Jornalista com experiência na área cultural, com passagem pelo Caderno 2+ do jornal A Tarde. Atuou como assessor de imprensa na Viva Comunicação Interativa, produzindo conteúdo para Luiz Caldas e Ilê Aiyê, e também na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador. Foi repórter no portal Bahia Econômica e, atualmente, cobre Cultura e Cidade no portal bahia.ba.
DRT: 7543/BA
Publicado em 20/11/2025 às 11h25.
Rodrigo Santoro brilha como pescador solitário no belo ‘O Filho de Mil Homens’
Adaptação de Valter Hugo Mãe, parcialmente filmada na Chapada Diamantina, encontra potência através da delicadeza do amor possível
João Lucas Dantas

Foto: Divulgação/ Netflix
O Filho de Mil Homens, adaptação cinematográfica do livro de mesmo nome do autor português Valter Hugo Mãe, acaba de chegar à Netflix com uma linda performance de Rodrigo Santoro no papel do solitário Crisóstomo e com diversas cenas gravadas na Chapada Diamantina, na Bahia.
Dirigido por Daniel Rezende, o filme é uma aula de como adaptar um livro para o cinema sem perder sua essência e de como trabalhar os elementos visuais para agregar à história original, além de contar com um elenco impecavelmente escalado para o desafio.
Rezende, que também foi montador de Cidade de Deus (de Fernando Meirelles e Kátia Lund; 2002), vem se consolidando cada vez mais como um dos grandes diretores brasileiros da sua geração. Já havia demonstrado o potencial do seu talento em Bingo — O Rei das Manhãs e nas adaptações de Turma da Mônica: Laços (2019) e Lições (2021).
Sem dúvidas, O Filho de Mil Homens é seu projeto mais ambicioso até o momento. É a versão de um livro consagrado, com uma legião de leitores fiéis do autor, e, ao mesmo tempo, um triunfo cinematográfico por equilibrar a transposição dos elementos literários com a sensibilidade de contar por imagens.
O livro
O Filho de Mil Homens é um romance em que Valter Hugo Mãe acompanha um conjunto de personagens solitários que passam a se conectar pela necessidade comum de afeto. A narrativa parte de Crisóstomo, um pescador que chega aos quarenta anos convencido de que sua vida estaria mais completa se tivesse um filho. Esse desejo simples funciona como disparador para que outras histórias, igualmente marcadas por abandono, dor e busca de pertencimento, se aproximem da sua.
Ao longo do livro surgem personagens como Camilo, um menino rejeitado; Isaura, uma mulher que tenta se libertar de um casamento violento; Antonino, que enfrenta conflitos internos e tenta compreender seus próprios limites; e Adelaide, que procura reconstruir sua vida após anos de humilhações. Cada um carrega uma forma particular de solidão, e é dessa soma de ausências que nasce a possibilidade de formar novos laços.
O romance mostra que a família pode ser construída a partir da escolha, do gesto cotidiano de cuidado e da disposição para acolher o outro. Não há idealizações. Valter Hugo Mãe apresenta encontros frágeis, feitos de tentativas, erros e pequenas reconciliações. O afeto surge como algo que se inventa devagar, conforme cada personagem aprende a ceder espaço às necessidades do outro.

Foto: Divulgação/ Netflix
A adaptação
Partindo das mesmas premissas e dos personagens mencionados acima, trata-se de uma adaptação fiel ao material de origem. O trunfo do longa, ao longo de suas duas horas de duração, começa com a escalação de Crisóstomo, vivido de forma muito sensível por Rodrigo Santoro, em talvez um dos seus melhores papéis desde O Bicho de Sete Cabeças (Laís Bodanzky; 2000) e Abril Despedaçado (Walter Salles; 2001).
Santoro transporta todo o sentimento de deslocamento e solidão do pescador, um “pai sem filho à procura de filho sem pai”. Vemos o ator desaparecer dentro do personagem. Além do trabalho impressionante de maquiagem e figurino, o intérprete está quase sempre descalço, com postura retraída, ombros curvados, fala baixa e receio do contato com outras pessoas, optando pelo isolamento.
Desse isolamento voluntário nasce também a dor da falta de companhia e o sonho de ser pai. A partir desse desejo, as narrativas, inicialmente isoladas, começam a se conectar de forma terna, levando os personagens ao acolhimento, e ao amor, que Crisóstomo tem para oferecer a quem sofreu e foi excluído dos vínculos sociais.
Tão bem quanto Santoro estão o ator mirim Miguel Martines, que vive Camilo; Rebeca Jamir, como Isaura; e Johnny Massaro, como Antonino, formando o quarteto principal de personagens.
O roteiro, assinado por Daniel Rezende com Duda Casoni e com o auxílio de Valter Hugo Mãe, dá uma aula de como adaptações podem ser feitas com criatividade e delicadeza para as telonas. Todas as narrativas se amarram como se assistíssemos a uma agulha realizando uma costura perfeita, formando, ao fim, um único tecido.

