Caso Mayer-Tonani: será que nada será como antes?
Não é a primeira vez em que o assédio sexual é discutido no meio artístico. Após a repercussão impulsionada pelas redes sociais, espera-se mudança real no cenário
Há quem diga que o assunto já deu. Discordo. O caso José Mayer pode até estar superado; o tema assédio sexual nos bastidores da teledramaturgia, não. Afinal, o bonitão da Globo não foi o primeiro nem – infelizmente – será o último a apostar em meios escusos para obter sexo fácil. Ou alguém aqui vai dizer que nunca ouviu falar no chamado “teste do sofá”?
Tão antigo como o sonho por um lugar à frente das câmeras, o sexo como moeda de troca parece fazer parte da cultura de certo segmento do meio artístico. Atrizes e atores mundo afora, vez por outra, vêm a público falar sobre o assunto. Do passado da menina prodígio Judy Garland (1922-1969) à contemporaneidade da premiada Charlize Theron, 41 anos, e passando pela eterna sex symbol Marilyn Monroe (1926-1962), são muitas as estrelas que dizem ter sofrido assédio (e até abuso) sexual no escurinho dos bastidores. E não apenas elas. Eles também são alvo dos predadores travestidos de caça-talentos. O ator Corey Feldman, 42, que começou a carreira como ator mirim, lá pelos anos 1980, denuncia na autobiografia “Coreyography” ter sido vítima de pedófilos camuflados entre os cineastas com quem trabalhou. Não por acaso, o tema inspirou parte da trama de uma série da própria Globo: “Nada Será como Antes”, de Guel Arraes, Jorge Furtado e João Falcão.
Então, o que há mesmo de novo no imbróglio Mayer-Tonani? Não precisa pensar muito para responder: a divulgação do fato, amplificada pelas redes sociais. Fosse outra a época, o desabafo da figurinista cairia no vácuo em que tantos outros se perderam ou foram silenciados.
E não nos enganemos com a postura politicamente correta da Globo. A decisão, possivelmente nascida em um comitê de gerenciamento de crise, passou pelo crivo do setor jurídico. Afinal, se fizesse cara de paisagem ou (pior!) se optasse por sair em defesa do suspeito, a emissora corria o risco de ver emergir um lodo malcheiroso, jogado há décadas para debaixo do tapete. Mais que isso: junto com revelações constrangedoras, uma avalanche de ações indenizatórias milionárias. Ao acolher a denúncia da vítima e ouvir o clamor da audiência, a empresa acredita ter colocado um ponto final em uma questão em que sobravam exclamações, reticências e, sobretudo, interrogações.
Machistas existem em todas as faixas de idade
e não apenas entre artistas sexagenários
E quanto ao mea culpa de José Mayer? Mais reticências. Ele atribui a própria canalhice a uma espécie de defeito de fábrica da geração a que pertence. Com isso, julga atenuar sua responsabilidade e acaba por incentivar o preconceito que alguns jovens nutrem em relação aos mais velhos. Ora, pessoas racistas, homofóbicas, misóginas, sexistas existem em todas as faixas de idade e em vários setores de atividades. Não apenas entre artistas sexagenários.
É preciso admitir: a idade, definitivamente, não é o fator preponderante para atitudes sexistas. Aqui vai um testemunho. Logo após estourar o imbróglio Mayer-Tonani, em um grupo de WhatsApp do qual participo, um jovem de vinte e poucos anos demonstrou curiosidade sobre o que lhe parecia ser o cerne da questão: “Ela [a figurinista] pelo menos é bonita?”, indagou.
Como assim? O que beleza tem a ver com desrespeito? E ele: “Ah, porque se for feia é pior ainda, né? Um cara pintoso como ele [Mayer], levar fora de uma mocreia…”. Nem me dei ao trabalho de tentar explicar ao rapaz que, para o assediador, a estética pode ser irrelevante. No seu delírio, ele acha que todas as mulheres (ou homens) deveriam se sentir honrados em poder lhes prestar favores sexuais.
Mas é possível tirar lições do episódio. A principal é a de que é preciso denunciar toda e qualquer manifestação de assédio/abuso. A outra é que a vergonha não cabe ao assediado, mas – e sempre! – ao autor do assédio. Agora, é esperar. Será que, como na ficção, nada será como antes?
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