Inflação de alimentos, deterioração da renda e enfraquecimento do Real
Texto de Cleiton Silva de Jesus e Márcia da Silva Pedreira
Os preços dos alimentos estão subindo rapidamente em todo Brasil a ponto de notar-se um grande deslocamento entre a variação do valor da cesta básica e a valorização do salário mínimo nos últimos 4 anos. Se um salário mínimo bruto comprava 2,6 cestas básicas em setembro de 2018, no último mês de setembro o salário mínimo passou a comprar apenas 1,9 cesta. É menos comida na mesa das famílias que recebem o piso salarial para ocupações formais. Como se não bastasse, a taxa de desemprego está nas alturas, acima de 13% da força de trabalho e, para quem está empregado, o rendimento médio real de todos os trabalhos (em ocupações formais e informais) despencou nos últimos meses. De fato, a alta inflação dos alimentos essenciais e as condições adversas no mercado de trabalho é uma combinação socialmente indesejável em um país que, estruturalmente, é marcado pela alta desigualdade de renda.
Uma das explicações para a rápida escalada dos preços dos alimentos no Brasil é a depreciação da nossa moeda em relação à moeda norte-americana. Isso é o que nós economistas chamamos de depreciação cambial. De setembro de 2018 a setembro de 2021 o Dólar norte-americano aumentou de R$ 4,12 para R$ 5,28 – uma depreciação cambial de 28% em três anos. Hoje o Dólar está ainda mais caro, acima de R$ 5,50. É verdade que, em média, as moedas dos países emergentes como o Brasil têm se depreciado após o início da pandemia do novo coronavírus, mas a magnitude da depreciação da moeda brasileira é tão grande a ponto de sugerir que o enfraquecimento do Real está também associado com ingerências na condução da política macroeconômica do país.
A maneira pela qual as alterações na taxa de câmbio afetam os preços dos alimentos e o valor da cesta básica é uma pergunta que geralmente as pessoas se fazem. Para responder esta pergunta, é preciso destacar que muitos alimentos que produzimos internamente também são negociados com outros países, principalmente China, União Europeia, Estados Unidos e Argentina. Além disso, quando o Real se deprecia em relação ao Dólar, o preço dos alimentos que produzimos internamente fica mais barato para o comprador estrangeiro. Deste modo, o processo de depreciação cambial estimula a demanda internacional por produtos brasileiros. Este movimento é muito bom para a balança comercial, mas provoca uma pressão por aumento dos preços dos alimentos no mercado doméstico. Em síntese, o aumento da demanda internacional por commodities agrícolas associado à depreciação cambial acaba elevando, em Real, o preço dos alimentos que compõe a cesta básica.
Para se ter uma ideia mais concreta desta ligação entre a taxa de câmbio e valor da cesta básica ao longo do tempo, calculamos o crescimento acumulado da mediana do preço da cesta básica monitorada mensalmente pelo DIEESE, em 14 capitais estaduais mais Brasília, e a depreciação acumulada da taxa de câmbio, com dados a partir de janeiro de 2010. Resultado: as duas curvas se movem com alguma sintonia ao longo desses quase 12 anos e, ainda, o crescimento acumulado do valor da cesta básica (185%) não foi tão diferente da depreciação cambial acumulada (197%). O salário mínimo, por seu turno, só cresceu 116% neste mesmo período.
Entendemos que as perspectivas para a reversão deste cenário de preço dos alimentos em nível elevado não são animadoras, pelo menos no curto prazo. Por um lado, o Banco Central tem aumentado sucessivamente a taxa básica de juros para conter a inflação, o que é seu papel, mas este movimento na política monetária está associado com um crescimento econômico mais baixo no próximo ano. Este movimento contracionista da política monetária pode, inclusive, ser acompanhado por mais instabilidade política, institucional e macroeconômica no ano que é eleitoral. Estes fatores combinados, caso se concretizem, podem impedir uma queda mais acentuada da nossa elevada taxa de desemprego, com sérias consequências sobre a dinâmica da renda real do trabalho, mesmo com o fim da pandemia.
Acreditamos que se a taxa de câmbio permanecer depreciada ao longo do próximo ano, com o preço do Dólar consistentemente acima dos R$ 5,50, o preço dos alimentos básicos tem altas chances de continuar em nível elevado, tornando ainda mais duradouro o sofrimento da parcela da população que recebe até um salário mínimo. Por fim, cabe ressaltar que a parcela mais pobre da população tem uma proporção maior de alimentos em sua base de consumo, ou seja, gasta maior parte da renda com esses produtos, enquanto que entre os mais ricos o peso dos serviços na renda é mais elevado do que o dos alimentos. A alta no preço dos alimentos, portanto, gera um impacto negativo muito maior na população de baixa renda, que é a mesma população que tem maiores chances de vivenciar uma situação de insegurança alimentar.
Cleiton Silva e Márcia da Silva são economistas; professores de economia na Univerisade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
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