Publicado em 27/03/2023 às 10h09.

As encruzilhadas da relação salarial no Brasil: Informalidade e precarização em ascensão

Artigo de Antônio de Pádua Melo e Maurício Jansen Klajmani

Redação
Foto: Agência Brasil

 

Viver de salário é uma condição compartilhada por milhões de pessoas no Brasil. A relação salarial é uma variável-chave para se compreender nossa dinâmica socioeconômica, pois ela sintetiza padrões de consumo, reprodução da força de trabalho e condição social. A CLT normatiza a relação salarial, apesar de uma parcela da vida laboral pulsar fora do seu controle.

A PNAD-Contínua (IBGE) mostra que a taxa de informalidade, desde 2015, nunca se moveu abaixo de 36,5%, chegando a atingir 40,9%. Percebe-se que, em alguns estados, a informalidade é a regra aceitável. A taxa composta de subutilização da força de trabalho (desocupação, subocupação por insuficiência de horas e força de trabalho potencial), desde 2012, chegou a atingir 30,4%. Desde 2016, gravita nos 25%. Manuais de economia se referem ao retardo da taxa de desocupação no retorno a percentuais pré-crise como “histerese do desemprego”, a dificuldade da taxa de desemprego voltar, mesmo após o choque. A informalidade sempre se constituiu como um traço endêmico do mercado de trabalho nacional: seria possível falar em “histerese da informalidade”, visto que um terço dos ocupados estão nessa condição, mesmo em ciclos de expansão? Quais padrões de bem-estar inclusivos podem ser sustentados por uma economia que opera desperdiçando um quinto da força de trabalho? Porque é disso que se trata quando se fala de subutilização: a economia brasileira “queima” (como os estoques de café nos anos 1930) trabalhadores no desemprego, no desalento e na jornada parcial (com remuneração insuficiente).

Considerar a informalidade e a subutilização como formas “banalizadas” de funcionamento do nosso mercado de trabalho criam as condições sociais para o “retorno do recalcado” das formas mais brutais de exploração da força de trabalho. Informações disponíveis na Plataforma SmartLab (OIT/MPT) mostram que, entre 1995 e 2022, 57.772 pessoas foram resgatadas de condição análoga à escravidão (com quantidades crescentes no último triênio). Em 2019, 1,7 mil crianças e adolescentes foram encontrados em situação irregular de trabalho. Entre 2016 e 2021, 12.905 trabalhadores morreram em acidentes de trabalho: o Brasil nunca deixou de ser um grande moinho de gastar gente, como ensinou Darcy Ribeiro. Ainda seria necessário calcular os custos monetários das múltiplas formas de fraude no contrato de trabalho: estimativas do National Employment Law Project apontam que, para os EUA em 2019, as fraudes (pagamentos abaixo do salário-mínimo, sobre-jornada não-remunerada, deduções ilegais) chegaram à cifra de 9,27 bilhões de dólares. E no Brasil?

Um dos desafios que se impõem à sociedade brasileira é pensar novas formas jurídicas, sociais e econômicas de normalização de uma relação salarial que efetive os direitos sociais do trabalho. Estamos condenando o presente e o futuro, por não conseguirmos superar o passado. O Estado brasileiro construiu e aplicou ferramentas de políticas públicas essenciais para a salvaguarda e o gozo de diversos direitos sociais da Constituição: chegou a hora de mobilizá-lo para modelar, em diálogo amplo e franco com a sociedade civil, uma nova relação salarial mais justa e inclusiva.

* Antônio de Pádua é analista de políticas sociais do Ministério do Trabalho e Maurício Jansen é diretor do Sindiquímica-Bahia. Ambos são economistas

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