Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
Corrupção e impunidade
STF altera entendimento sobre a presunção de inocência e causa polêmica: advogados condenam, enquanto promotores de justiça e juízes defendem
O Supremo Tribunal Federal (STF) alterou no dia 17 deste mês o seu entendimento sobre a presunção de inocência. Assim, se antes desta decisão do STF, pessoas condenadas em primeiro e segundo graus podiam aguardar o julgamento de recursos ao Superior Tribunal de Justiça e ao próprio STF em liberdade, a partir de agora, se houver confirmação da sentença condenatória em segundo grau, já podem ser enviadas para a cadeia e iniciar o cumprimento da pena.
Como era de se esperar, a decisão causou muita polêmica, pois, se foi – e está sendo – duramente criticada pelos advogados por atingir em cheio uma das principais garantias constitucionais do cidadão brasileiro, também foi comemorada por muitos setores, a exemplo de magistrados e promotores de justiça, como um marco na luta para acabar com o estigma de impunidade do Judiciário neste país.
A discussão não é nova, pois de há muito que a ciência criminal encontra duas tendências diametralmente opostas: a do garantismo e a do movimento de lei e ordem. Assim, enquanto para os garantistas, o delinquente deve ser investigado, processado, condenado e punido, com todo respeito às mais amplas garantias inerentes à sua condição humana e de cidadão, os adeptos do chamado movimento de lei e ordem defendem que as garantias que o indivíduo sujeito à persecução penal deve ter são as mínimas possíveis com vistas a preservar a preponderância do Estado em face dos violadores da lei.
Polêmicas à parte, o fato é que basta se olhar através da transparência opaca das portas, janelas e vidraças do poder Judiciário brasileiro para se ter a sensação de que, na forma como este funciona, a não punibilidade é a regra, pois, não raro, a presunção de inocência neste pais parece estar atrelada ao status social e à capacidade financeira dos réus para bancar os custos de bons advogados para impetrarem recursos e mais recursos, adiando indefinidamente o início do cumprimento da pena restritiva de liberdade.
Precisamos, além de barreiras éticas, de barreiras jurídicas, legais e fortes
Sei que não é fácil para os que não conhecem, ainda que minimamente, os meandros do Direito entender o cerne da questão, mas, no sistema constitucional brasileiro, quando alguém é acusado de cometer um crime, toda a matéria de fato (se o crime ocorreu, quem o cometeu e quais foram as circunstâncias do crime) será objeto de prova, debate e julgamento por juízes de primeira instância e depois pelos Tribunais de Justiça ou pelos Tribunais Regionais Federais, cabendo ao STF ou ao STJ apenas apreciar eventuais recursos se a sentença condenatória violou, no primeiro caso, alguma regra constitucional ou, no segundo, se a violação foi de lei federal.
Além do mais, esses recursos que discutem apenas matéria de direito não suspendem os efeitos da sentença condenatória. Nessa lógica, o fato do condenado em duas instâncias ter de recolher-se à prisão, mesmo que ainda estejam pendentes de julgamento eventuais recursos especial e extraordinário, infelizmente, vale o risco de se punir um inocente para não beneficiar com a impunidade algum culpado, pois em um país, onde por falta de uma assistência jurídica adequada, muitos dos internos do sistema prisional continuam presos mesmo após terem cumprido a pena a que foram condenados, são poucos os réus que podem contratar, a peso de ouro, advogados inteligentes e habilidosos para interpor recursos protelatórios sucessivos até alcançarem a prescrição e, consequentemente, garantir que seus clientes não sejam punidos.
Mesmo em tempo de operação Lava Jato, sinceramente, ainda é muito cedo para se desvendar as verdadeiras razões que levaram a nossa Suprema Corte a mudar o seu entendimento a respeito da presunção de inocência e os seus efeitos sobre a sensação de insegurança e impunidade que grassa entre nós, gerando o total descrédito dos órgãos estatais relacionados à persecução penal: polícia, Ministério Público e o próprio Poder Judiciário, notadamente em relação aos chamados crimes do colarinho branco.
Na coleção das grandes falcatruas ocorridas na história deste país são poucas as punições, como se culpados quase não houvesse. Muitas dessas fraudes e negociatas envolveram altas autoridades da casta que se aglomera no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, nas diversas instâncias da Justiça (fóruns, tribunais etc.), e nos meandros do Poder Executivo.
Corrupção não se faz, se constrói. Assim, não é sem sentido que Robert Klitgaard, um estudioso do tema, afirma que a corrupção é um crime de cálculo e não de paixão. Ou seja, o comportamento corrupto deriva menos da carência de princípios morais ou éticos, do que das condições materiais que permitem que ele ocorra e para combatê-lo há que se diminuir as oportunidades da sua ocorrência, aumentando as chances da ação corrupta ser descoberta e a probabilidade dos autores serem responsabilizados e punidos.
Nessa lógica, do conjunto da obra de corruptos e corruptores na história do Brasil, apesar de avanços circunstanciais, já que, pela primeira vez se atingiu pessoas do alto escalão político e econômico, presumidamente inocentes, com “ficha limpa” e até bem pouco tempo consideradas “acima de qualquer suspeita”, comprovando a prática de corrupção bilionária, constata-se que precisamos, além de barreiras éticas, de barreiras jurídicas, legais e fortes, ou, lamentavelmente, durante muito tempo, continuaremos sendo um país corrupto e, pior, conivente com a impunidade.
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