Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
Amor e ódio na política
A tolerância é o “remédio” mais eficaz contra os arroubos totalitários, tanto da esquerda quanto da direita
A história da humanidade, escrita por guerras, e as histórias pessoais de cada um de nós, marcadas por desentendimentos, brigas e conflitos, não deixam dúvidas de que odiamos e amamos com a mesma facilidade e intensidade a depender das motivações.
Nessa lógica, por mais que tentemos conter o ódio e o amor através das crenças, leis e outras manifestações da razão, sempre continuarão existindo motivos para odiarmos e amarmos. Afinal, os neurocientistas já descobriram que ambos sentimentos ativam as mesmas partes do cérebro humano.
Ora, não é necessário recorrer a refinadas análises da história ou da sociologia para dar-se conta de que para existir o ódio precisa-se de uma causa e que no ódio decorrente da mais perigosa das divisões, a político-religiosa-ideológica, está o cerne da origem majoritária de todas as guerras que marcam a jornada do homem sobre a face da terra.
Entre nós, embora o ódio na política não seja algo novo, manifestando-se, sobretudo, durante processos eleitorais extremamente polarizados como o vivenciado em 2014, nunca antes a nossa jovem democracia sofreu um espasmo social tão grave, com a sociedade brasileira vivendo momentos de decepção e indignação com seus dirigentes, independentemente de colorações partidárias ou ideologias, mesmo que nossas paixões não nos permitam reconhecer essa realidade.
Nessa lógica, vivemos tempos difíceis que não sabemos exatamente como irão terminar. Mas não podemos olvidar do potencial destrutivo do orgulho ilimitado que leva a nós, pobres mortais, a nos sentirmos superiores aos demais. É melhor não esmiuçar, até para não jogar mais lenha nessa fogueira de vaidades já em alta combustão, pois o que importa aqui é chamar a atenção para os sentimentos negativos que urgem ser combatidos.
Na política, a comunhão de ódios é
quase sempre a base das amizades
Nesse cenário, em meio a uma polarização quase bipartidária, assustado com o comportamento “político” do povo brasileiro, sou forçado a concordar com o sociólogo Antônio Cândido quando explica que o epíteto “cordial”, cunhado por Sérgio Buarque de Holanda, para nós, em sua obra Raízes do Brasil, não pressupõe bondade, mas somente o predomínio de uma aparência de afetividade.
É seminal assinalar, portanto, que essa catarse coletiva é necessária ao fortalecimento da democracia. Mas é preciso ter o máximo de cuidado para que esse processo não leve a agressões físicas e mesmo a ataques não físicos despropositados. Afinal, a tolerância é o “remédio” mais eficaz contra os arroubos totalitários, tanto da esquerda quanto da direita, sob pena de continuarmos a travar essa luta inútil e perigosa de “uns contra os outros”, que não deixará outra coisa que não feridas difíceis de cicatrizar.
Se, na psicanálise, a catarse pode ajudar o paciente a entender melhor e controlar suas emoções, é chegada a hora de refletirmos sobre os frequentes surtos de ódio registrados fora e dentro da esfera virtual, evolvendo simpatizantes e partidários de ambos os lados.
É preciso refletirmos não mais sobre quem abriu mesmo essa caixa de pandora, com seu potencial de liberar todos os males do mundo ou, mais precisamente, de todos os governos, como a da mitologia grega, pois é premente descobrimos quem realmente está disposto a tentar resgatar do seu interior a esperança. Afinal, não há inocentes e todos sabem exatamente como isso começou e qual é a cota que cabe a cada um dos lados neste latifúndio, pois uma coisa é transitar nos lugares de amado e odiado, outra é ficar aprisionado em um desses lugares, sabendo, pelos ensinamentos de Alexis de Tocqueville, que na política, a comunhão de ódios é quase sempre a base das amizades.
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