Publicado em 29/08/2025 às 05h30.

Representatividade lésbica nas telas de Salvador: conheça o Cineclube Violeta

Iniciativa itinerante promove acolhimento e diversidade dentro e fora das telas.

Júlia Cezana
Créditos: Milena Palladino/Instagram

 

O Cineclube Violeta nasceu a partir de um incômodo: a falta de visibilidade dos filmes nacionais voltados para as experiências lésbicas, bissexuais e trans (LBT). Apesar de haver uma produção significativa no Brasil, muitas dessas obras não chegam às mostras e festivais de cinema.

Foi a partir dessa percepção que Bruna Castro e Diana Reis, idealizadoras do projeto, contaram como surgiu a ideia de criar um cineclube itinerante com esse recorte em Salvador. 

Em entrevista concedida ao bahia.ba, Bruna e Diana comentaram que o Cineclube tem raízes na trajetória acadêmica das duas na Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde participavam de um grupo de pesquisa em cinema baiano. Ao lado das colegas Naira Nanbiwí Soares e Naiade Bianchi, hoje curadoras do Cineclube, perceberam a urgência de criar um espaço de difusão dessas produções e, ao mesmo tempo, de encontro para pessoas que buscavam se ver representadas nas telas e discutir novas perspectivas sobre o cinema LBT.

A consolidação do projeto ganhou força com os editais de incentivo à cultura na Bahia, como a Lei Paulo Gustavo. Desde então, o Cineclube Violeta tem realizado sessões em diferentes cinemas de Salvador, como o Cine Glauber Rocha, o Cinema do Museu Geológico da Bahia e a Saladearte CineMAM. Mas sua atuação vai além das salas tradicionais: já promoveu exibições na Faculdade de Comunicação da UFBA, na Penitenciária Lemos de Brito e na Universidade Federal do Recôncavo Baiano, expandindo o acesso ao público mais diverso possível.

Cinema como espaço de reconhecimento e troca

Para Bruna Castro, o cinema não é apenas objeto de pesquisa, mas um espaço potente de conversa, debate e reflexão. Para além disso, a tela “é um espaço de reconhecimento de si através do outro”, afirma.

Diana Reis acrescenta que o cinema cumpre papel central na formação do imaginário social e nacional sobre os mais diversos temas. E é exatamente por causa disso que as idealizadoras enfatizam a importância de valorizar as produções locais. Para elas, ver Salvador representada nas telas, com suas ruas e cenários cotidianos, é fundamental em um contexto dominado por produções internacionais de grandes streamings, que pouco dialogam com a realidade brasileira e baiana.

A curadoria do Cineclube é pensada de forma intencional, de forma a fazer com que o espectador se veja na tela. Há um esforço de trazer narrativas que rompem com narrativas já saturadas, como aquelas centradas apenas na saída do armário ou em histórias de preconceito e dor. Bruna e Diana defendem que a curadoria deve refletir a diversidade de corpos, temas e vivências, abordando dimensões que vão além das relações românticas e/ou sexuais: “A questão da orientação sexual passa também por outros aspectos além dos nossos comportamentos sexuais. São posicionamentos políticos, acima de tudo” afirma Bruna.

A proposta do projeto é ampliar a representação das vivências LBT, abordando temas como família, amizade, cotidiano, trabalho e afetos diversos. 

As idealizadoras ressaltam que a produção LBT no Brasil tem crescido, impulsionada por mobilizações sociais que também ampliam o debate sobre raça, religião, etarismo e sexualidade, temas historicamente sub-representados no cinema nacional. Ainda assim, dentro do nicho do cinema queer, Bruna e Diana comentam que a representação da sexualidade feminina (seja lésbica, bissexual ou trans) ainda enfrenta uma disputa desigual por espaço.

Segundo as responsáveis, a curadoria do Cineclube Violeta busca justamente trazer filmes que se contrapõem às estruturas da heteronormatividade, do patriarcado e do capitalismo, que historicamente invisibilizam essas vivências.

Como explica Bruna Castro, “os corpos masculinos, fálicos, chegam mais rápido aos espaços por conta do privilégio”. Elas explicam que a sexualidade feminina, por muito tempo foi apagada, marginalizada ou reduzida a um lugar de fetiche. 

Nesse contexto, a realização de longas-metragens produzidos por mulheres ainda enfrenta uma lacuna significativa, especialmente em Salvador. No cenário brasileiro, embora existam longas sobre vivências LBT, muitos foram dirigidos por homens e acabaram reforçando estereótipos ou representações tipificadas. Assim, o Cineclube Violeta surge como uma janela para ampliar a visibilidade e afirmar essas narrativas no campo audiovisual.

Recepção, lacunas e dificuldades

A resposta do público ao Cineclube Violeta tem sido bastante positiva. No primeiro ciclo de mostras, as sessões têm atraído espectadores frequentes, que veem no espaço um ambiente seguro e acolhedor, a ponto de muitas pessoas irem sozinhas às exibições. As idealizadoras perceberam, então, que havia em Salvador uma carência de espaços nos quais mulheres lésbicas, bissexuais e trans pudessem se reconhecer nas telas: se amando, vivendo, trabalhando e compartilhando experiências para além de narrativas estritamente românticas. Esse sentimento de identificação reforça a ideia de que representatividade importa e da importância de haver espaços que promovam essa vivência. 

Mas o caminho também trouxe à tona certos desafios. As entrevistadas percebem que ainda há uma resistência do brasileiro em assistir o cinema nacional, com uma preferência consolidada por produções estrangeiras. Além disso, observam que os curta-metragens (gênero que compõe boa parte da curadoria) ainda sofrem preconceito, sendo muitas vezes estereotipado como menos capazes de provocar impacto ou profundidade em comparação aos longas. Soma-se a isso a dificuldade de acesso: muitas vezes, o público interessado tem dificuldade de acessar essas produções.

Por fim, Bruna e Diana relatam que espaços mais institucionalizados nem sempre se mostram receptivos às propostas do projeto. 

Novos ciclos e expansão

A quantidade de produções audiovisuais LBT é tamanha que a curadoria do segundo ciclo do Cineclube Violeta (cuja primeira sessão acontece nesta sexta-feira (29), às 19h, no Cine Glauber Rocha) não foi tarefa simples. Nesta data, serão exibidos cinco curtas-metragens, e as organizadoras enxergam que a curadoria de cinco em meio a uma grande gama de opções foi ao mesmo tempo um desafio, mas também um estímulo para a continuidade do projeto.

Para este novo ciclo, o objetivo é ampliar ainda mais o alcance do CineClube, os debates e a visibilidade LBT, levando o projeto a escolas, oficinas e, futuramente, a outras cidades da Bahia. A proposta é consolidar o CineClube Violeta como um espaço permanente de reflexão, pertencimento e visibilidade para as narrativas lésbicas, bissexuais e trans.

Júlia Cezana

Graduada e mestre em Relações Internacionais, com foco em Geopolítica; tem experiência em análises conjunturais para diversos institutos de pesquisa da PUC MINAS, Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade de Groningen, na Holanda; já trabalhou na pesquisa e redação de clippings e notícias para a base de dados CoPeSe, parceria com o programa de Voluntariado das Nações Unidas.

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