Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
Corrupção não tem lado, cor ou partido
Estamos aprendendo, a duras penas, que a diferença entre a corrupção da esquerda e da direita, neste país, é apenas de atores, graus e valores

Não é de hoje, nem de ontem, que certos assuntos, entre nós, foram erigidos à condição de “não discutibilidade”. Assim, não raro, quando o assunto é crença religiosa, futebol ou política, toda contestação sempre foi, praticamente, inútil.
Mas como era de se esperar, com o país dividido em torno do processo de impeachment da sua presidente, a política, indiscutivelmente, assumiu a posição principal dentre os temas não discutíveis a ponto de, em função do clima de confronto e de falta de diálogo, estar gerando muitas agressões verbais, presenciais e virtuais, simplesmente quando a posição de um dos interlocutores contraria a do outro no aspecto ideológico. Afinal, como nos alerta George Orwell: “gritar sempre com os demais é o único modo de estar seguro”
Governo ou oposição. Petralha ou coxinha. Impeachment ou golpe. As polêmicas no campo político têm dividido os debates entre duas correntes básicas que, numa ótica simplisticamente nociva, coloca de um lado as forças ditas progressistas e democráticas, logicamente, detentoras do monopólio das virtudes, e, do outro, aqueloutras consideradas conservadoras, reacionárias e fascistas, onde sobram as iniquidades e os vícios.
Embora tal concepção, além de reducionista seja absolutamente falsa, inegavelmente, conseguiu dividir a sociedade de forma maniqueísta, em que de um lado está o “bem”, que é contra a corrupção, e do outro o “mal”, que é a favor da continuidade de tudo, dando-nos o aval que precisávamos para odiarmos ao outro, o diferente, já que ele é pintado como uma ameaça contra tudo aquilo que almejamos.
Permanecer apenas no plano ético ou
moral não resolve a questão
Se esse ou aquele político de esquerda ou de direita, independentemente das variações, nuances e matizes de cada espectro político, é corrompido ou se funcionários de órgãos públicos cedem às propinas de empresários da iniciativa particular que os compram, todos devem ser responsabilizados, pois, em uma República, ninguém pode estar acima da lei.
Assim, todo e qualquer cidadão comprovadamente envolvido em corrupção deve ser penalizado conforme determina a lei, seja ele agente político, independentemente do partido a que esteja vinculado, ou particular interessado. Não é possível compactuar com a corrupção ou relativizar seus efeitos, ao sabor das nossas preferências ideológicas ou partidárias.
Ninguém em sã consciência pode ser a favor da corrupção, mas, também, quem entende um pouco do que está acontecendo em nosso país sabe que o impeachment da presidente e a saída do PT do governo não irão resolver a crise econômica nem o problema da corrupção.
Mais que demonstrações raivosas, de ira, um combate real à corrupção no Brasil, exige uma luta contínua, envolvendo o debate sério e o engajamento de toda a população, pois, seguramente, não será demonizando apenas um dos lados ou criminalizando pessoas, em lugar dos fatos, com processos pontuais que iremos pôr um fim a essa espiral cujo ápice encontra-se junto aos grandes escalões do poder.
Permanecer apenas no plano ético ou moral não resolve a questão! Com a história nos mostrando que neste Brasil brasileiro a corrupção não tem lado, cor ou partido, como nos alerta o procurador da República Deltan Dallagnol, enquanto tivermos um sistema de financiamento partidário baseado em corrupção, em todos os níveis de governo, teremos políticos e funcionários públicos corruptos ao lado de empresas corruptoras ligadas pelo compromisso de interesses comuns de ocultar a conveniência e a conivência que alimentam essa convivência.
Corrupção não é uma sina a que
estamos condenados pelo destino
Nessa lógica, polêmicas à parte já que a corrupção nos iguala, é melhor concentrarmos nossos esforços para aprendermos a conviver com as nossas diferenças no esporte e na religião para evitarmos complicações na hora de batermos papo com amigos num bar, no trabalho, na vizinhança ou nas redes sociais, pois, com certeza, ainda teremos muitas divergências a harmonizar.
No que se refere à política, paralelamente aos sacrifícios que se sucederão aos sacrifícios e aos problemas que enfrentaremos com a gestão da crise econômica, precisamos reconhecer que a corrupção não é um problema de um partido ou de um governo, portanto, como fenômeno endêmico e sistêmico que é, não será com a partidarização do discurso ou com a crença ilusória de uma mudança de governos ou partidos que poremos um fim no seu círculo vicioso.
E, para isso, se faz imprescindível a fiscalização pela população em geral, no processo de caça às bruxas e aos bruxos para não perdermos a capacidade de nos indignar diante da gama de episódios no atacado, como os da Lava Jato, dos mensalões e mensalinhos, mas, também, diante do varejo da corrupção mais “cotidiana”, em níveis estadual e municipal.
Corrupção não é uma sina a que estamos condenados pelo destino, pela nossa formação cultural ou seja lá pelo que for, mas é um mal que tem que ser combatido com a mobilização popular, com instituições saudáveis e com políticas públicas preventivas e repressivas, fortes e permanentes. Afinal, queiramos ou não, estamos aprendendo a duras penas que a diferença entre a corrupção da esquerda e da direita, neste país, é apenas de atores, graus e valores que variam de acordo com a partitura e o maestro, não se distinguindo quanto à natureza, aos meios, nem aos fins.
Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
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