Foto: Divulgação/ Netflix
A vivacidade dos tons pastéis
A direção meticulosa de Rezende toma decisões visuais curiosas. Até a proporção da imagem conta parte da história. O filme começa com a tela reduzida, quase pela metade, com largas barras pretas que, aos poucos, se dissolvem conforme os personagens preenchem suas vidas com afeto.
E amor é um tema central do longa. Não há constrangimento em tratar de sexualidade, da família que escolhemos, de orientação sexual e da falta de acolhimento. Em um cinema tão careta como o de hoje, é um alívio ver um filme em que as descobertas sexuais são tratadas de maneira delicada e naturalista.
O realismo mágico desse mundo é facilmente reconhecível pelas paisagens de rochas sedimentares da Chapada Diamantina, seus lagos e pequenas vilas, que, somadas às locações em Búzios (Rio de Janeiro), compõem uma cidade fictícia onde tudo parece possível.
A escolha de uma paleta em tons pastéis, somada a esses cenários belíssimos, transporta o espectador a um lugar singular, lembrando uma Macondo criada por Gabriel García Márquez. Em uma época de produções acinzentadas e paletas lavadas, ver um design de produção tão rico enche os olhos.
Atravessado pela música Volta, de O Terno, o filme sempre nos faz questionar em que época histórica o filme se passa, sem nunca nos entregar respostas fáceis, já que não é algo mensurável. O Filho de Mil Homens vive em seu próprio tempo e ritmo.
Os créditos aqui merecem destaque. Taisa Malouf encabeça o design de produção, em que cenários e elementos de cena ganham vida, da casa de Crisóstomo ao boneco sem nome que o acompanha, sempre sorridente.
A direção de fotografia, assinada por Azul Serra, nos entrega imagens de encher os olhos, aproveitando todo o potencial desde a praia paradisíaca até as vilas de poucos habitantes que atravessamos. As imagens estão sempre bem iluminadas, com contrastes que conferem textura a esse mundo, e os figurinos, de grande importância, são assinados por Débora Ceccatto e Manuela Mello.
O diretor sabe usar o poder das imagens para contar esta história. É especialmente belo observar o varal de roupas de Crisóstomo crescer ao longo do filme, algo que nunca é mencionado verbalmente, mas que está sempre encenado para nos mostrar a beleza da vida quando escolhemos o amor de quem nos ama.

Foto: Divulgação/ Netflix
Pequenas observações
É preciso pontuar que, quando o núcleo se afasta do carisma que preenche a tela com Rodrigo Santoro, o filme nem sempre se sustenta no mesmo nível de empolgação. Em sua estrutura de antologia conectada por um fio condutor, corre o risco de nem todas as histórias serem tão instigantes quanto a principal.
Nada que comprometa muito a experiência. O trabalho do elenco é delicado e bem motivado pela inspirada direção de Daniel Rezende, que entrega algumas das imagens mais bonitas de sua carreira, verdadeiros quadros que valeriam a pena pendurar dentro de casa.
É um filme corajoso, que não faz concessões. A violência é tratada com franqueza; os personagens são falhos, erram constantemente e são estranhos à sua maneira, por vezes incapazes de demonstrar ou receber afeto. Ainda assim, são profundamente humanos, e a história, acima de tudo, é profundamente humana.
Ao final, permanece a sensação de que vimos algo raro. Não apenas uma adaptação fiel, mas uma espécie de invenção por afinidade, atores, imagens e sons costurando cada vazio em forma de gente.
O filme de Rezende não domestica a dor nem suaviza as falhas. Antes, as expõe com ternura, como Crisóstomo que cuida de sua casa antiga sem portas, mas com sol entrando por todas as janelas. Saímos levando o rosto desses personagens, sua pequenez e sua grandeza, e a certeza de que há um modo possível de ser família. Esse que se escolhe, que se reconstrói e que, por fim, nos salva.
Em um ano tão repleto de grandes filmes nacionais, é de grande alegria ver O Filho de Mil Homens como mais uma grande adição. Desde O Último Azul (de Gabriel Mascaro), à Manas (Marianna Brennand Fortes), passando por Os Enforcados (Fernando Coimbra) e culminando no estrondoso O Agente Secreto (Kleber Mendonça Filho), estamos bem representados.
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