Cine Tupy: o último dos moicanos do pornô em Salvador
Após extinção do Astor em 2013, o Tupy é um dos dois únicos cinemas de rua da cidade, junto com o Glauber Rocha
Para uma geração inteira, cinema é sinônimo de shopping center. E para essa mesma geração pornô é sinônimo de internet. Mesmo assim, e espremido entre uma unidade do Sesc e um templo da Igreja Universal do Reino de Deus, o Cine Tupy, localizado no início da Avenida José Joaquim Seabra (para quem vem do Aquidabã), segue rijo e forte exibindo seus dois filmes de sexo explícito diários, das 10h às 18h30, com ingressos a módicos R$ 7.
Desde a extinção do Cine Astor em 2013, que também exibia títulos como “Anal Total” e “Chupa, Chupa que Ele Cresce”, O Tupy reina solitário no universo da cinematografia pornográfica na cidade, além de ser um dos dois únicos remanescentes cinemas de rua de Salvador: o outro é o Glauber Rocha, na Praça Castro Alves.
Bem em frente fica uma unidade das Lojas Americanas, mas quem frequenta o Tupy está mais interessado em outras guloseimas que não Sonho de Valsa nem Serenata de Amor. Quem se colocar na porta do magazine e for observador irá notar que, via de regra, antes de entrar no cinema, todos os clientes dão uma olhadinha para trás, como se estivessem com medo ou envergonhados de serem vistos penetrando o ambiente tenebroso.
A clientela é composta sobretudo por homens de meia idade, travestis e jovens michês. Todos em busca de sexo. Ressalte-se: sexo de verdade, não cinematográfico. O filme é tão desimportante na trama do Tupy que seus títulos sequer são anunciados no letreiro, que diz apenas: “Todos os Dias 2 Filmes Eróticos”. Há alguns anos o letreiro era mais extenso: “Todos os Dias Dois Filmes de Sexo Explícito”. E antes ainda o cardápio incluía outro segmento: “Todos os Dias Um Filme de Ação e Dois de Sexo Explícito”.
Mas parece que o pessoal cansou de ver Bruce Lee enfiando a porrada em bandidos antes da sacanagem e o filme de ação caiu. Curiosamente, no passado glorioso e nem tão distante assim, o Cine Tupy era onde estreavam grandes cartazes de Hollywood, como “Spartacus”, de Stanley Kubrick, que hoje em dia só passaria ali se houvesse alguma confusão quanto ao conteúdo do título. Ele era ainda o único cinema da cidade equipado com cinerama: tela gigante de projeção, com ângulo de 140º, que permitia ampla visualização de qualquer parte.
Atualmente, no interior do cinema impera uma escuridão contínua, que não é interrompida sequer quando o filme acaba. As projeções são constantes, emendadas umas nas outras. Já o som surround fica por conta dos gemidos e sussurros das pessoas transando pelos cantos, nas poltronas e corredores. Falar não é bem visto. O código é chegar já “chamando na chincha” (e aguardar consentimento, é claro). Não é permitido fotografar nem filmar e os funcionários não dão informações. O bilheteiro não diz nem mesmo a média diária de público, apenas confirma que a frequência tem caído a cada dia.
Apesar de pouco cuidado, o local ainda guarda o charme de outros tempos, com seu amplo foyer e teto em estilo clássico. O cheiro é de sêmen e bolor. Antigamente presença sine qua non nos roteiros dos cinéfilos, hoje o Tupy é dica carimbada do Guia Gay Salvador e de outros catálogos de pegação. No entanto, embora o ambiente não ajude muito, o clima é civilizado. Não há confusão. Se uma pessoa não corresponde à abordagem, tenta-se com outra e pronto. Enquanto uma travesti pratica sexo oral no vendedor de pastel (que não larga a cestinha para receber o afago: pago com uma banana real), a tela exibe cena semelhante (sem cestinha), mas quase plenamente desfocada.
No ano passado um grupo incentivado pelo marchand Dimitri Ganzelevitch realizou um abraço coletivo no Cine Jandaia, ali pertinho, também na Baixa dos Sapateiros, para cobrar a revitalização por parte dos poderes públicos. Enquanto isso, como quem não quer nada e fazendo justiça com as próprias mãos, o Cine Tupy permanece como baluarte de velhas tradições soteropolitanas. Resta perguntar, até quando?
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