Publicado em 22/07/2025 às 14h14.

Apocalipse nos Trópicos: narrando a história enquanto a história acontece

Uma resenha do mais novo documentário de Petra Costa

Júlia Cezana
Foto: Divulgação / Netflix

 

Dirigido por Petra Costa (Olhos de Ressaca e Democracia em Vertigem), Apocalipse nos Trópicos é um documentário lançado em julho de 2025, tanto na plataforma de streaming Netflix quanto nos cinemas brasileiros. Em 110 minutos, Costa narra de forma cronológica a crescente aproximação entre a religião evangélica e a política, e os desdobramentos na política e na sociedade para a nossa democracia. 

Com imagens impactantes e poderosas, a obra nos leva por uma viagem histórica contextualizando o cenário sociopolítico e religioso que vivemos na última década, em que a força da bancada evangélica no congresso nacional é inegável. Essa peça, que ganhou força e cresceu em tamanho exponencial, é um elemento chave para entendermos a política brasileira nos dias atuais. Costa narra de forma inquietante e didática como o crescimento da religião evangélica se dá em um contexto do também crescimento da extrema direita no país. 

Através do documentário, é impossível ignorar a  influência de ambas as instituições, política e religião, na nossa sociedade. E é exatamente por isso que senti falta de uma maior exploração a respeito de como isso reflete e é reflexo do dia-a-dia do brasileiro. Com exceção de uma gravação na casa de uma brasileira e de sua filha, em que ambas discutem em qual candidato votar e o por quê, esse não parece ter sido o enfoque da diretora. 

É ao mesmo tempo interessante e desconcertante perceber os interesses existentes por trás dos discursos políticos extremistas. É igualmente desconcertante e revelador a parte do documentário em que é mostrada a influência do conservadorismo religioso e estadunidense no Brasil, durante o período da Guerra Fria e os impactos que isso teve até os dias de hoje. Contudo, acredito que essa poderia ser mais aprofundada e melhor explorada, especialmente considerando  os desdobramentos atuais da política internacional do governo Trump e a mira dos EUA sob o Brasil. 

Outro ponto importante que o documentário traz à tona é como muitas vezes, a escolha política e a escolha religiosa andam lado a lado. Como sociedade, vemos uma população cada vez mais interessada pela crença religiosa dos candidatos políticos e justificando escolhas políticas com argumentos religiosos. Contudo, ao meu ver, acredito que Apocalipse nos Trópicos deu um enfoque grande no pastor Silas Malafaia, como se a persona dele fosse o único problema que nossa sociedade entrentou. Contudo, é perigoso resumir um problema macro apenas a  uma face, seja ela na religião ou na política. Ainda, acredito que as disputas e diferenças de narrativas dentro do próprio campo evangélico são abordadas de forma muito superficial. Tais discrepâncias poderiam ter sido exploradas com um pouco mais de detalhe de forma a não tratar a religião evangélica como um monolito. 

Fato é que a obra de Petra Costa narra uma história que está sendo escrita enquanto vivemos. E exatamente por isso, é uma produção tão angustiante e inquietante.  Arrisco dizer que é impossível sair imune ao assisti-lo. O telespectador sai com, no mínimo, alguma opinião.  Sai com vontade de discutir e debater sobre. E eu, de fato, espero que essa produção abra portas para uma conversa humana e respeitosa sobre o papel que a religião ocupa na nossa sociedade, até onde vamos permitir que ela ocupe. Para além disso, um diálogo a respeito do papel que as mais diversas religiões que existem no Brasil vão ocupar e como elas vão (co)existir. 

Aqui, é importante lembrar que vivemos em um Estado laico, direito garantido constitucionalmente Para além disso, a diversidade religiosa no Brasil é tremenda e uma das expressões da nossa cultura e sociedade. Contudo, o preconceito religioso ainda reina e diversas expressões de fé são suprimidas e mal vistas. E é exatamente por isso que separar religião de política é fundamental. A religião não pode ser usada como uma ferramenta para se matar, oprimir ou corromper – como o documentário claramente nos mostra. Então, qual seria o caminho? Separar essas instituições é um caminho. Política e religião podem andar juntas, mas estarem intrinsecamente conectadas. Liberdade religiosa é fruto de um estado democratico. Democracia esta que foi (e ainda é) posta em risco por conta da religião. Devemos proteger a democracia, tão frágil, mas tão necessária na garantia de liberdades individuais e coletivas. 

Apocalipse nos Trópicos é um filme esclarecedor, revelador e didático sobre a recém história da política Brasileira e ascensão da extrema direita e de um discurso justificado e pautado em um extremismo religioso. Com uma narrativa construída em 6 capítulos, retrata um recorte da história que estamos testemunhando. Suas imagens fortes são envolvidas por uma narrativa magnética. Juntos, são um lembrete para não esquecermos de tudo o que vivemos e dos perigos que corremos como cidadãos de Estado laico, democrático e socioculturalmente diverso. São um lembrete para que nos atentemos ao poder que as nossas escolhas têm em uma democracia – esta, que passará por mais um teste de fogo no ano que vem, com a corrida presidencial. 

Os posicionamentos expressos nesta coluna de opinião são de responsabilidade exclusiva do autor e não necessariamente refletem a linha editorial ou opinião do Bahia.ba.
Júlia Cezana

Graduada e mestre em Relações Internacionais, com foco em Geopolítica; tem experiência em análises conjunturais para diversos institutos de pesquisa da PUC MINAS, Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade de Groningen, na Holanda; já trabalhou na pesquisa e redação de clippings e notícias para a base de dados CoPeSe, parceria com o programa de Voluntariado das Nações Unidas.

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