Publicado em 08/09/2025 às 15h05.

Morre Angela Ro Ro, ícone da música e referência na história da MPB

Cantora e compositora carioca tinha 75 anos e deixa legado marcante na cultura popular e engajamento em causas sociais

João Lucas Dantas
Foto: Arquivo Pessoal/ Angela Ro Ro

 

Morreu, nesta segunda-feira (8), a cantora e compositora carioca Angela Ro Ro, aos 75 anos. Ela foi internada em junho no Hospital Silvestre, no Rio de Janeiro, com uma infecção pulmonar grave. Desde então, vinha tendo uma série de complicações. Segundo o advogado Carlos Eduardo Lyrio, recentemente ela teve uma nova infecção e, nesta manhã, não resistiu.

Quem foi

Ângela Maria Diniz Gonsalves nasceu em 1949. Com uma voz única e um estilo que unia blues, samba-canção, bolero e rock, ela se destacou como uma das artistas mais originais da música popular brasileira.

Pianista desde a infância, só estreou profissionalmente tardiamente, recusou convites para gravar ainda jovem e só aos 26 anos subiu a um palco pela primeira vez (Festival de Rock de Saquarema, RJ, em 1976). Em 1979 lançou seu álbum de estreia Angela Ro Ro pela PolyGram. Desse trabalho saíram sucessos como Tola foi você e, sobretudo, Amor, Meu Grande Amor (parceria com Ana Terra). Nas décadas seguintes ela manteve carreira ativa, gravando LPs de estúdio e ao vivo, e realizando shows em casas e teatros do Brasil e do exterior.

Foto: Angela Ro Ro (1979)

 

Principais álbuns, canções marcantes e evolução musical

No ano seguinte ao álbum de 1979, lançou seu segundo disco, Só Nos Resta Viver, com a faixa-título composta pela própria cantora. Em 1981, chegou o terceiro álbum, Escândalo, cujo single-título foi escrito por Caetano Veloso em homenagem a cantora, episódio que chegou a ganhar destaque nos jornais da época. No ano seguinte, lançou Simples Carinho, com o grande sucesso homônimo, criado em parceria com João Donato e Abel Silva.

Durante a década de 1990, Angela Ro Ro concentrou-se principalmente em apresentações ao vivo, lançando em 1993 o álbum Ângela Ro Ro Ao Vivo, gravado no Jazzmania, no Rio de Janeiro. Em 2000, retornou aos estúdios com Acertei no Milênio, um CD de inéditas que incluía faixas como Coquinho, Viciei em você e a faixa-título.

O décimo álbum, Compasso, chegou em 2006 pela gravadora Biscoito Fino, com destaque para a faixa homônima, coescrita por Angela e Ricardo Mac Cord, seu parceiro de longa data nos teclados. Em 2013, lançou Feliz da Vida!, em formato CD/DVD, reunindo composições próprias e parcerias, incluindo Malandragem, de Cazuza e Frejat, e contando com participações de artistas como Jorge Vercillo, Sandra de Sá e Maria Bethânia.

Seu décimo primeiro (e último) álbum de inéditas, Selvagem, saiu em 2017, novamente pela Biscoito Fino, com letras marcantes e humor refinado. Nos anos mais recentes, em 2024, Angela lançou os singles Planos do Céu eCadê o Samba? e, em 2025, retomou sua agenda de shows em espaços importantes como o Teatro Rival, no Rio de Janeiro, e o Teatro J. Safra, em São Paulo, revisitando clássicos de sua carreira como Amor, Meu Grande Amor; Simples Carinho; e Só Nos Resta Viver.

Foto: Divulgação/ Assessoria

 

Estilo musical, influências e temáticas

A cantora é referência da MPB de fossa e blues. Sua voz grave e rouca embala canções intensas, que mesclam tristeza e humor. Críticos destacam que ela une tom confessional a um deboche irônico, nunca abrindo mão da veia autobiográfica. Em entrevista, Angela define seu processo como “visceral”. As letras abordam frequentemente desilusões amorosas, ciúmes e rebeldia – por exemplo, “Preciso Tanto!!!” (1980) é um dueto ousado convidando a parceira ao sexo.

Musicalmente, ela incorpora referências à música pop internacional e brasileira. Admirava Janis Joplin, Billie Holiday e Maysa, e seu repertório passeia pelo blues e samba-canção. Foi chamada de “herdeira de Maysa” por representar organicamente o blues dentro da MPB. Em resumo, ela fez um pioneiro “blues brazuca” de essência urbana e tom desiludido, com temas recorrentes de amor perdido, autodefesa feminina e humor sagaz.

Relações artísticas com outros músicos brasileiros

A artista colaborou e se relacionou com grandes nomes da música brasileira. Cazuza foi grande admirador: ele compôs, junto com Roberto Frejat, a canção Malandragem pensando nela, mas Angela não se identificou com a letra (ela só foi gravada anos depois por Cássia Eller). Cazuza também dividiu palcos com Angela e, juntos, ela e ele compuseram o blues “Cobaias de Deus” (1989), inspirado na luta de Cazuza contra a Aids.

Frejat, então vocalista do Barão Vermelho, foi parceiro de Cazuza nessa música e participou do álbum Feliz da Vida! (2013) de Angela, regravando “Amor, Meu Grande Amor” ao seu lado. Vários integrantes do Barão Vermelho já gravaram suas canções, mostrando o diálogo artístico entre eles.

Outros ícones também se ligaram a ela: Maria Bethânia gravou composições de Angela como “Gota de Sangue” e “Fogueira” em seu repertório, e Caetano Veloso compôs a faixa-título “Escândalo” em homenagem a ela. Em suma, a cantora sempre soube transitar entre gerações da música, apontada como influência direta na obra de Cazuza, Cassia Eller e até da cantora Letrux.

Relevância histórica e impacto cultural

É considerada um ícone da MPB feminina e do movimento LGBTQIAPN+. Foi a primeira cantora de música popular brasileira a assumir publicamente sua homossexualidade ainda no fim dos anos 1970, o que lhe rendeu status de pioneira – enfrentou preconceito e chegou a ser agredida por sua orientação sexual, mas manteve-se aberta sobre o tema.

Essa coragem a torna referência histórica: críticos reconhecem que ela “representou a estética do blues no Brasil” e rompeu normas rígidas de gênero com seu comportamento irreverente. Em várias listas de especialistas Angela aparece entre as maiores vozes da música brasileira; por exemplo, a revista Rolling Stone Brasil a elegeu como uma das cem maiores vozes do país. Hoje ela é vista não apenas pela música intensa, mas também como inspiração para mulheres e artistas LGBTQIAPN+ que buscam expressão franca na arte. A mistura de força, humor e vulnerabilidade em sua obra deixou legado cultural duradouro na MPB.

João Lucas Dantas

Jornalista com experiência na área cultural, com passagem pelo Caderno 2+ do jornal A Tarde. Atuou como assessor de imprensa na Viva Comunicação Interativa, produzindo conteúdo para Luiz Caldas e Ilê Aiyê, e também na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador. Foi repórter no portal Bahia Econômica e, atualmente, cobre Cultura e Cidade no portal bahia.ba. DRT: 7543/BA

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