O que é paternidade para casais gays? Casal conta como realizou sonho de ter filhos
Juntos há quase 19 anos, Flávio Moura e Márcio Xenofonte são pais de Caio e Laís
Gabriela Araújo
Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução/Redes Sociais
A tradicional família brasileira vem mudando nos últimos anos. O conceito de “pai [homem cis] e mãe [mulher cis]”, antes tido como único modelo familiar, agora, passa a ser plural, em meio as possibilidades que vão desde adoção à reprodução assistida, método que vem sendo utilizado por casais gays, que sonham em ser pais.
A decisão, por sua vez, nem sempre é simples, e envolve uma série de reflexões e diversos questionamentos. “Como vamos ter os nossos filhos?”, é uma das dúvidas que paira entre os casais homoafetivos.
Essas e outras indagações foram levantadas dentro do lar do arquiteto Flávio Moura, de 46 anos, morador de Salvador, após o casamento com o seu companheiro Márcio Xenofonte. Ao bahia.ba, Flávio contou como surgiu o despertar para a paternidade.
“Sempre gostei muito de criança. Sempre tive esse sonho de ser pai. À época, eu ainda namorava com Márcio e a gente casou quando tinha 10 anos de relacionamento. Eu sempre falava desse meu desejo, dessa minha vontade [de ser pai], e ele sempre, digamos assim, corria do assunto”, contou.
O que antes era apenas um desejo individual transformou-se em um sonho do casal, segundo disse o arquiteto, que expressou contentamento ao falar sobre a decisão do companheiro.
“Chegou uma hora, que ele também abraçou a causa, e me surpreendeu dizendo que topava também, e que tinha chegado a hora da gente começar a fazer esse processo. Foi uma alegria imensa porque eu fui criado dessa forma, para ser pai, e construir uma família”, afirmou ele.
No Brasil, houve um crescimento de lares formados por casais do mesmos sexos nos últimos 12 anos. O número passou de 59.957 para 391.080, de acordo com os dados do Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O instituto, contudo, não mapeia a quantidade de pais ou mães do mesmo sexo que formam uma família.
“Um corpo fora da gente pulsando”: a emoção da paternidade
Juntos há quase 19 anos, o casal oficializou a união em 2020. Um ano após o casamento, Flávio e Márcio decidiram aumentar a família. O método escolhido pelo casal para gestar uma nova vida foi o de barriga de aluguel, em Bogotá, na Colômbia.
“A gente começou a fazer um processo de barriga de aluguel fora do país, porque no Brasil ainda não é legalizado. A gente procurou uma empresa e começou o processo”, disse o arquiteto.
Ao bahia.ba, ele ainda relatou as aflições que passou ao lado do seu marido, durante o processo reprodutivo, que resultou no nascimento de Laís e Caio, ambos com 4 anos.
“O processo foi bem doloroso, no sentido literal da palavra, porque é a distância, financeiramente falando também. Mas, no final deu tudo certo. A gente também teve a pandemia no meio de todo o caso, que foi uma coisa que dificultou muito”, declarou, em seguida, ele completou falando sobre a emoção proporcionada pela paternidade.
“Quando a gente se viu com a casa cheia de gente e dois bebezinhos de colo nas nossas mãos, foi uma coisa fantástica. A mudança de sentimento, a mudança de plano, de perspectiva de vida. Tudo muda completamente. As pessoas falavam que eu ia ter o maior amor da vida quando tivesse com os meus filhos, mas eu acho que vai além disso, e que foge de qualquer explicação, o amor que a gente sente quando vê um filho nosso, em nossos braços”, acrescentou.
Veja
Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução/Instagram
Para ele, a paternidade simboliza a individualidade e a conexão entre duas vidas, o que ele chamou de “um corpo fora da gente pulsando”.
Entenda por que a barriga de aluguel é ilegal no Brasil
A barriga de aluguel é uma alternativa comum em diferentes países. O ato é feito quando alguém cede seu corpo para gerar o filho de outro casal, mediante pagamento pelo serviço prestado. A prática é ilegal no Brasil e pode ser enquadrada na Lei de Transplantes, que proíbe o comércio de embriões e de partes do corpo humano que não sejam renováveis, e na Lei de Biossegurança, que abrange a reprodução assistida.
Em contrapartida, a legislação brasileira autoriza a barriga solidária. Diferentemente da barriga de aluguel, a prática não envolve pagamento e deve seguir regras descritas na Resolução nº 2294/21, criada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
Saiba quais são os países autorizados a prática de barriga de aluguel
Países com a prática regulamentada de forma comercial
Nesses países, é legalmente permitido que a mulher que gesta o bebê receba uma compensação financeira pelo serviço. Essa prática é mais comum e regulamentada nos Estados Unidos, onde a legislação varia entre os estados. Outros exemplos incluem:
Geórgia;
Ucrânia;
Rússia.
Países com a prática permitida de forma solidária
A gestação de substituição é legal, mas é estritamente proibida qualquer forma de pagamento à gestante, exceto o reembolso de despesas médicas e outros custos relacionados à gravidez. O foco é na solidariedade.
Canadá;
Reino Unido;
Austrália.
Países que proíbem a prática
Alguns países proíbem a gestação de substituição de forma total, tanto a comercial quanto a altruísta, por motivos éticos, religiosos ou sociais. Entre eles estão:
Alemanha;
França;
Espanha;
Itália.
Dupla paternidade no Brasil: o que diz o projeto de lei 5.423/20?
Pensando nisso, a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) apresentou um projeto de lei 5.423/20 à Câmara dos Deputados para garantir o direito de registro de dupla maternidade ou paternidade a casais homoafetivos que tiverem filhos, independentemente do estado civil.
Segundo a proposição, nesses casos, será registrado no documento de identificação o nome dos genitores como sendo de duas mães ou de dois pais, conforme o caso.
O projeto, que já passou por análise das comissões temáticas do Legislativo, paralisou na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF), em 2024. Se for aprovado no colegiado, a medida é encaminhada ao Senado, se necessário, ou segue direto para sanção presidencial, que pode autorizar ou vetar a iniciativa.
Em contrapartida, Flávio Moura e Márcio Xenonfonte conseguiram registrar Caio e Laís, assim que chegou ao Brasil, após o nascimento deles. “Quando chegou no Brasil, a gente deu entrada e conseguimos colocar o nome dos dois pais tanto na certidão como nos outros documentos”, explicou.
Jornalista. Repórter de política, com experiência em assessoria de comunicação, social media e rádio. Bicampeã do Prêmio Jânio Lopo de Jornalismo, concedido pela Câmara Municipal de Salvador (CMS).