Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PMBA, professor e coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia e docente da Academia de Polícia Militar.
Decisão judicial não se discute, descumpre-se!
O Direito admite discordâncias sobre decisões de magistrados, mas não contempla a possibilidade do seu descumprimento

Não é necessário ser um jurista ou um cientista social para compreender que a teoria da separação dos poderes, pressupondo um sistema de governo no qual se conjugam um Legislativo, um Executivo e um Judiciário, harmônicos e independentes entre si, representa o modelo ideal para evitar a concentração de poderes nas mãos de um ou de poucos, distinguindo o despótico, o oligárquico e o monárquico do democrático.
Fruto das preocupações de teóricos e pensadores desde a Antiguidade, como Aristóteles e John Locke, foi com Charles-Louis de Secondat, mais conhecido por Montesquieu, devido ao seu título de nobreza, Barão de La Brède e de Montesquieu, que a teoria da tripartição dos poderes se consolidou e, até hoje, serve de guia para as sociedades que adotaram os três poderes no estado.
Embora no Brasil a separação dos poderes com “independência” e “harmonia”, segundo a intenção original dessa regra, tenha permanecido no plano utópico, nunca antes, na nossa história republicana, havíamos vivenciado crise político-institucional tão singular como a dos últimos tempos, com a atual guerra travada entre o Legislativo e o Judiciário/Ministério Público.
Nessa lógica, tenho certeza de que Montesquieu, nunca foi tão lembrado entre nós, neste momento de tensões e “impasses” institucionais que vivenciamos, como na semana passada quando a temperatura da crise política subiu assustadoramente, em função da liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello determinando o imediato afastamento do senador Renan Calheiros da presidência do Senado, colocando à prova os limites da independência e da harmonia entre os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo no nosso país.
Com o Brasil e o mundo assistindo a uma vergonhosa queda de braço, com um poder desafiando o outro, no melhor estilo dos duelos de capa e espada, tendo como palco a Praça dos Três Poderes, foi necessária a intervenção de interlocutores das presidências da República e do Senado e muita negociação para salvar a pele do senador Renan Calheiros e evitar que o Supremo Tribunal Federal fosse responsabilizado pelo aprofundamento da crise, se é que isso ainda é possível.
Passado o auge do impasse institucional e o transitório desassossego, com o acordão costurado por interlocutores dos três poderes, utilizando o “sistema de freios e contrapesos” que caracteriza o nosso já famoso jeitinho brasileiro, permaneceu tudo como dantes com o senador Renan Calheiros mantido no cargo de presidente do Senado até o final do seu mandato, embora tenha ficado fora da linha sucessória da Presidência da República, mesmo depois de ter se tornado réu por peculato no STF, onde responde a mais 11 processos, e da flagrante desobediência judicial.
Nem todos são iguais perante os olhos
daqueles que aplicam as leis neste país
Como era de se esperar, a polêmica decisão do Supremo Tribunal Federal de manter o senador Renan Calheiros na presidência do Senado, além de causar indignação e revolta em grande parte da sociedade brasileira, foi criticada por juristas e outros especialistas, apesar da sua boa fundamentação jurídica, diante dos requisitos da liminar, que viram no episódio uma grave afronta à autoridade tanto do STF como da própria casa legislativa.
Numa sociedade realmente democrática, sempre há possibilidade de se recorrer de uma decisão judicial, pois, se não cabe recurso é porque o ato já transitou em julgado. Assim, apesar de entender como perfeitamente natural a irresignação do senador Renan Calheiros, pois é próprio da nossa condição humana não nos conformarmos com decisões que nos são desfavoráveis, decisões judiciais precisam ser cumpridas!
Nesse sentido, o fato de o Direito admitir discordâncias e permitir discussões sobre as decisões dos magistrados e dos tribunais não implica, obviamente, na possibilidade do seu descumprimento, sob pena de se pôr em cheque a credibilidade e a segurança do próprio sistema judicial, além de se constituir em um precedente muito perigoso para a própria ordem democrática.
Apesar de ter consciência de que nem todos são iguais perante os olhos daqueles que aplicam as leis neste país, também, estranhei e senti falta de uma posição enérgica da nossa Suprema Corte ante um ato de desobediência explicito, doloso e flagrante do presidente do Senado e da sua Mesa Diretora.
Polêmicas à parte, sem entrar no mérito se o episódio revelou a força política do senador Renan Calheiros, se demonstrou as fragilidades institucionais do Supremo Tribunal Federal ou se as duas assertivas se completam, uma coisa ficou muita clara: decisão judicial não se discute, descumpre-se sempre que conveniente aos governantes.
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