realidade paralela
Artigo escrito pelo atual líder da oposição na ALBA e presidente do PSDB na Bahia, Tiago Correia